domingo, 7 de dezembro de 2014

Vai um travesseiro de Sintra?

Venho analisar o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo 10585/13 de 20 de Novembro de 2014.

Neste acórdão veio recorrer-se da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo Sul a 11 de Março de 2013 na qual o Tribunal se declarou territorialmente incompetente para conhecer do pedido formulado, declarando a competência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra. Pede-se a condenação do pagamento de €19 255 20  acrescida de juros de mora (€1 750 80) e vincendos até ao pagamento integral.

A recorrente havia apresentado uma acção administrativa comum [1] na sequência da apresentação de requerimento de injunção levado à distribuição peticionando a condenação no  pagamento de serviços de catering prestados pela recorrente. A 6 de Outubro de 2011 a recorrida, enquanto entidade pública adjudicante adjudicou à recorrente a prestação por esta última à primeira de serviços de catering no âmbito do evento “1001 Músicos” que decorreu nos dias 6, 7 e 8 de Outubro de 2011 no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Na sequência do contrato, serviram-se 1420 refeições sendo certo que o contrato celebrados pelas partes tinha por objecto a confecção e fornecimento de refeições e tinha como lugar do cumprimento Lisboa, local onde as  referidas refeições seriam servidas.

Tendo a sua sede social em Carnaxide, concelho de Oeiras, entendeu o tribunal a quo que era esse o local onde a obrigação pecuniária deveria ser cumprida e, consequentemente, seria o Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra o competente para conhecer da mesma, de acordo com o art.º 19º do CPTA. Ora, entende a recorrente que o lugar do cumprimento do contrato de confecção e fornecimento de refeições é Lisboa, local onde foram fornecidas e servidas as aludidas refeições que a recorrida adquiriu e, por isso mesmo, refere este que ao contrário daquilo que foi entendido, as questões aqui a serem apreciadas devem-no ser pelo Tribunal do lugar do fornecimento das refeições por este ser o objecto contratual que, por sua vez, é na cidade de Lisboa, o que, à luz do critério especial de atribuição de competência territorial – art.º 19º CPTA – o tribunal competente seria o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. Mais, mesmo que se entendesse que a obrigação de pagamento deveria ser cumprida no lugar do domicilio do credor – art.º 774º CC – a verdade é que a obrigação de fornecimento das refeições tinha como local de cumprimento a cidade de Lisboa, de maneira que daqui retiraríamos uma conexão simultânea com dois lugares pertencentes a jurisdições territoriais distintas e, deste modo, na impossibilidade de determinação da competência territorial, por recurso ao art.º 22º do CPTA, que nos refere que no caso de ser impossível determinar a competência territorial por aplicação dos artigos anteriores é competente o Tribunal Administrativo  de Círculo de Lisboa. Entendendo, assim, a recorrente que a o tribunal territorialmente competente para conhecer do litígio seria o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

Aqui, está em causa a apreciação do disposto no art.º 19º [2] do CPTA, que tem como epígrafe “Competência em matéria relativa a contratos” e refere que “As pretensões relativas a contratos são deduzidas no tribunal convencionado ou, na falta de convenção, no tribunal do lugar de cumprimento do contrato.”. In casu, o contrato tinha como objecto o fornecimento de refeições e o correspondente pagamento das refeições, sendo uma relação sinalagmática. É óbvio que se trata de uma obrigação pecuniária e, neste sentido, dispõe o art.º 774º CC que a prestação deve ser efectuada no lugar do domicilio que o credor tiver ao tempo do cumprimento. Invocou, no entanto, a recorrente, a existência de mais do que uma prestação contratual, sendo que cada uma delas tem um lugar distinto para ser cumprida. O credor tem o domicilio em Carnaxide, freguesia do concelho de Oeiras, é competente para conhecer do pagamento do preço devido o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (mapa anexo ao DL 325/2003, 29 Dezembro por aplicação do critério consagrado no art.º 19º), não se aplicando o art.º 22º que a recorrente invoca.

Assim, entendeu-se que o Tribunal competente seria sempre o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra. Não consigo é perceber, no entanto, o que levou a recorrente a ser tão persistente nesta luta, o que a levaria a querer tanto que o tribunal competente fosse o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e não o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra. Poderia conseguir perceber a insistência se estivesse em dúvida o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela e o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, na medida em que são quase 500km que separam as duas cidades. Mas, estamos a falar de Sintra, que fica a apenas a 30km de Lisboa e fica ainda menos de Carnaxide. De facto, estamos perante o pagãmente de quantia devida pelo pagamento de fornecimento de refeições num evento que se realizou no CCB, Lisboa, tendo que se aplicar o art.º 774º do CC e, daqui, decorre que será o T.A.F. de Sintra o competente para conhecer do pedido, uma vez que tem a Autora a sua sede no concelho de Oeiras e é na sede da Autora que deve ser cumprida a prestação em causa e, do mapa anexo ao DL 325/2003 de 29 de Dezembro decorre que Oeiras pertence ao T.A.F. de Sintra. Assim, o art.º 19º CPTA refere que as pretensões relativas a contratos são deduzidas no tribunal do cumprimento do contrato e, uma vez que se trata de uma obrigação pecuniária, temos que recorrer ao art.º 774º CC que nos indica qual é o local do cumprimento do contrato, sendo este o lugar do domicilio que o credor tiver ao tempo do cumprimento, tratando-se, neste caso, da sede da autora.

Constato que o art.º 19º por si só não nos levaria a concluir qual era o local de cumprimento do contrato mas não é por esse facto que recorreríamos ao art.º 22º, uma vez que a norma supletiva do art.º 774º CC aplicava-se. A autora não tinha razão nenhuma, nem quando tentou aplicar duas jurisdições diferentes por se tratarem de diferentes obrigações.

Embora tenha direito às pretensões deduzidas, a autora deve dirigir-se correctamente (desta vez!!) ao tribunal, nomeadamente ao T.A.F. de Sintra. Mas o que a Autoria não queria era acabar a comer um travesseiro de Sintra, acho que deve preferir pastéis de Belém...!


Assunção Belmar da Costa Vassalo Bernardino
nº22039



[1] O processo comum é aplicável a todos os casos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito de jurisdição administrativa que não sejam objeto de regulação especial nem no CPTA nem em lei avulsa – art.º 37º. Assim, do que resulta dos arts.º 35º e 37º, nº1, seguem a formada acção administrativa comum todos os processos nos quais não seja deduzida nenhuma das pretensões para as quais o CPTA estabelece um modelo especial de tramitação e que são aquelas que o Código prevê no art.º 46º (acção administrativa especial), art.º 97º, 100º, 104º e 109º (processo urgente).
[2] Importa sublinhar que o regime do art.º 19º só é aplicável aos processos que têm por objecto questões de interpretação, validade e execução dos contratos – art.º 37º, nº 2 -  não abrangendo os processos de impugnação de actos administrativos pré-contratuais.

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