quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

(In) Impugnabilidade dos regulamentos administrativos

Seguindo a definição do Professor Freitas do Amaral, os regulamentos são normas jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada que detenha poderes para o fazer.

Inicialmente os regulamentos detinham uma certa imunidade no que se relacionava com a possibilidade de impugnação dos mesmos, dado que o regulamento era sinónimo de supremacia de força geral.
A inimpugnabilidade dos regulamentos prendeu-se essencialmente pela não interferência das autoridades jurisdicionais no âmbito da actividade da Administração , a qual decorreu da efectivação da teoria da separação de poderes. Por outro lado, o regulamento era definido como uma norma geral e abstracta que não se destinava a nenhum individuo específico, e assim sendo não poderia violar qualquer direito. Considero estas duas razões as mais fortes para justificar a imunidade atribuída aos regulamentos.
Com o passar dos anos, esta impugnabilidade atribuída aos regulamentos começou a ser atacada. O primeiro pilar a ser derrubado deu-se com a admissibilidade da impugnação indirecta do regulamento. Mais tarde, em 1864 com a reforma francesa, a lei passou a admitir tanto a impugnação indirecta como a directa. Pretendia-se demonstrar que a lei se impunha aos regulamentos, e que estes não eram considerados superiores ou imunes à jurisdição. Esta reforma passou a admitir o recurso directo de anulação contra os regulamentos quando estivesse em causa uma situação de desvio de poderes. O acto de impugnação só poderia provir de alguém que tivesse um interesse directo e pessoal.
Tal como em França, Espanha e Itália também se propuseram a acabar com a imunidade que os regulamentos auferiam, admitindo também a sua impugnabilidade, de forma reservada e sujeita a pressupostos concretos.
Para além da impugnação incidental e da impugnação directa dos regulamentos auto-aplicativos (directamente lesivos), hoje estamos a enfrentar um alargamento dos pressupostos subjectivos da impugnação directa de todo o regulamento ilegal.
A lei sobrepõe-se ao poder da Administração e procura-se o princípio da defesa dos particulares quando estes se deparam com efeitos lesivos de regulamentos ilegais.
Actualmente esta matéria vem tratada nos artigos 72º a 76º do CPTA, referente à impugnação de normas.
Hoje é possível recorrer à impugnação incidental da validade dos regulamentos, que se insere no âmbito de uma impugnação de um acto administrativo (art.1º/2 e art.2º do ETAF, e art.52º/2 do CPTA), como à impugnação directa da norma (art.73º CPTA). Esta jurisdição passou a ser da competência dos tribunais administrativos de círculo (excepto quando forem normas editadas pelo Conselho de Ministros e pelo Primeiro-Ministro, que aqui já será submetida ao Supremo Tribunal Administrativo).
Recorremos à impugnação incidental quando estamos perante um acto administrativo autorizado por um regulamento ilegal, pedindo a nulidade ou anulabilidade do acto e consequentemente o tribunal irá desaplicar a norma ilegal que servia de fundamento a esse mesmo acto. A impugnação indirecta por via incidental encontra-se fundamentada pelo artigo 203º da Constituição da República Portuguesa. Se existe um acto praticado com fundamento numa norma ilegal, será legítimo arguir a ilegalidade da norma sendo que da sua desaplicação decorrerá a invalidade do acto impugnado a título principal.
No que toca ao controlo abstracto e concreto da legalidade dos regulamentos estaduais e regionais que violem a autonomia, este é da competência do Tribunal Constitucional (art.72º/2 CPTA e 281º/1 c) e d) da CRP).
A impugnação dos actos administrativos tem como única forma processual a acção administrativa especial.
Apesar de existir apenas uma forma processual, existem dois regimes de impugnação directa de normas administrativas. 
primeiro encontra-se no artigo 73/2 do CPTA no qual se refere ao pedido de declaração ilegal restringidos ao caso concreto, isto é, corresponde à desaplicação da norma ao caso concreto. Trata-se de uma impugnação sem força obrigatória geral. A declaração de norma ilegal só vale para o interessado. Aqui só pode estar em causa uma norma com efeitos imediatos, sem intermédio de um acto administrativo. Esta acção pode ser proposta pelo lesado ou por autores populares. Temos de estar perante uma lesão efectiva ou uma lesão eventual (que muito provavelmente venha a ocorrer). Os efeitos decorrente desta situação não se encontram expressamente previstos na lei, mas a doutrina entende que produz efeitos ex tunc.
segundo regime encontra-se no artigo 73/1 do CPTA no qual está previsto a declaração abstracta da ilegalidade da norma, quando a sua aplicação já tenha sido recusada três vezes pelo tribunal. Neste caso, o particular interessado apenas pode impugnar a validade do regulamento se este já tiver sido julgado ilegal em três casos anteriores, e é necessário que este tenha sido prejudicado pela norma. Caso a lesão ainda não tenha ocorrido cabe ao particular provar a previsibilidade da futura lesão.
 Apenas o Ministério Público não está sujeito a este pressuposto, sendo que pode pedir a declaração abstracta da ilegalidade independentemente da repetição dos casos. Tendo o tribunal julgado três vezes, já apresenta uma impugnação com forca obrigatória geral, produzindo os seus efeitos para todos os actos fundamentados pela norma ilegal (efeitos: art.76ºCPTA). A regra é que os efeitos reproduzem-se retroactivamente, sem prejuízo de que o tribunal determine que apenas produz efeitos para o futuro, quando tal se justifique por razões de segurança jurídica ou por interesse público de valoração superior (art.76º/1 e 76º/2 do CPTA).




Ana Catarina Eça
nº21968

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ALMEIDA, MÁRIO AROSO DE, "Manual de Processo Administrativo"

AMARAL, DIOGO FRETAS, "Curso de Direito Administrativo"

ANDRADE, CARLOS VIEIRA DE, "A Justiça Administrativa"

MORAIS, CARLOS BLANCO DE, "A impugnação dos Regulamentos no Contencioso Administrativo Português"

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