domingo, 7 de dezembro de 2014

Do Processo Urgente




No Direito Contencioso Administrativo temos dois meios processuais, processo não urgente e processo urgente. Como vimos anteriormente, o meio processual não urgente segue duas formas, acção administrativa especial e acção administrativa comum. Por outro lado, no meio processual urgente temos um leque maior de formas processuais possíveis. Nos termos do artigo 36.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de ora em diante CPTA, aplicamos a forma processual urgente nos processos relativos a:
Contencioso eleitoral – artigos 97.º e seguintes;
Contencioso pré-contratual – artigos 100.º e seguintes;
Intimação para prestação de informações, consulta de documentos ou passagem de certidões – artigos 104.º e seguintes;
Intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias – artigos 109.º e seguintes

A forma processual urgente tem como característica principal, daí o nome, a celeridade com que o processo é conduzido, este elemento de celeridade reflecte-se não só no processo em si como no prazo legalmente estabelecido para intentar acção. Isto acontece para que o particular, em casos excepcionais, consiga uma decisão sobre o mérito da causa em tempo útil, visto que os processos urgentes visa garantir o efeito útil da decisão, objectivo que não seria conseguido pela tramitação normal dos processos não. Desta breve explicação retiramos que os processos urgentes são situações excepcionais, especialmente regulados no CPTA como tal e, fora deste número restrito de situações, o processo terá de seguir os meios regulares. Dito isto, fica uma dúvida por esclarecer, será que, em caso de um particular deixar passar o prazo de processo urgente pode, através do processo não urgente, intentar acção para reivindicar o seu direito? A resposta tem de ser negativa. O processo urgente é um meio imperativo, dentro das situações previstas na lei, é o único meio processual à disposição do particular.

De seguida, analisamos cada um dos meios processuais do processo urgente.
Quanto ao contencioso eleitoral, que tem como objecto as eleições que respeitem a organizações administrativas, meio de resolução de questões ou problemas que surjam no âmbito de eleições em entidades administrativas, ao abrigo do artigo 97.º. Tem legitimidade para intentar acção de impugnação de actos eleitorais “quem, na eleição em causa, seja eleitor ou elegível ou [...] pelas pessoas cuja inscrição haja sido omitida” (n.º 1 do artigo 98.º. O prazo para intentar acção é de sete dias a contar da data em que o lesado possa ter conhecimento do acto ou da omissão de acto, à luz do n.º 2 do mesmo artigo. Os prazos da restante tramitação encontram-se expostos no artigo 99.º, n.º 3, cinco dias para contestação e alegações, cinco dias para decisão do juiz ou relator e, por fim, três dias para os casos restantes. Este processo segue a tramitação da acção administrativa especial, nos termos do artigo 99.º, n.º 1, com regras específicas quanto ao seu carácter urgente, como acima mencionado.

No que toca ao contencioso pré-contratual, antes de mais, este apenas se pode aplicar à formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens. Todas as situações que se encontrarem fora desta lista, presente no artigo 100.º, n.º 1, não constituem possibilidade de aplicação de contencioso pré-contratual. O n.º 2 acrescenta ainda que podem também ser impugnados através desta via processual os programas, cadernos de encargos ou quaisquer outros documentos conformador do procedimento de formação dos contratos em causa. Os prazos neste meio são bastante curtos, embora maiores que na anterior. O lesado tem um mês desde a data em é notificado do acto administrativo ou, em caso de não existir notificação, a partir do momento em que toma conhecimento do acto (artigo 101.º). Este meio processual tem como objecto a existência de ilegalidades de decisões administrativas no que concerne a formação dos contratos elencados anteriormente. Aplicamos, por força do artigo 101º os pressupostos de impugnação dos actos, devendo por isso o processo seguir a forma de acção administrativa especial, com as devidas ressalvas.
O contencioso pré-contratual abre ainda uma janela ao tribunal de, nos termos do artigo 103.º, optar pela via de uma audiência pública para uma mais fácil e rápida esclarecimento da questão.

No caso de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, este meio tem como requisitos a violação do dever de informação legalmente estabelecido, seja durante um processo ou no acesso aos arquivos e registos administrativos, como se encontra explanado no artigo 104.º. Este meio também se encontra ao dispor do Ministério Público, n.º 2 do 104.º. Tem, como objecto, a inobservância do dever de informação por parte da administração. Mais, tem legitimidade para intentar uma acção nestes moldes quem for titular de um direito de informação ou, em caso de utilização da informação para efeitos impugnatórios, todo aquele que tenha legitimidade para intentar acção de impugnação do acto administrativo em causa. O prazo deste meio processual é de vinte dias a partir do momento em que se verifica um dos factos elencados nas várias alíneas do artigo 105.º. O juiz deve atribuir à entidade requerida um prazo de dez dias para responder ao pedido, quer esta apresente resposta ou se mantenha em silêncio tendo decorrido o prazo deve o juiz apresentar decisão (artigo 107.º).

Finalmente, temos a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Não só este meio processual se encontra previsto e especialmente regulado nos artigos 109.º a 111.º, como também na Constituição, nomeadamente no artigo 20.º, n.º 5, que garante a defesa de direitos, liberdades e garantias através de meios judiciais céleres. Este meio processual encontra-se à disposição, nos termos do artigo 109.º, nas situações em que seja “[...] indispensável para assegurar um exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia [...]” a adopção de uma conduta positiva ou negativa por parte da Administração ou de um concessionários (n.º 2 do artigo 109.º). A celeridade da decisão impõe-se de forma a evitar a deterioração ou inutilização de um direito. Tem legitimidade para intentar acção nestes moldes quem for titular de um direito, liberdade ou garantia que se encontre em especial perigo. A tramitação deste meio processual segue, regra geral, a descrita no artigo 110.º, mas também pode seguir uma forma especial se a urgência da situação o justificar, à luz do artigo 111.º, nomeadamente nos casos em que a lesão para o particular seja iminente e de carácter irreversível. Aqui, a lei oferece a possibilidade de se resolver o caso via audiência oral, no prazo de 48 horas (artigo 111.º, n.º 1). Para finalizar, as decisões improcedentes sobre a matéria de direitos, liberdades e garantias, são sempre recorríveis independentemente do valor da acção, nos termos do artigo 142.º, n.º 3, alínea a).
Concluindo, os meios processuais urgentes são prova da gravidade do problema que atinge a maioria do sistema judicial português, a morosidade das decisões, com todos os encargos e consequências que essa mesma lentidão judicial possa ter. Reconhecendo o problema e, ainda mais que isso, procurando uma solução para casos cuja não resolução em tempo útil implique uma erosão ou mesmo destruição do direito do particular e, por conseguinte, a inutilidade de uma eventual decisão judicial, o legislador criou esta forma de processo a título excepcional. Não obstante tratar-se de um meio processual muito restrito, consideramos que é uma forma essencial à garantia e protecção de certos direitos que, pela sua fragilidade e efemeridade, não seriam tutelados de forma satisfatória por qualquer outro meio processual.

Joel David Cruz Rodrigues
N.º 19689


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