O
papel do Ministério Público no nosso Contencioso Administrativo sempre foi um
pouco sui generis, atentando no facto
de que este órgão da Justiça Portuguesa pode ocupar diversos papéis/funções no âmbito
da Jurisdição Administrativa.
Temos
que antigamente, antes da reforma do contencioso Administrativo de 2002-2004, o
MP tinha como funções as legitimidade activa (a Acção Pública), a coadjuvação
do tribunal e ainda a de representar o Estado em juízo[1]. No entanto, com a reforma
de 2002-2004, não se conseguiu limitar a participação do MP no nosso regime de
contencioso, de modo que se manteve a possibilidade de este órgão jurisdicional
propor acções (agir como Autor nas Acções Públicas- art.º 9.º/2, 40.º/1, al. b), 55.º/1, al. b), para as acções de Impugnação de Actos Administrativos, o art.º
62.º, no caso de prosseguimento das acções, quando o autor tenha desistido da
lide (isto no âmbito da Acção Popular), o art.º 68.º/1, al. c), para as acções de Condenação da
Administração à prática de actos administrativos devidos, ainda o art.º 73.º/ 3
e 4 do CPTA, quanto à impugnação de normas e declaração de ilegalidade por
omissão). Depois, este órgão tem legitimidade para agir como representante do
Estado em juízo, nos termos do art.º 11.º do CPTA, em que o Estado será
representado em juízo pelo MP, sendo que aqui actuará como garante da
legitimidade passiva da pessoa colectiva Estado, nas acções contra ele
propostas. E ainda poderá agir em processo como amicus curiae, isto é, pode agir como órgão coadivante do Tribunal
na tomada de decisão. Assim, atentando ao panorama actual do MP, ainda herdeiro
da tradição antiga no nosso Contencioso, temos que o MP poide agir como Autor
(nos termos do CPTA[2]),
como representante do Estado em juízo e ainda como órgão auxiliar da justiça,
ajudando o Tribunal.
Como
já tratado em post anterior, o MP tem diversas funções no âmbito das relações
administrativas, tais como:
- A defesa da legalidade;
- Fiscalização da constitucionalidade dos actos normativos;
- Representação do Estado e outros entes públicos;
- Defesa de grandes interesses colectivos e difusos[3];
- O patrocinio judiciário de trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos sociais[4].
Na
senda do ensinamento de Vieira de Andrade, este Autor refere que o MP tem como
funções, na nossa jurisdição administrativa, a impugnação de actos administrativos,
nos termos da Acção Administrativa Especial (art.º 55.º/1, al.b) do CPTA, e de normas (art.º 73.º/3 do
mesmo código) e ainda o pedido de declaração de ilegalidade por omissão de
normas, nos termos do art.º 77.º; bem como ainda no caso de proposição de
providências cautelares, nos termos dos art.ºs 112.º/1, 124.º/1 e 130.º do
CPTA, bem como nas acções relativas a contratos, segundo o disposto no art.º
40.º/1 do mesmo código, na dita acção administrativa comum. Tem ainda
legitimidade para propor acções populares públicas, nos termos do n.º 2 do
art.º 9.º do CPTA, legitimidade conferida para defender os bens que podem ser
postos em causa, tal como referidos nesta disposição. Ainda tem Legitimidade
activa, nos termos do CPTA, para a proposição de acções de recurso de decisões
jurisdicionais em defesa da legalidade (art.º 141), para requerer a revisão de
sentenças (art.º 155.º/1), para a interposição de recursos para uniformização
de jurisprudência (art.º 152.º) e ainda para a resolução de conflitos de
jurisdição e competência, nos termos do art.º 135.º.
Mas,
ainda no âmbito da legitimidade activa do MP, temos que este órgão da Justiça
Portuguesa tem o poder de assumir a posição de autores, nos casos de
desistência dos actos iniciados em processo por particulares, segundo o art.º
62.º do CPTA. Assim, conseguimos concluir que o MP tem uma ampla legitimidade
para propor acções e agir como parte activa no nosso contencioso.
Dando
uma vista de olhos sobre o que será a participação activa, nos casos em que o
MP surge como autor, no anteprojecto do CPTA, que estará para breve a sua
entrada em vigor, sabemos que, quanto ao n.º 2 do art.º 9.º do CPTA, a legitimidade
do MP para propor acções para defesa de interesses e vens constitucionalmente protegidos
ainda se mantém nos mesmos moldes como disposto no actual 9.º/2 do CPTA, pelo
nque não temos maiores considerações a fazer a respeito desta legitimidade
activa do MP. Quanto à legitimidade activa, em especial nos casos das acções
administrativas reguladas no CPTA, como sejam a Acção Administrativa Comum e a
Acção Adminitrativa Especial, temos que, nesta ultima, o MP tem uma
legitimidade activa restringida aos casos elencados no n.º 2 do art.º 9.º do
CPTA, pelo que podemos concluir que o anteprojecto de revisão do CPTA quis
restringir a legitimidade para propor acções, ao MP, nos mesmos moldes que o MP
o faz na Acção Pública. Pensamos que o mesmo se pode dizer quanto às acções de
impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão, visto que o
disposto no n.º 3 do art.º 73.º (do projecto de Revisão do CPTA), em consagrar
a legitimidade activa ao MP para a proposição de acçoes, tal como elencado para
o futuro art.º 9.º/2 do CPTA, ou seja, o MP só pode actuar como parte activa
naquelas situações, sendo que aqui poderá requerer a desaplicação da norma sem
necessidade de verificação da situação de desaplicação em três casos concretos.
Do mesmo modo que os anteriores, temos que a legitimidade activa do MP para
requerer a condenação da Administração à prática de actos devidos, nos termos
do futuro 68.º/1, al. c) do CPTA,
também se refere aos mesmos termos que a acção proposta pelo MP de acordo como
o 9.º/2 do CPTA. O mesmo se diga nos termos do art.º 77.º do CPTA, quanto à
condenação da Administração à emissão de normas. Por isso, pensamos que a
Legitimidade activa do MP nos termos do novo CPTA sairá um pouco mais
restringida do que o acontece no actual CPTA.
Mas
não é só na posição activa que o MP actua. Comoreferido anteriormente, o MP
também como representante do Estado nas acções, ou seja, o MP vai representar a
pessoa colectiva Estado em juízo, quando este foi demandado pelo particular. Isto
acontece nos casos sobre contratos e responsabilidade civil, em que o MP vai
representar o Estado nas acções movidas por particulares, nos termos do art.º
11.º/2 do CPTA, sendo que só esta pessoa colectiva poderá ser representada em juízo,
não o podendo ser as demais pessoas colectivas pertencentes à Administração
Pública. No novo CPTA, esta representação do Estado em juízo não cessa,
mantendo-se, mas possibilitando ao Estado ser presentado por Licenciado em
Direito, com funções de apoio jurídico, sendo que cessa a representação do
Estado pelo MP, sempre que esta situação de representação por Licenciado em
Direito no MP aconteça, pelo que, há aqui uma inovação face ao regime actual[5].
Para
além destas duas funções do MP, tanto como autor, bem como representante do
Estado em juízo, temos ainda uma terceira função acometida ao MP, que é a de
actuar como auxiliar do Tribunal, em que nesta função, actua de forma
imparcial, porque não representa nenhuma parte em juízo, pelo que a sua acuação
deve ser apenas a de auxiliar o Tribunal, através da vista dos autos, tendo o
poder de pronúncia na fase preparatória sobre o mérito da causa, e ainda o
poder de arguição de vícios não impugnados pelo impugnante, tal como previsto
no art.º 85.º do CPTA actual. Assim, temos que o MP um poder de participação na
decisão sobre o mérito da causa, que nos faz questionar o porquê desse poder
conferido a este órgão, visto que assim consegue ter, no mesmo ordenamento jurídico-processual,
papeis tão diferentes, como sejam o de autor, de representante do Estado em
Juízo, e ainda coadjuvante do Tribunal, para apreciação do mérito da causa.
Atentando
ao disposto no art.º 85.º do anteprojecto do CPTA, temos que os poderes de
intervenção, no âmbito desta função de amicus
curiae, ao MP não lhe é retirada essa função de órgão auxiliar do MP, pelo
que ainda se consegue manter esses mesmos poderes de participação no processo,
ao lado do tribunal. Apenas se retirou ao MP a possibilidade de, nos actos
impugnatórios, suscitar questões que determinem a nulidade ou inexistência do
acto impugando, sendo que no projecto de revisão do CPTA, essa possibilidade
conferida ao MP ainda é permitida. Talvez quis-se restringir a actuação do MP
como auxiliar do Tribunal na apreciação do mérito da causa nestas situações,
por não se querer que este órgão mantenha determinados poderes, numa lógica de
restrição do poder do MP no processo administrativo.
Sendo
que o objectivo do novo CPTA é o de restringir a participação do MP no nosso
contencioso administrativo, pensamos que, o novo CPTA (aquele que resulta do
anteprojecto de revisão), vem consagrar soluções que visam a efectivação dessa
mesma restrição da acção do MP como parte nos diversos meandros de actuação
deste órgão no nosso Contencioso Administrativo. Se, enquanto parte activa, o
MP vê restringida a sua actuação como Autor aos pressupostos de proposição de
acção previstos no n.º 2 do art.º 9.º do CPTA, que se repercute nas diversas
disposições do Código, quanto à legitimidade activa, pensamos que assim se
quererá que o MP deixe de ter uma participação tão activa no nosso Contencioso,
sendo que este mesmo processo visa, fundamentalmente, a participação dos
Particulares contra a Administração, e assim, contém soluções que promovam a
participação desses mesmos particulares, em juízo, quando reagem contra a
Administração, e não apenas contra o Estado, como pessoa colectiva. Assim,
pensamos que as restrições revistas nas diversas disposições do CPTA, quanto à
Legitmidade Activa do MP, é de louvar, e assim aproxima mais os tribunais
administrativos dos particulares, para assim recorrerem a estes juízos, de modo
a poderem resolver as suas questões, emergentes das relações que possam ter com
a Administração.
Quanto
à actuação do MP como representante do Estado em juízo, obviamente que é de
louvar que se mantenha essa mesma função deste órgão, porque compete-lhe a
intermediação, em juízo, entre o particular e a Administração, neste sentido,
entendido como Estado-Administração, ou Estado, como pessoa colectiva. No
entanto, é de louvar a possibilidade concedida, que é a de já não ser
necessária uma representação obrigatória pelo MP, sendo possível agora o Estado
ser representado em juízo por Licenciado em Direito, sendo que cessa a
representação do MP a partir da escolha por aquela mesma representação por
parte do Estado. Provavelmente quis-se “acabar” com o monopólio da
representação em juízo, por parte do MP, de modo a poder fornecer ao MP uma
maior participação como auxiliar do Tribunal.
Quanto
à participação como auxiliar do Tribunal, pensamos que a actuação do MP nesta
função não seja assim tão restringida quanto se poderia pensar, sendo que,
ainda assim, se conseguiu retirar uma importante função, no âmbito do
desempenho deste auxilio ao Tribunal, que é o de o MP deixar de poder suscitar
questões que possam determinar a nulidade ou inexistência, nos casos de
impugnação de actos. Pensamos que com esta eliminação de competências do MP
nesta função auxiliar, quis-se deixar ao Tribunal a apreciação do mérito da
causa nestes casos, pelo que apenas o MP terá como função a de coadjuvar o
Tribunal, desempenhando funções instrumentais e auxiliares do órgão jurisdicional,
pelo que o MP verá limitado a sua participação, quanto à apreciação do mérito
da causa nestas situações.
Dahir
Bauer, Aluno n.º 20596
SÉRVULO
CORREIA, A Reforma do Contencioso Administrativo e as Funções
do Ministério Público, Estudos em
Homenagem a Cunha Rodrigues, Volume I, 2001, Coimbra Editora;
JOSÉ
CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A
Justiça Administrativa, 2014, Almedina.
MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA, Manual
de Processo Administrativo, 2013, Almedina.
VASCO
PEREIRA DA SILVA, O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2008, Almedina.
[1] SÉRVULO CORREIA, A Reforma do contencioso administrativo e as
funções do Ministério Público, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, I, Coimbra
Editora, pág. 320.
[2] Ver também a Lei n.º 83/95, de 31
de Agosto, que regula o procedimento da Acção Popular, que se conjuga com o
disposto no CPTA.
[3] Nos termos do n.º 2 do art.º 9.º
do CPTA, e ainda a Lei da Acção Popular, já referida supra.
[4] Enumeração feita por JOSÉ CARLOS
VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça
Administrativa, 2014, Almedina, pág. 139.
[5] Proposta de Lei do novo CPTA
e do novo ETAF: http://www.portugal.gov.pt/pt/os-ministerios/ministerio-da-justica/documentos-oficiais/20140225-mj-prop-lei-cpta-etaf.aspx
Visto.
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