CONTENCIOSO
ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO
Determinação
da Competência Territorial
Análise de Acórdão de Uniformização
de Jurisprudência do STA
SubturmOs critérios de determinação de competência territorial dos Tribunais Administrativos e Fiscais surgem nos artigos 16º a 22º CPTA permitindo definir o âmbito de jurisdição aplicável para aferir em concreto qual o tribunal territorialmente competente para julgar o litígio. A aplicação do critério geral de atribuição de competência previsto no artigo 16º CPTA, tem como ponto de referência, a residência habitual do autor em Portugal, factor que se justifica por razões ligadas à sua distribuição territorial, considerando que a maior proximidade do autor face ao tribunal cujo âmbito de jurisdição lhe é mais próximo, permite-lhe uma maior comodidade no decorrer do processo, sendo por isso aceitável que, cabendo ao autor a iniciativa processual, possa também ele escolher de entre a pluralidade de tribunais, aquele que por motivos de ordem prática, lhe for mais conveniente. Os artigos 17º a 21º CPTA consagram critérios especiais (com âmbitos de aplicação específicos) face ao critério geral do artigo 16º CPTA e, o artigo 22º CPTA estabelece um critério de aplicação supletiva. Do confronto destes artigos resulta que o critério especial afasta o critério geral e, não existindo elementos que permitam a aplicação do critério geral ou especial, aplica-se o critério supletivo.
De facto, esta situação não cabe na previsão do 16º CPTA, uma vez que este critério se refere à residência habitual ou sede do autor quando esta se localize em Portugal, e por isso não resolve o problema de saber qual a norma aplicável quando um autor reside em Portugal e outro no estrangeiro. A inaplicabilidade da norma justifica-se também pela impossibilidade de estabelecer, no caso concreto, a maioria dos autores para efeitos de determinação da residência habitual.
No âmbito do tema em epígrafe, cumpre analisar um Acórdão de Uniformização de jurisprudência do STA1, em virtude da existência de decisões contraditórias anteriores. Trata-se de uma acção proposta por dois autores (o que se poderá qualificar como um litisconsórcio activo, dado que estamos perante uma pluralidade de titulares que assumem simultaneamente a posição de autor) com sedes distintas, um com sede em Portugal (Queluz de Baixo, Sintra) e outro com sede no estrangeiro. O que está em causa é uma acção de nulidade ou anulação de acto administrativo e correspondente providência cautelar para suspensão de eficácia do mesmo.
Foi decidido primeiramente nos termos do artigo de 22º CPTA que o tribunal competente seria o TAC de Lisboa2 e, com base no artigo 16º CPTA que o tribunal competente seria o TAF de Sintra3. Subjacentes a esta contradição de decisões, estão argumentos distintos que merecem uma apreciação crítica. Em primeiro lugar, a decisão que atribui competência ao TAC de Lisboa, baseada na norma de aplicação supletiva constante do artigo 22º CPTA sustenta-se no facto de a situação não recair no âmbito de aplicação do critério geral presente no artigo 16º CPTA, nem na previsão dos critérios especiais dos artigos 17º a 21º CPTA.
Por outro lado, a atribuição de competência territorial ao TAF de Sintra, surge nos termos do artigo 16º CPTA. Esta solução baseia-se no entendimento de que a aplicação do artigo 22º do CPTA é inviável dado o seu carácter supletivo, isto é, sendo uma norma residual aplica-se apenas a casos onde não seja possível a aplicação do 16º CPTA.
O tribunal considerou que o artigo 16º CPTA era, ainda assim aplicável porque um dos requerentes tem sede em território nacional (Sintra). Tal aplicação é possível mediante uma restrição do âmbito de aplicação aos autores que tenham residência habitual ou sede em Portugal, não se aplicando aos autores que tiverem a sua sede fora de Portugal. Assim, segundo o entendimento do tribunal, existindo um autor com sede em Portugal, poder-se-á aplicar o artigo 16º CPTA.
No meu entendimento, considero que a decisão do tribunal que atribui competência territorial ao TAC de Lisboa, de acordo com a lógica do artigo 22º CPTA fará mais sentido, por diversas ordens de razões:
- Em primeiro lugar, por se verificar a inaplicabilidade do critério geral do artigo 16º CPTA. Apesar de este artigo estabelecer o critério da residência habitual do autor como elemento de conexão relevante, e de, efectivamente estarmos perante um dos autores cuja residência se encontra em Sintra, a verdade é que o artigo 16º CPTA, não parece prever a possibilidade de atribuição de competência quando exista uma pluralidade de autores, em que não seja possível reunir uma maioria para efeitos da sua residência habitual (quando os autores tenham residências diferentes entre si). Eventualmente, poderá tratar-se de um “esvaziamento” de conteúdo da norma, uma vez que seria potencialmente aplicável (dado que um dos autores tem residência habitual em Portugal), no entanto essa aplicação não chega efectivamente a concretizar-se dado que existe um autor com residência habitual no estrangeiro e, a regulação deste tipo de casos não parece incluir-se na sua previsão normativa;
- A restrição do âmbito de aplicação do artigo 16º CPTA que, segundo a decisão do Tribunal levaria à atribuição de competência territorial ao TAF de Sintra (e não ao TAC de Lisboa), não me parece de considerar, dado que, se o 16º CPTA apresenta um critério geral que não prevê a inclusão destes casos, então estamos no domínio da aplicação supletiva do artigo 22º CPTA. Não haverá necessidade de restringir o âmbito do artigo 16º CPTA, quando existe uma regra supletiva que serve precisamente para os casos em que a regra do 16º CPTA não se aplique. É no carácter residual da aplicação do 22º CPTA que reside a sua razão de ser, motivo pelo qual o legislador quis que a norma vigorasse, para que esta se possa aplicar na impossibilidade de determinar a competência territorial por aplicação de outros artigos, nomeadamente do artigo 16º CPTA. Trata-se de um fenómeno causal, a supletividade da regra do artigo 22º do CPTA só vigora, quando ceda a aplicabilidade do artigo 16º CPTA (e dos restantes critérios especiais);
- Para além disso, esta restrição do âmbito de aplicação do artigo 16º CPTA, poderá levantar, a meu ver, alguns problemas. Aplicar o artigo 16º CPTA, levaria a analisar a questão de atribuição de competência territorial apenas do ponto de vista do autor com residência habitual em Portugal, é claro que é esse o critério estabelecido pela norma, mas apenas para os casos em que exista um autor a propor a acção ou que seja possível reunir uma maioria de autores para o efeito. Não se verificando qualquer desses casos, (como aqui acontece, em que são dois autores com sedes distintas, não sendo por isso possível estabelecer uma maioria) aplicar o artigo 16º CPTA poderia, levantar a nível material, problemas ligados à desigualdade de tratamento das entidades que são ambas partes legítimas na relação material controvertida e que, nesse sentido, merecem um tratamento igualitário, ao abrigo dos artigos 9º/1 e 55º/1/a) CPTA. Este argumento reforça, a meu ver, a inviabilidade de aplicação do artigo 16º CPTA. Deve aqui, ter-se em conta a pluralidade de partes existente na posição processual activa uma vez que, sendo ambas partes legítimas, devem estas ser tratadas de igual forma e, a resolução do litígio deve partir do mesmo ponto de referência relativamente a ambas e não apenas considerando a parte com residência habitual em Portugal. Devem ambas situar-se numa posição de paridade no que toca à interpretação e aplicação de regras ao caso concreto na resolução do litígio em causa, sendo para o efeito idónea a aplicação do artigo 22º CPTA (dado o afastamento da aplicação do artigo 16º CPTA);
- Acrescenta-se ainda que, nada na letra do artigo 16º CPTA impõe que a residência habitual de um dos autores em Portugal, implique necessariamente a atribuição da competência territorial ao tribunal do seu domicílio. Há outros critérios de atribuição de competência territorial presentes no CPTA que coexistem com o artigo 16º CPTA, e que devem ser tidos em conta no momento de aplicação das normas ao caso concreto, nomeadamente nas relações de hierarquia entre esses mesmos critérios;
- Poder-se-á encontrar aqui também um paralelismo com o Direito Processual Civil, segundo um argumento de Alberto Reis, onde o artigo 80º/3 CPC estabelece a competência territorial do Tribunal de Lisboa nos casos em que o autor tenha domicílio no estrangeiro. Este argumento prevê uma semelhança com o caso, já que se refere ao domicílio do autor no estrangeiro, o que poderá ser concludente no sentido da atribuição de competência territorial ao Tribunal de Lisboa;
É certo que um argumento a favor da aplicação do artigo 16º CPTA, poderia ser a referência à maior comodidade das partes (da parte que reside em Portugal), visto que estaria mais próxima do TAF de Sintra, no entanto, penso que esse argumento cede perante a argumentação exposta até aqui. Assim, quanto à divergência argumentativa que levou à tomada de decisões contraditórias pelos tribunais anteriores, tomo posição pela aplicação do artigo 22º CPTA que será a forma de resolução que atenderá adequadamente a ambas as partes com legitimidade activa na relação material controvertida e, o tribunal territorialmente competente seria o TAC de Lisboa.
No entanto, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência fixou a sua decisão no sentido de que seria aplicável o artigo 21º CPTA, que possibilitaria às partes a escolha do Tribunal territorialmente competente, dado que estamos perante elementos de conexão relevantes que permitem a atribuição de competência a um de dois tribunais: o TAF de Sintra, nos termos do artigo 16º CPTA e o TAC de Lisboa, com base na aplicação do artigo 22º CPTA. A solução justificar-se-ia de acordo com um princípio de comodidade, segundo o qual o autor que interpõe a acção pode escolher o tribunal que lhe for mais conveniente, que será à partida o mais próximo da sua residência4. O tribunal pronunciou-se no sentido de que as acções administrativas especiais e as respectivas providências cautelares em que um dos autores reside em Portugal e outro no estrangeiro, podem ser intentados no tribunal da residência habitual do autor em Portugal (nos termos do artigo 16º CPTA, o TAF de Sintra) ou no TAC de Lisboa (de acordo com o artigo 22º CPTA, relativamente ao foro do autor residente no estrangeiro). Cabe aos autores escolher, nos termos do artigo 21/2/1ª parte do CPTA, qual o tribunal territorialmente competente, em função do que considerarem mais conveniente. Perante o confronto de aplicação entre o artigo 22º do CPTA e o artigo 21º do CPTA, prevalecerá naturalmente o artigo 21º do CPTA, enquanto critério especial face ao critério supletivo do artigo 22º do CPTA e, ainda que a situação em concreto não se venha a subsumir ao artigo 21º/2 CPTA, este critério pode ser aplicado por analogia, já que faz sentido que as partes com sedes distintas possam propor a acção no tribunal mais próximo da sua residência habitual.
Neste caso, a acção principal contém o pedido de impugnação de acto administrativo com fundamento na sua ilegalidade e na lesão de direitos e interesses legítimos dos requerentes e a intimação de entidade para a abstenção da prática de acto lesivo, pelo que estamos perante dois pedidos autónomos cumulados numa acção principal. Relativamente à intimação, é de referir aqui o artigo 20º/5 CPTA, onde se refere que os processos de intimação são intentados no tribunal da área onde deva ter lugar o comportamento ou a omissão pretendidos. A cumulação, enquanto figura processual, consiste na dedução pelo autor de vários pedidos que sejam compatíveis, contra o mesmo réu, num só processo, de acordo com o artigo 555º/1 CPC.
Esta acção principal desencadeia uma providência cautelar que suspende a eficácia do acto até à obtenção da decisão final. O procedimento cautelar é desencadeado, funcionando como garantia provisória na pendência da acção principal e regulação e antecipação da tutela requerida até à apreciação definitiva da acção principal. A decisão final proferida no procedimento cautelar não é vinculativa da decisão da acção principal (de acordo com o artigo 364º/4 CPC), uma vez que se prevê a caducidade da providência cautelar se a acção principal for julgada improcedente (artigo 373º/1/c) CPC). A sua notória acessoriedade, enquanto solução provisória vigente até à decisão definitiva da acção principal, é uma demonstração de que o procedimento cautelar não tem autonomia face ao pedido principal, existindo apenas num momento transitório que pretende assegurar o efeito útil da acção principal.
É ainda de acrescentar, que o artigo 20º/6 CPTA, vem afirmar que os pedidos dirigidos à adopção de providências cautelares devem ser julgados pelo tribunal territorialmente competente para julgar a acção principal.
Assim, em conclusão, no comentário ao presente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA, tomei posição de acordo com os argumentos apresentados e o confronto entre os artigos 16º e 22º CPTA, que foram objecto de aplicação diversa, originando decisões contraditórias. A meu ver, dever-se-ia aplicar o artigo 22º CPTA e, desse modo, o tribunal competente seria o TAC de Lisboa.
Quanto à orientação fixada pela uniformização de jurisprudência, a aplicação do 21º CPTA possibilita a escolha pelos autores de um dos tribunais territorialmente competentes, no presente caso, o TAF de Sintra (por via do artigo 16º CPTA, que é o local da residência habitual do autor residente em Portugal), ou o TAC de Lisboa (nos termos do artigo 22º CPTA, dado que o outro autor tem residência habitual no estrangeiro). O tribunal preferiu a aplicação do artigo 21º/2 CPTA, afirmando que este se impõe por analogia, dado que existindo dois tribunais territorialmente competentes, se impõe um argumento em função da comodidade. Tratando-se de uma questão que afecta diversos autores, fará todo o sentido que a escolha do tribunal lhes caiba e que, possam fazê-lo em função da maior comodidade possível para os autores.
Em suma, seria de ponderar a aplicação do artigo 22º do CPTA e consequente atribuição da competência territorial ao TAC de Lisboa, já que pelos motivos acima expostos, considero que também poderia estar de acordo com uma correcta resolução do litígio jurídico-administrativo em causa.
1 Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA, Processo nº 0708/09, 14-04-2011; Fernanda Xavier (Relator); Acção Administrativa Especial, Providência Cautelar, Competência Territorial, Coligação.
2 Primeiras decisões que atribuíram competência territorial ao TAC de Lisboa: Acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo do Sul em 25 de Agosto de 2008 (Processo nº 3992/08) e 18 de Dezembro de 2008 Processo nº 4534/08).
3 Decisão que atribuiu competência ao TAF de Sintra: Decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 12 de Março de 2009.
4 Segundo os Professores Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo Nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2006, pág. 194 e 195.
Sofia Soares, Nº22096
4ºAno
Turma A
Subturma 3