sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Competência Territorial no Contencioso Administrativo

CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO

Determinação da Competência Territorial

Análise de Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA


SubturmOs critérios de determinação de competência territorial dos Tribunais Administrativos e Fiscais surgem nos artigos 16º a 22º CPTA permitindo definir o âmbito de jurisdição aplicável para aferir em concreto qual o tribunal territorialmente competente para julgar o litígio. A aplicação do critério geral de atribuição de competência previsto no artigo 16º CPTA, tem como ponto de referência, a residência habitual do autor em Portugal, factor que se justifica por razões ligadas à sua distribuição territorial, considerando que a maior proximidade do autor face ao tribunal cujo âmbito de jurisdição lhe é mais próximo, permite-lhe uma maior comodidade no decorrer do processo, sendo por isso aceitável que, cabendo ao autor a iniciativa processual, possa também ele escolher de entre a pluralidade de tribunais, aquele que por motivos de ordem prática, lhe for mais conveniente. Os artigos 17º a 21º CPTA consagram critérios especiais (com âmbitos de aplicação específicos) face ao critério geral do artigo 16º CPTA e, o artigo 22º CPTA estabelece um critério de aplicação supletiva. Do confronto destes artigos resulta que o critério especial afasta o critério geral e, não existindo elementos que permitam a aplicação do critério geral ou especial, aplica-se o critério supletivo.
No âmbito do tema em epígrafe, cumpre analisar um Acórdão de Uniformização de jurisprudência do STA1, em virtude da existência de decisões contraditórias anteriores. Trata-se de uma acção proposta por dois autores (o que se poderá qualificar como um litisconsórcio activo, dado que estamos perante uma pluralidade de titulares que assumem simultaneamente a posição de autor) com sedes distintas, um com sede em Portugal (Queluz de Baixo, Sintra) e outro com sede no estrangeiro. O que está em causa é uma acção de nulidade ou anulação de acto administrativo e correspondente providência cautelar para suspensão de eficácia do mesmo.
Foi decidido primeiramente nos termos do artigo de 22º CPTA que o tribunal competente seria o TAC de Lisboa2 e, com base no artigo 16º CPTA que o tribunal competente seria o TAF de Sintra3. Subjacentes a esta contradição de decisões, estão argumentos distintos que merecem uma apreciação crítica. Em primeiro lugar, a decisão que atribui competência ao TAC de Lisboa, baseada na norma de aplicação supletiva constante do artigo 22º CPTA sustenta-se no facto de a situação não recair no âmbito de aplicação do critério geral presente no artigo 16º CPTA, nem na previsão dos critérios especiais dos artigos 17º a 21º CPTA.
              De facto, esta situação não cabe na previsão do 16º CPTA, uma vez que este critério se refere à residência habitual ou sede do autor quando esta se localize em Portugal, e por isso não resolve o problema de saber qual a norma aplicável quando um autor reside em Portugal e outro no estrangeiro. A inaplicabilidade da norma justifica-se também pela impossibilidade de estabelecer, no caso concreto, a maioria dos autores para efeitos de determinação da residência habitual.
Por outro lado, a atribuição de competência territorial ao TAF de Sintra, surge nos termos do artigo 16º CPTA. Esta solução baseia-se no entendimento de que a aplicação do artigo 22º do CPTA é inviável dado o seu carácter supletivo, isto é, sendo uma norma residual aplica-se apenas a casos onde não seja possível a aplicação do 16º CPTA.
O tribunal considerou que o artigo 16º CPTA era, ainda assim aplicável porque um dos requerentes tem sede em território nacional (Sintra). Tal aplicação é possível mediante uma restrição do âmbito de aplicação aos autores que tenham residência habitual ou sede em Portugal, não se aplicando aos autores que tiverem a sua sede fora de Portugal. Assim, segundo o entendimento do tribunal, existindo um autor com sede em Portugal, poder-se-á aplicar o artigo 16º CPTA.
No meu entendimento, considero que a decisão do tribunal que atribui competência territorial ao TAC de Lisboa, de acordo com a lógica do artigo 22º CPTA fará mais sentido, por diversas ordens de razões:
- Em primeiro lugar, por se verificar a inaplicabilidade do critério geral do artigo 16º CPTA. Apesar de este artigo estabelecer o critério da residência habitual do autor como elemento de conexão relevante, e de, efectivamente estarmos perante um dos autores cuja residência se encontra em Sintra, a verdade é que o artigo 16º CPTA, não parece prever a possibilidade de atribuição de competência quando exista uma pluralidade de autores, em que não seja possível reunir uma maioria para efeitos da sua residência habitual (quando os autores tenham residências diferentes entre si). Eventualmente, poderá tratar-se de um “esvaziamento” de conteúdo da norma, uma vez que seria potencialmente aplicável (dado que um dos autores tem residência habitual em Portugal), no entanto essa aplicação não chega efectivamente a concretizar-se dado que existe um autor com residência habitual no estrangeiro e, a regulação deste tipo de casos não parece incluir-se na sua previsão normativa;
- A restrição do âmbito de aplicação do artigo 16º CPTA que, segundo a decisão do Tribunal levaria à atribuição de competência territorial ao TAF de Sintra (e não ao TAC de Lisboa), não me parece de considerar, dado que, se o 16º CPTA apresenta um critério geral que não prevê a inclusão destes casos, então estamos no domínio da aplicação supletiva do artigo 22º CPTA. Não haverá necessidade de restringir o âmbito do artigo 16º CPTA, quando existe uma regra supletiva que serve precisamente para os casos em que a regra do 16º CPTA não se aplique. É no carácter residual da aplicação do 22º CPTA que reside a sua razão de ser, motivo pelo qual o legislador quis que a norma vigorasse, para que esta se possa aplicar na impossibilidade de determinar a competência territorial por aplicação de outros artigos, nomeadamente do artigo 16º CPTA. Trata-se de um fenómeno causal, a supletividade da regra do artigo 22º do CPTA só vigora, quando ceda a aplicabilidade do artigo 16º CPTA (e dos restantes critérios especiais);
- Para além disso, esta restrição do âmbito de aplicação do artigo 16º CPTA, poderá levantar, a meu ver, alguns problemas. Aplicar o artigo 16º CPTA, levaria a analisar a questão de atribuição de competência territorial apenas do ponto de vista do autor com residência habitual em Portugal, é claro que é esse o critério estabelecido pela norma, mas apenas para os casos em que exista um autor a propor a acção ou que seja possível reunir uma maioria de autores para o efeito. Não se verificando qualquer desses casos, (como aqui acontece, em que são dois autores com sedes distintas, não sendo por isso possível estabelecer uma maioria) aplicar o artigo 16º CPTA poderia, levantar a nível material, problemas ligados à desigualdade de tratamento das entidades que são ambas partes legítimas na relação material controvertida e que, nesse sentido, merecem um tratamento igualitário, ao abrigo dos artigos 9º/1 e 55º/1/a) CPTA. Este argumento reforça, a meu ver, a inviabilidade de aplicação do artigo 16º CPTA. Deve aqui, ter-se em conta a pluralidade de partes existente na posição processual activa uma vez que, sendo ambas partes legítimas, devem estas ser tratadas de igual forma e, a resolução do litígio deve partir do mesmo ponto de referência relativamente a ambas e não apenas considerando a parte com residência habitual em Portugal. Devem ambas situar-se numa posição de paridade no que toca à interpretação e aplicação de regras ao caso concreto na resolução do litígio em causa, sendo para o efeito idónea a aplicação do artigo 22º CPTA (dado o afastamento da aplicação do artigo 16º CPTA);
- Acrescenta-se ainda que, nada na letra do artigo 16º CPTA impõe que a residência habitual de um dos autores em Portugal, implique necessariamente a atribuição da competência territorial ao tribunal do seu domicílio. Há outros critérios de atribuição de competência territorial presentes no CPTA que coexistem com o artigo 16º CPTA, e que devem ser tidos em conta no momento de aplicação das normas ao caso concreto, nomeadamente nas relações de hierarquia entre esses mesmos critérios;
- Poder-se-á encontrar aqui também um paralelismo com o Direito Processual Civil, segundo um argumento de Alberto Reis, onde o artigo 80º/3 CPC estabelece a competência territorial do Tribunal de Lisboa nos casos em que o autor tenha domicílio no estrangeiro. Este argumento prevê uma semelhança com o caso, já que se refere ao domicílio do autor no estrangeiro, o que poderá ser concludente no sentido da atribuição de competência territorial ao Tribunal de Lisboa;
É certo que um argumento a favor da aplicação do artigo 16º CPTA, poderia ser a referência à maior comodidade das partes (da parte que reside em Portugal), visto que estaria mais próxima do TAF de Sintra, no entanto, penso que esse argumento cede perante a argumentação exposta até aqui. Assim, quanto à divergência argumentativa que levou à tomada de decisões contraditórias pelos tribunais anteriores, tomo posição pela aplicação do artigo 22º CPTA que será a forma de resolução que atenderá adequadamente a ambas as partes com legitimidade activa na relação material controvertida e, o tribunal territorialmente competente seria o TAC de Lisboa.
No entanto, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência fixou a sua decisão no sentido de que seria aplicável o artigo 21º CPTA, que possibilitaria às partes a escolha do Tribunal territorialmente competente, dado que estamos perante elementos de conexão relevantes que permitem a atribuição de competência a um de dois tribunais: o TAF de Sintra, nos termos do artigo 16º CPTA e o TAC de Lisboa, com base na aplicação do artigo 22º CPTA. A solução justificar-se-ia de acordo com um princípio de comodidade, segundo o qual o autor que interpõe a acção pode escolher o tribunal que lhe for mais conveniente, que será à partida o mais próximo da sua residência4. O tribunal pronunciou-se no sentido de que as acções administrativas especiais e as respectivas providências cautelares em que um dos autores reside em Portugal e outro no estrangeiro, podem ser intentados no tribunal da residência habitual do autor em Portugal (nos termos do artigo 16º CPTA, o TAF de Sintra) ou no TAC de Lisboa (de acordo com o artigo 22º CPTA, relativamente ao foro do autor residente no estrangeiro). Cabe aos autores escolher, nos termos do artigo 21/2/1ª parte do CPTA, qual o tribunal territorialmente competente, em função do que considerarem mais conveniente. Perante o confronto de aplicação entre o artigo 22º do CPTA e o artigo 21º do CPTA, prevalecerá naturalmente o artigo 21º do CPTA, enquanto critério especial face ao critério supletivo do artigo 22º do CPTA e, ainda que a situação em concreto não se venha a subsumir ao artigo 21º/2 CPTA, este critério pode ser aplicado por analogia, já que faz sentido que as partes com sedes distintas possam propor a acção no tribunal mais próximo da sua residência habitual.
Neste caso, a acção principal contém o pedido de impugnação de acto administrativo com fundamento na sua ilegalidade e na lesão de direitos e interesses legítimos dos requerentes e a intimação de entidade para a abstenção da prática de acto lesivo, pelo que estamos perante dois pedidos autónomos cumulados numa acção principal. Relativamente à intimação, é de referir aqui o artigo 20º/5 CPTA, onde se refere que os processos de intimação são intentados no tribunal da área onde deva ter lugar o comportamento ou a omissão pretendidos. A cumulação, enquanto figura processual, consiste na dedução pelo autor de vários pedidos que sejam compatíveis, contra o mesmo réu, num só processo, de acordo com o artigo 555º/1 CPC.
Esta acção principal desencadeia uma providência cautelar que suspende a eficácia do acto até à obtenção da decisão final. O procedimento cautelar é desencadeado, funcionando como garantia provisória na pendência da acção principal e regulação e antecipação da tutela requerida até à apreciação definitiva da acção principal. A decisão final proferida no procedimento cautelar não é vinculativa da decisão da acção principal (de acordo com o artigo 364º/4 CPC), uma vez que se prevê a caducidade da providência cautelar se a acção principal for julgada improcedente (artigo 373º/1/c) CPC). A sua notória acessoriedade, enquanto solução provisória vigente até à decisão definitiva da acção principal, é uma demonstração de que o procedimento cautelar não tem autonomia face ao pedido principal, existindo apenas num momento transitório que pretende assegurar o efeito útil da acção principal.
É ainda de acrescentar, que o artigo 20º/6 CPTA, vem afirmar que os pedidos dirigidos à adopção de providências cautelares devem ser julgados pelo tribunal territorialmente competente para julgar a acção principal.
Assim, em conclusão, no comentário ao presente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA, tomei posição de acordo com os argumentos apresentados e o confronto entre os artigos 16º e 22º CPTA, que foram objecto de aplicação diversa, originando decisões contraditórias. A meu ver, dever-se-ia aplicar o artigo 22º CPTA e, desse modo, o tribunal competente seria o TAC de Lisboa.
Quanto à orientação fixada pela uniformização de jurisprudência, a aplicação do 21º CPTA possibilita a escolha pelos autores de um dos tribunais territorialmente competentes, no presente caso, o TAF de Sintra (por via do artigo 16º CPTA, que é o local da residência habitual do autor residente em Portugal), ou o TAC de Lisboa (nos termos do artigo 22º CPTA, dado que o outro autor tem residência habitual no estrangeiro). O tribunal preferiu a aplicação do artigo 21º/2 CPTA, afirmando que este se impõe por analogia, dado que existindo dois tribunais territorialmente competentes, se impõe um argumento em função da comodidade. Tratando-se de uma questão que afecta diversos autores, fará todo o sentido que a escolha do tribunal lhes caiba e que, possam fazê-lo em função da maior comodidade possível para os autores.
Em suma, seria de ponderar a aplicação do artigo 22º do CPTA e consequente atribuição da competência territorial ao TAC de Lisboa, já que pelos motivos acima expostos, considero que também poderia estar de acordo com uma correcta resolução do litígio jurídico-administrativo em causa.

Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA, Processo nº 0708/09, 14-04-2011; Fernanda Xavier (Relator); Acção Administrativa Especial, Providência Cautelar, Competência Territorial, Coligação.
Primeiras decisões que atribuíram competência territorial ao TAC de Lisboa: Acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo do Sul em 25 de Agosto de 2008 (Processo nº 3992/08) e 18 de Dezembro de 2008 Processo nº 4534/08).
Decisão que atribuiu competência ao TAF de Sintra: Decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 12 de Março de 2009.
 4 Segundo os Professores Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo Nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2006, pág. 194 e 195.


Sofia Soares, Nº22096
4ºAno
Turma A
Subturma 3

Legitimidade activa: Os Terceiros

11-      Conceito de Terceiro. Delimitação.

A busca de um conceito definidor de terceiro e a sua protecção no Direito Administrativo tem especial relevância no sentido em que hoje, as relações jurídicas administrativas, caracterizam – se cada vez mais por uma pluralidade de interesses conflituantes entre particulares e a actuação da Administração, em que os destinatários dessa actuação, são também sujeitos terceiros.

Cabe assim, encontrar um critério unificador que delimite o conceito de terceiro:
1.
11.1-  A relação Jurídica Administrativa.

O critério da relação jurídica administrativa ganha especial relevância para a delimitação do conceito de terceiro, na medida em que, permite abarcar a integralidade do relacionamento da Administração com os particulares. É nesse sentido que o Professor Vasco Pereira da Silva entende que a relação jurídica administrativa é “… o novo conceito central do Direito Administrativo, capaz de ocupar a posição pertencente ao acto administrativo na dogmática tradicional”.

Uma vez aferida da importância da relação jurídica administrativa, é necessário encontrar um critério para determinar a natureza administrativa de cada relação. O ponto de partida para essa determinação é o artigo 212º, nº3 “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas”, a doutrina tem adoptado um conjunto diverso de critérios para a definição da relação jurídica administrativa, sendo que apenas será exposta a do Professor Vasco Pereira da Silva, assim, entende o Professor que o critério definidor é essencialmente material, tendo em conta que as relações jurídicas administrativas tem um objectivo e fim que pretendem realizar essencialmente público.

Assim, devido ao crescendo alargamento de situações conflituantes entre particulares e Administração, cada vez mais pautada por relações multilaterais e à natureza da relação jurídica administrativa, podemos avançar com o conceito de terceiro, seguindo a orientação da Professora Alexandra Leitão “todos os sujeitos de Direito que, não sendo destinatários de certa actuação administrativa, integram a relação multilateral por esta constituída, na medida em que as suas posições jurídicas subjectivas são afectadas”.

22-      Legitimidade activa. Protecção de Terceiros.

Neste ponto e uma vez definido o conceito de terceiro, cabe entender em que situação pode o terceiro ter legitimidade activa no âmbito do contencioso administrativo. Segundo o artigo 9º nº1, que contém a regra geral, é parte legítima(activa) aquele que alegue ser parte na relação material controvertida, como visto supra a propósito da relação jurídica administrativa, deve – se entender que não são apenas os sujeito da relação material controvertida que têm legitimidade para impugnar as actuações administrativas, uma vez que, cada vez mais estas relações pautam – se por uma pluralidade de partes, com interesses conflituantes, sendo que não pode ser apenas tido como parte legitima o destinatário do acto(em sentido amplo) da Administração directamente afectado ou prejudicado, mas também terceiros que por assumirem posições jurídicas subjectivas podem também vir a ser afectados ou prejudicados. É este o entendimento que podemos retirar das palavras do Professor Sérvulo Correia “…a existência de relações jurídicas administrativas multipolares teve pois, como primeiro reflexo processual, a passagem de um esquema binário para um esquema ternário imperfeito dos recursos contenciosos em que existam contra – interessados…”.
      
  2.1 – Problemas decorrentes do alargamento da legitimidade activa aos terceiros. Breve apreciação.

 O alargamento da legitimidade activa aos terceiros, como refere a Professora Alexandra Leitão, pode suscitar alguns problemas, assim:

-O problema da determinação, no caso concreto, dos terceiros com legitimade activa para impugnar;

-Como compatibilizar o alargamento da legitimidade activa com a noção processual de interesse em agir;

-Questão de se saber se a abertura do processo administrativo aos terceiros assume uma função essencialmente garantística dos direitos dos particulares ou, pelo, contrário, visa sobretudo a legalidade objectiva.

O primeiro problema, já supra aferido, reconduz a atribuição de legitimidade aos terceiros na medida em que estes possuem um interesse substantivo, que se traduz num direito subjectivo, que é lesado, causando por isso uma situação de desvantagem por via do acto praticado pela a Administração dirigido a outrem.

Quanto ao segundo problema, este surge na medida em que, para além da existência de um interesse substantivo do terceiro decorrente do acto da Administração, terá que existir um interesse em agir que se consubstancia, no caso concreto, em retirar algum proveito ou vantagem na demanda, pois, de outro modo, este alargamento da legitimidade activa, como aponta a Professora Alexandra Leitão, poderia conduzir a um desmesurado recurso aos Tribunais Administrativos, por isso é necessária sempre uma determinação da utilidade que o terceiro possa retira, caso venha a obter provimento.

O terceiro problema conduz à tradicional questão quanto à natureza e função do contencioso administrativo, contrapondo uma concepção subjectivista a uma concepção objectivista. Neste sentido, um alargamento da legitimidade activa aos terceiros, claramente, que viria “objectivar”- utilizando a expressão da Professora Alexandra Leitão - o contencioso administrativo, na medida em que a lesão sofrida por estes será apenas reflexamente relacionada com o acto impugnado, indo assim contra uma concepção subjectivista do contencioso administrativo. No entanto, este é apenas um problema aparente, pois, o que se pretende com o alargamento da legitimidade activa aos terceiros é garantir a tutela judicial efectiva e não a defesa da legalidade que apenas é reflexo desta. É neste sentido que o Professor Vasco Pereira da Silva refere que nem sempre a concepção subjectivista resulta mais ampliativo no que respeita à legitimidade e interesse em agir no contencioso administrativo.

Bibliografia
A Protecção Judicial Dos Terceiros Nos Contratos Da Administração Pública, Alexandra Leitão


Pedro Espírito Santo, nº18353



quinta-feira, 30 de outubro de 2014

"O acto administrativo contra o mundo"

O confronto histórico entre os modelos de justiça administrativa, o objectivista e o subjectivista, entre os quais o primeiro visa a defesa da legalidade e o segundo uma óptica mais individual de tutela de direitos ou de interesses legalmente protegidos, foi deixando marcas no contencioso administrativo. Apesar da mudança de paradigma de base objectivista para um sistema subjectivista, após a reforma do contencioso, há ainda marcas do modelo objectivista no C.P.T.A, nomeadamente no art.º 55 nº 1 a) do C.P.T.A.
Posição também defendida pelo Prof. Vieira de Andrade que nos diz que toda esta norma tem um carácter objectivista pois continua a conferir a legitimidade para impugnar actos administrativos aos titulares de meros interesses de facto, a estes interesses de facto faz também menção o Prof. Aroso de Almeida quando diz que há luz deste “interesse pessoal e directo” pode ser pedida a impugnação de acto administrativo por quem tenha nisso interesse para si de uma vantagem jurídica ou económica, a vantagem económica é aqui a alusão aos meros interesses de facto, ou seja, não necessita o autor de numa destas alegar a titularidade de uma posição jurídica subjectiva, o que na minha opinião alarga em muito o leque de pessoas com legitimidade processual para tentar impugnar um acto administrativo.
Isto acontece devido ao facto do critério do “interesse pessoal e directo”, que no mesmo art.º 55 nº 1 a) do C.P.T.A é seguido pela frase “… designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”, não estar directamente ligado e relevar apenas a primeira parte para a atribuição da legitimidade activa para impugnação de acto administrativo.
Este critério do “interesse pessoal e directo” segundo o Prof. Aroso de Almeida apenas tem como limite o facto de o autor prosseguir para a acção no seu próprio interesse (pessoal) e de que este lhe possa trazer um benefício imediato, o que mais uma vez volto a dizer, alarga em muito o leque de pessoas com legitimidade para impugnar certo acto, dai o título do post ser “O acto administrativo contra o mundo”.
Passo agora à minha humilde opinião sobre esta questão da legitimidade alargada!
Que as pessoas possam defender as suas pretensões em tribunal e fazer valer os seus direitos perante as afectem e lhes possa trazer uma desvantagem, até este momento todos concordam, mas essas pretensões ou situações desvantajosas não se devem prender com meros interesses de facto.
Não duvidando da competência dos tribunais para decidir sobre o mérito da procedência ou não dessa mesma acção, mas este critério leva a que possam ser intentadas acções nos tribunais administrativos que não estejam relacionadas com nenhuma razão jurídica de fundo que valha a pena ser discutida em tribunal, temos o exemplo do proc. 911/05 de 25 de maio 2006 em que o tribunal reconheceu legitimidade ao proprietário de um posto de combustível para impugnar o licenciamento da construção de um novo posto de combustível que poderia comprometer a viabilidade económica do seu posto de combustíveis, ou o caso do aluno descontente com a atribuição de uma bolsa a outro aluno em seu detrimento, exemplo dado pelo Dr. José Duarte Coimbra no seu trabalho de oral de melhoria de contencioso.
Para evitar exemplos de acções destas que mais me parecem “perdas de tempo”, que penso que a possibilidade de intentar acções de impugnação de actos por “meros interesses de facto” devia ser afastada.
Os tribunais devem discutir situações de direitos ou de interesses legalmente protegidos que foram violados ou que não estão a ser respeitados, ou ainda outras acções que tenham razões jurídicas na sua substância e não o facto de certo acto administrativo poder levar à diminuição do lucro de um posto de combustível ou de outra actividade.
Além disso a concepção ampla da relação jurídica administrativa que concebe a relação jurídica administrativa como não apenas bilateral mas como um conjunto de mais intervenientes, também por uma posição jurídica subjectiva ampla, como é defendido pelo Dr. José Duarte Coimbra, tal como está no seu trabalho de oral de melhoria, é a junção destas teorias que permite interligar o “interesse pessoal e directo” à posição jurídica subjectiva da sua relação jurídica administrativa na concepção ampla, que daria legitimidade activa para intentar acções quando o individuo tivesse a sua posição jurídica lesada ou houvesse ilegalidade do acto administrativo, afastando assim os meros interesses de facto da equação.


Bibliografia:
Silva, Vasco Pereira – “O Contencioso no divã da psicanalise”
Almeida, Mário Aroso de – “ Manual de Processo Administrativo” págs. 233 a 239
Vieira de Andrade, José Carlos – “Justiça Administrativa” págs. 196 e s.s.
Coimbra, José Duarte- “Trabalho de oral de Melhoria de Contencioso Administrativo”
       



                                                                                      Milton Aurélio

  Nº21417

O Acto Administrativo impugnável



  Ultrapassada e encaminhada para o “Museu do Contencioso Administrativo”, a figura do recurso de anulação é, hoje, a acção administrativa especial de impugnação do acto administrativo.
  Neste trabalho analisaremos o teor da decisão do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 0140/09 de 16 de Dezembro de 2009, no qual releva a questão da impugnabilidade dos actos administrativos.
  Cabe começar por contextualizar o Acórdão supra referido. A Ministra da Justiça publicou um Despacho no Diário da República em que autorizou e homologou a abertura do concurso para atribuição de licenças de cartório notarial. Após a publicação, a autora, adiante A, propõe uma acção de impugnação do aviso do referido concurso, em relação à qual, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, julga procedente a excepção de inimpugnabilidade do despacho da Ministra da Justiça. A recorre desta decisão e o Acórdão do Tribunal Central do Norte nega o provimento do recurso. A interpõe recurso por revista excepcional e o Supremo Tribunal Administrativo concede provimento ao recurso e revoga o Acórdão recorrido e a decisão da 1ª Instância.
  Importa perceber a questão do Acórdão em análise e fundamentos da sua conclusão.
  A questão em debate é a da impugnabilidade dos actos administrativos, em concreto, a impugnabilidade do despacho da Ministra da Justiça.
  O Acórdão recorrido fundou a sua decisão na consideração segundo a qual o despacho seria um acto complexo de formação sucessiva e, por isso, inscrever-se-ia no domínio das decisões administrativas preliminares, assumindo natureza de acto interno. Enquanto acto interno seria desprovido de lesividade- actual- não podendo ser impugnado.
  O Acórdão em análise revela uma posição manifestamente oposta que carece de alguns esclarecimentos.
  Pressuposto da impugnabilidade é estarmos perante um acto administrativo, cujo conceito podemos encontrar no artigo 120º do Código de Procedimento administrativo, adiante CPA. O artigo supra citado circunscreve ao conceito de acto administrativo os actos com conteúdo decisório, o que, parece excluir, a generalidade dos actos preparatórios do procedimento administrativo.
 
  No entanto, se, por um lado, o legislador, ao definir o conceito de acto administrativo para efeitos do CPA, no seu artigo 120º, parece dar espaço a que exista um conceito de acto administrativo para efeitos contenciosos, o que vem precisamente fazer o artigo 51º número 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, adiante CPTA. Por outro, na linha daquilo que o Acórdão recorrido já considerava, apesar do acto administrativo, no caso em apreço, ter natureza de um acto preparatório, este não deixa de ter conteúdo decisório.
  Mas, e aqui já diverge do Acórdão recorrido, o Acórdão em destaque vem entender que estamos perante um acto administrativo que, não obstante a sua natureza de decisão preliminar e preparatória de um procedimento concursal, tem, por si só, susceptibilidade de produzir efeitos externos sendo, por isto, contenciosamente impugnável, à luz do artigo 51º/1 do CPTA.
  Importante contextualização é ainda feita no Acórdão. O conceito de acto administrativo foi elaborado a partir da redacção do artigo 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Na sua fase inicial, entendia-se estarmos perante um acto administrativo executório e definitivo se este apresentasse uma tripla definitividade- material, horizontal e vertical.
  Com a revisão constitucional de 1989, o artigo supra citado, passa a ser interpretado segundo o artigo 268º/4 da Constituição da República Portuguesa, adiante CRP. O que veio, inevitavelmente, alterar o paradigma da discussão da impugnabilidade do acto administrativo, esta deixa, assim, de colocar-se na esfera da definitividade para passar a atender-se à lesividade (actual) do mesmo.
  Com a entrada em vigor do CPTA, verifica-se a consagração de acto administrativo para efeitos contencioso. Tanto a lesividade como a definitividade deixam de constituir requisito de impugnabilidade, como podemos ler na “Exposição dos Motivos” do Projecto do CPTA.
  Segundo a doutrina dominante e à luz do artigo 51º/1 do CPTA, a impugnabilidade dos actos administrativos depende da sua externalidade, isto é, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectam para fora do procedimento, afectando a Ordem Jurídica exterior- relação Administração-particulares.
  É no âmbito da legitimidade que hoje se coloca a questão da lesividade dos actos administrativos, devendo sublinhar-se que, esta última, não constitui contributo da impugnabilidade do acto, de acordo com o Princípio da tutela judicial efectiva, artigos 2º do CPTA e 268º/4 da CRP.
 
  Assim, concluindo a linha de pensamento do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, contrariamente ao que sustentava o Acórdão recorrido, o acto administrativo em causa não esgotou a sua eficácia no interior da Administração, tal como o demonstram as alegações de A e o contexto legal do despacho. Por este motivo, tem eficácia externa no âmbito da relação Administração-Notários, logo é impugnável segundo o artigo 51º/1 do CPTA.
  Após a apresentação sucinta daqueles que julgamos ser os pontos essenciais em que se fundou a decisão do Supremo Tribunal Administrativo, parece-nos importante tecer algumas considerações nesta matéria.
  Perante a tendência europeia, mesmo em países com sistemas mais paradigmáticos, como França e Alemanha, de alargamento dos actos administrativos impugnáveis e a multiplicidade de novas espécies de actos administrativos, o Professor Vasco Pereira da Silva, conclui pela necessidade de afastamento de quaisquer noções restritivas de acto administrativo.
  Contrariamente à Escola clássica de lisboa, na qual se destaca o Professor Marcello Caetano, que distinguia entre conceito amplo de acto administrativo e conceito restritivo de acto administrativo impugnável, o Professor apresenta um conceito de acto administrativo que transcrevemos- “Actos administrativos são todos os que produzam efeitos jurídicos mas, de entre estes, aqueles cujos efeitos forem susceptíveis de afectar, ou de causar, uma lesão a outrem, são contenciosamente impugnáveis”.
  Ainda na linha de raciocínio do Professor Vasco Pereira da Silva, importa referir a sua consideração relativa ao artigo 51º/1 do CPTA.
  Apesar da solução do artigo supra citado ser boa, a formulação é infeliz. E explica, aqui exigir-se-ia a consagração da dualidade de critérios de impugnação. Estando em causa uma acção para tutela de um direito, isto é, para defesa de uma posição jurídica substantiva, o critério de impugnabilidade é determinado pela lesão dos direitos dos particulares. No caso de uma acção para defesa da legalidade e do interesse público, o critério é a eficácia externa do acto administrativo. O critério da impugnabilidade depende, assim, da função e da natureza da acção de impugnação, podendo estar aqui em causa uma acção jurídico-subjectiva ou uma acção popular.
  Enfim, mesmo que aqui considerássemos estar perante um acto procedimental, o abandono da ideia de definitividade horizontal, levou, inequivocamente, à possibilidade de apreciação dos actos procedimentais. À luz do artigo 51º/1 do CPTA, os actos de procedimento são susceptiveis de impugnação autónoma.
 
  A título de conclusão e, após a exposição da matéria em questão, parece-nos pertinente formular algumas considerações.
  O legislador constitucional consagrou no artigo 268º/4, o Princípio da Tutela Efectiva dos direitos dos particulares e é evidente a sua incidência, mesmo a título interpretativo, em toda a legislação do contencioso administrativo. Pode mesmo falar-se num direito fundamental à impugnação dos actos administrativos lesivos dos particulares.
  A nosso ver, não podia aqui considerar-se outra decisão senão a presente no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, parece-nos claro que, a decisão recorrida traduz uma visão ultrapassada de acto administrativo.












Bibliografia:
Almeida, Mário Aroso, Manual de Processo Administrativo, 2010, Almedina
Silva, Vasco Pereira, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2009, Almedina
Ac do STA, 0140/09, de 16 Dezembro de 2009


                                                                                                                     Rita Rosário 

Legitimidade passiva das pessoas colectivas de direito público: o artº10 nº2 do CPTA

Uma das principais inovações introduzidas pela grande reforma do contencioso administrativo foi a atribuição de legitimidade passiva às pessoas colectivas de direito público. Nas acções que tenham por objecto acções ou omissões de uma entidade publica o réu deixou de ser o órgão autor do acto recorrido e passou a ser a pessoa colectiva de direito público ou o ministério (quando esteja em causa a pessoa colectiva Estado).
Diz o artº10 nº2 do CPTA: “Quando a acção tenha por objecto a açcão ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”.
Resulta pois do preceito transcrito que em todas as acções intentadas contra entidades públicas a legitimidade passiva corresponde à pessoa colectiva e não ao órgão que dela faça parte e que foi o verdadeiro autor do acto impugnado. Já quando esteja em causa uma conduta activa ou omissiva do Estado a legitimidade passiva é do ministério a cujo órgão seja imputado o acto jurídico.
Cumpre desde já adiantar que discordo em absoluto do novo preceito legal. Cabe então tomar algumas considerações críticas quanto à solução adoptada
Questiono desde logo a própria redação do preceito. Num primeiro momento é atribuída legitimidade passiva às pessoas colectivas de direito público1. Logo de seguida o preceito faz uma ressalva no que toca à legitimidade passiva da pessoa colectiva Estado atribuindo legitimidade aos ministérios. Coloca-se a questão: Qual a razão de ser desta ressalva? Alguns autores atribuem a explicação ao facto de o Estado ter múltiplos representantes e não se poder atribuir a todos eles conjuntamente, ou a só um deles, a defesa da pessoa colectiva em juízo2. Ora ao atribuir legitimidade passiva ao ministério estamos já perante uma cedência em relação à atribuição de legitimidade à pessoa colectiva pública. Se estamos nesta lógica de cedência porque não atribuir logo legitimidade passiva ao órgão autor do acto impugnado? Era afinal uma forma mais eficaz de contornar a complexidade estrutural da pessoa colectiva Estado, pois que também os ministérios não deixam de ter o seu grau de complexidade estrutural. 
Ainda neste contexto de crítica importa considerar a opinião de Alexandra Leitão3,à qual subscrevo na íntegra, que considera estarmos perante um carácter extremamente concentrador de competências na medida em que todo o Contencioso da Administração Directa do Estado é encaminhado para o ministério. Mais uma vez se coloca a questão: não seria mais razoável e vantajoso atribuir a legitimidade passiva ao verdadeiro autor do acto, agora para evitar uma concentração de competências no ministério?
O mesmo argumento se poderá invocar para outras pessoas colectivas de direito público que não o Estado. Sendo sempre demandada a pessoa colectiva de direito público e não o verdadeiro autor do acto não estaremos perante uma verdadeira concentração de competências na pessoa colectiva de direito público?
Um outro argumento que poderemos invocar a favor da atribuição da legitimidade ao autor do acto impugnado, o qual considero o argumento chave nesta defesa, prende-se com o facto de o autor do acto estar mais próximo dele do que a pessoa colectiva de direito público e consequentemente melhor conseguir defender a legalidade do acto impugnado.
Veja-se o seguinte exemplo prático: a Câmara Municipal X pratica um acto administrativo Y. Se o particular impugnar o acto a legitimidade passiva nos termos do artº10 nº2 do CPTA pertence à pessoa colectiva de direito público (neste caso ao Município). Ora não terá o verdadeiro autor do acto melhores possibilidades de levar a cabo a defesa da legalidade do acto impugnado? Sendo ele quem pratica o acto, melhor consegue explicitar quais as razões que o levaram à prática do mesmo e quais os argumentos que melhor defendem o acto. Nestes termos o verdadeiro autor do acto administrativo terá maiores probabilidades de ter sucesso em juízo do que a pessoa colectiva de direito público (que só ira ter acesso aos fundamentos da prática do acto à posteriori. Consideremos também como exemplo o Acórdão do STA de 10/0572007. O Acórdão relata a situação em que os oficiais da Força Aérea, moveram no TAF de Sintra acção administrativa especial contra a Força Aérea pedindo a anulação do despacho do General Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA). No entanto foi determinado que a legitimidade passiva pertencia ao ministério da Defesa Nacional. Aplicando o artº10 nº2 do CPTA a decisão não podia ser diferente. Mas não posso deixar de criticar a decisão apresentando as mesmas razões acima elencadas: sendo o CEMFA quem pratica o acto, melhor consegue explicitar quais as razões que o levaram à pratica do mesmo e quais os argumentos que melhor defendem o acto. A legitimidade deveria então pertencer ao verdadeiro autor do acto.
 Era importante uma reforma nesta matéria, alterando a configuração do preceito legal no sentido de atribuir legitimidade passiva ao verdadeiro autor do acto impugnado. Importa recordar que o regime da legitimidade passiva na LPTA antes da Reforma do Contencioso dispunha neste mesmo sentido: era atribuída legitimidade passiva ao verdadeiro autor do acto. E considerações especiais à parte, era uma solução mais prática e vantajosa no sentido de defesa da legalidade do acto impugnado.
Argumentavam as teses contra esta solução dizendo que existiam frequentes dificuldades na identificação correcta do autor do acto impugnado4. No entanto,como afirma e bem Alexandra Leitão5 a regra vertida no artº10 nº2 nem sempre se afigura simples de aplicar para o próprio autor podendo gorar o objectivo de facilitar a identificação da entidade demandada. Veja-se o exemplo dado: quando está em causa um acto ou omissão imputável a um membro do Governo integrado na presidência do Conselho de Ministros ou uma declaração de ilegalidade por omissão de elaboração de um decreto regulamentar cuja iniciativa cabe ao membro do Governo mas cuja competência de aprovação cabe por costume constitucional ao conselho de ministros. Nestes casos nem sempre é fácil determinar a legitimidade passiva.
 Como se pode ver os argumentos elencados na exposição de motivos não são tao decisivos quanto se pensava, colocando este novo regime os mesmos problemas de fundo.
Importa agora considerar que, felizmente, o CPTA elenca alguns artigos que denotam um certo grau de abertura na atribuição de legitimidade passiva ao verdadeiro autor do acto. São exemplo disso mesmo o artº10 nº4 do CPTA, o artº78 nº3 do CPTA  e os artigos 159 nº1 b) e 169 do CPTA. O mesmo caminho deveria seguir o artº10 nº2 do CPTA. Não foi o caso. Resta portanto aguardar por uma revisão da lei no sentido de atribuir a legitimidade passiva na impugnação de actos administrativos ao verdadeito autor do acto.






1-Não é objecto da presente publicação aprofundar o conceito de pessoa colectiva de direito público pelo que não vamos aqui tomar considerações relativamente a este ponto.
2- MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, anotado, Vol. I, pág. 169
3- ALEXANDRA LEITÃO, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 47, pag.34
4- MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, anotado, Vol. I, pág. 167
5- ALEXANDRA LEITÃO, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 47, pag.33/34

Bibliografia consultada:
- AROSO ALMEIDA, MÁRIO, Manual de Processo Administrativo, 2013, Reimpressão Almedina
- PEREIRA DA SILVA, VASCO, O Contencioso Administrativo No Divã Da Psicanálise, 2º Edição Actualizada, Almedina
- CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, JOSÉ, A Justiça Administrativa, 2012, 12ª edição, Almedina
ALEXANDRA LEITÃO, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 47
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, anotado, Vol. I


Margarida Domingues, aluna nº 22217



Impugnação de actos administrativos( o que muda com a revisão)

 Antes de entrar no assunto em si mesmo, irei fazer um breve comentário à nova revisão do CPTA, que irá entrar em vigor em 2015.
 No meu entender , a nova proposta de revisão do CPTA pretende simplificar os processos, passando só a existir um meio processual não urgente, a acção administrativa. Tentando assim evitar uma sobrecarga de processos nos tribunais, que por vezes, quem sai prejudicado são os titulares dos interesses que estão nos processos, visto que não tinham uma resposta/decisão num período adequada aos seus interesses.
 Relacionado com este ponto, da demora das tomadas de decisões, em relação a certos assuntos, podemos referir que uma proposta está relacionada com os prazos de impugnação dos actos administrativos.
 Pretende-se voltar aos prazos de impugnação de actos anuláveis  do antigo CPTA, isto porque oferece uma maior segurança em matérias em que não pode existir dúvidas.
 O que se pretende é alargar o período de impugnação, para as partes interessadas terem disponibilidade para fundamentarem, lerem com atenção todo o processo, para que não aconteça problemas como os do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº0884/14, em que um dos fundamentos para a impugnação era que existiram várias dúvidas, que tiveram que ser esclarecidas por telefone e por e-mail, o que levou que um período de tempo bastante fosse para esclarecer as ditas dúvidas, passando assim o prazo para impugnação ou então ficando com pouco tempo.
 Portanto a revisão do CPTA pretende evitar estes tipo de problemas e simplificar os processos no contencioso administrativo.

 Passando agora ao tema em questão, uma breve explicação do que se trata a matéria da impugnação dos actos administrativos.
 O objecto da impugnação é o acto administrativo e tem como objectivo que este não produza os seus efeitos jurídicos, de acordo com o art.50º CPTA.
 Ora para existir impugnação, tem que existir um acto administrativo. A sua noção vem no art.120º CPA e, significa que exista "uma decisão de um órgão da Administração Pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta".
 Tendo em conta a noção de acto administrativo podemos verificar, como já foi referido anteriormente, que a impugnação tem como função evitar que esse dito acto não produza os efeitos jurídicos provenientes de uma decisão do tribunal.
 Mas existem certos actos que não são impugnáveis, como é o caso dos actos confirmativos (art.53ºCPTA). Neste caso, eles não são impugnáveis devido ao facto de eles não terem sido uma decisão, isto é, este actos, como o próprio nome indica, só vêm confirmar uma decisão que já existe, enquanto que os actos administrativos do art.55ºCPTA, proferem uma decisão pela primeira vez.
 Com a revisão, a inimpugnabiliadade dos actos confirmativos mantém-se, mas com o art.53º a ter uma nova redacção :
"Artigo 53.º
Impugnação de atos confirmativos
1 - Não são impugnáveis os atos confirmativos, entendendo-se como tal os atos que se
limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos
administrativos anteriores.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os casos em que o interessado não
tenha tido o ónus de impugnar o ato confirmado, por não se ter verificado, em relação a
este ato, qualquer dos factos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 59.º.
3 - Os atos jurídicos de execução de atos administrativos só são impugnáveis por
vícios próprios, na medida em que tenham um conteúdo decisório de caráter inovador."

Um outro preceito que também, muda com a revisão é o art.54ºCPTA, que diz respeito à impugnação de actos administrativos ineficazes.
 Na sua actual redacção, o nº1 diz que um acto pode ser mesmo ainda não tenha produzido efeitos, desde que:
"a) Tenha sido desencadeada a sua execução;
b)Seja seguro ou muito provável que o ato irá produzir efeitos, designadamente por a ineficácia se dever apenas ao facto de o acto se encontrar dependente de termo inicial ou de condição suspensiva cuja verificação seja provável, nomeadamente por depender da vontade do beneficiário do acto."
 Com a revisão, o art.54º "ganha" mais um preceito onde se diz que "os actos administrativos só podem ser impugnados a partir do momento em que produzem efeitos".
 Continua com a revisão, a "liberdade de forma" para impugnar o acto administrativo. De acordo com o art.52º/1, não é necessário observar-se uma especial/determinada forma para se impugnar o acto.


O nosso CPTA prevê duas formas de processo de impugnação dos actos administrativos.
 Prevê uma forma para os actos administrativos inseridos na acção administrativa especial ( que está previsto no art.46º e ss) e outra forma par os que estão inseridos nos processos urgentes (art.100º e ss).
 O que diferencia estes dois processos é que o último, como o nome o sugere, existe uma maior rapidez no seu andamento e também devido ao facto de , apesar de existirem requisitos de admissibilidade gerais, isto é, para ambos os processos, os processos urgentes têm requisitos específicos.


                                                                                                                       Ana Rita Sena
                                                                                                                             nº17818

Bibliografia:
-Manuel de Processo Administrativo, Prof.Mário Aroso de Almeida
-Proposta de revisão do CPTA

terça-feira, 28 de outubro de 2014

O actual artigo  4º do ETAF e suas alterações no Anteprojecto de Reforma do Contencioso Administrativo

Breve análise

Antes de mais é necessário enquadrar este tema, do âmbito de Jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais (T.A.F.) com os artigos 212º da Constituição da República Portuguesa  (C.R.P.) e 1º/1 do ETAF (daqui para a frente sempre que nada se disse entende-se como sendo do ETAF).  Estes dois artigos têm o intuito de concretizar o conteúdo geral da delimitação legal do âmbito de jurisdição administrativa. Pois por outro lado existe o art. 4º que amplia/ diminui competências aos T.A.F. O art. 4º no seu  número 1 faz uma delimitação positiva e apenas exemplificativa  das competências que cabem na jurisdição dos T.A.F., o seu número 2 e 3 fazem uma delimitação negativa, ou seja, quais as matérias que estão “fora” do seu âmbito.  
 Podemos concluir que o artigo 4º é uma concretização do 212º/3 da CRP conjuntamente com o art.  1º ,assim o critério que se extrai da cláusula geral define como pertencentes à jurisdição Administrativa os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas. Em consequência do que acabei de referir, o artigo 4º funciona  como uma norma especial  pois amplia (no seu nr. 1 ) ou diminui (no seu nr.2) o critério geral previsto no art.1º, significa que havendo divergências  prevalecerá sobre o art. 1º do ETAF. Já o Prof. Dr. Mário Aroso de Almeida vê o 1º do ETAF como um artigo de aplicação subsidiária relativamente ao 4º. É necessário analisar em primeiro lugar o art. 4º para saber se aquelas matérias foram objecto de uma particular preocupação por parte do legislador. Se nada for dito então recorre-se ao art. 1º.
As alíneas do artigo 4º/1 do ETAF:
 a)  A tutela dos Direitos Fundamentais aqui em vista, diz respeito a situações em que esses direitos estejam envolvidos no âmbito de uma relação jurídico-administrativa. Remete assim para a natureza dos litígios a dirimir (natureza administrativa). Dilui-se na aplicação do artigo 1º/1.  Relativamente a esta alínea existem duas interpretações distintas, a primeira defende que  a tutela de Direitos fundamentais, estes sempre, e os outros Direitos que resultam de uma relação Jurídica Administrativa, estão dentro do âmbito de jurisdição dos  TAF sempre que existe perigo para qualquer Direito Fundamental. A segunda  interpretação é restritiva, pois quer seja a tutela de Direitos Fundamentais, quer a tutela de Direitos não Fundamentais são da competência do TAF desde que num contexto de regulação do Direito Administrativo. Esta ultima interpretação é maioritária na doutrina, e a meu ver bem, pois caso se optasse pela pela primeira existiria um monopólio de jurisdição dos TAF relativamente a todos os Direitos Fundamentais e a intenção do legislador não é essa, pois estamos no âmbito do Direito Administrativo.
 b) 1º parte;  c) e d) Estas alíneas representam o cerne do contencioso administrativo ou como prefere chamar o Prof.  Dr. Aroso de Almeida “núcleo duro da jurisdição administrativa”. Têm em vista a fiscalização de actos administrativos e regulamentos dos órgãos da Administração Pública realizados no exercício da função administrativa. Mas também actos que contêm matéria administrativa, (vulgarmente chamados  por actos materialmente administrativos) praticados por órgãos públicos mesmo que não pertencentes à Administração Pública  e por particulares.  
 f) Neste caso estamos perante o critério do Contrato Administrativo, mas, não chega, pois desta alínea retira-se outros subcritérios: o objecto ser passível de acto administrativo; contratos que submetam o seu regime substantivo a normas de Direito Público;  as partes submeterem o contrato a um regime de Direito Público voluntariamente.  Neste último subcritério estamos perante Contratos Administrativos atípicos, pois o seu objecto seria regulado por Direito Privado mas as partes escolheram, e essa escolha tem que ser expressa de forma inequívoca, o Direito Público para a sua regulação.
 e) Esta alínea é um desvio ao critério geral, amplia as competências dos TAF.  Neste preceito tem-se em vista litígios emergentes de todos os contratos que a lei submeta a procedimentos pré-contratuais. Aplica-se quer a pessoas colectivas de Direito Público quer a entidades privadas, se sujeitas ao Direito Público. Assim o critério aqui será somente o contrato ser submetido a regras de Contratação Pública, ou seja o critério do Contrato Público. Contudo o Prof. Dr.  Vieira de Andrade  admite que os contratos puramente privados também se inserem nesta alínea. Assim teríamos que nos perguntar: Houve ou não houve um procedimento pré contratual público? Se respondermos sim, então este será regulado pelos TAF pois a natureza substantiva do contrato não é relevante.
b) 2º parte Também aqui estamos perante um desvio para mais do critério geral do 1º/1 e do 212º da CRP. Independentemente da natureza do contrato, e se, a invalidade resultar de um acto administrativo inválido, o TAF é competente. O Prof. Dr. Vieira de Andrade faz uma interpretação restritiva deste preceito, entende que a invalidade do acto tem que ter consequências directas na invalidade do contrato e ainda exige uma “relação substancial adequada de causalidade” entre as invalidades. Não me parece necessário fazer essa interpretação visto que estamos perante um desvio relativamente ao 1º/1,  o legislador teve intenção de colocar esta matéria dentro das competências dos TAF.
g); h) e i) Relativamente a estas alíneas o TAF é competente para qualquer questão relativa a responsabilidade civil extracontratual. Na última parte da alínea g) refere-se expressamente função legislativa e jurisdicional, e não administrativa, precisamente para incluir toda e qualquer função estadual. A função aqui não importa decisivo é que o dano seja cometido por uma pessoa colectiva de Direito Público. Como interpretar a ausência de distinção entre actos praticados ao abrigo da gestão pública ou gestão privada?
Não é necessário que a actuação ocorra no exercício de uma função administrativa, consequentemente a distinção entre actos funcionais e actos pessoais não tem relevância. Pois o que conta é a natureza da entidade demandada/ sujeito lesante. Esta distinção apenas tem relevância no plano substantivo, como veremos a propósito da alínea i) e não no plano processual. Fazendo uma conjugação com o 1º/1 do ETAF e o 212º/3 da CRP poderíamos dizer que só eram competentes os TAF no âmbito do exercício das funções administrativas, pois só ai estaríamos perante relações administrativas. Mas não tem sido esse o entendimento da jurisprudência, mas sim o seu alargamento. Assim sempre que pratiquem danos despidas de autoridade são competentes os TAF, mas respondem pelo regime geral da responsabilidade civi, passam aplicar também normas de Direito Privado.
A alínea i) só diz respeito à responsabilidade civil extracontratual emergente das actuações de gestão Pública se regulado pelo RRCEE1. Aqui esta distinção é necessária, pois tem relevância também no plano substantivo, e não só no processual. Assim primeiro é sempre necessário verificar o artigo 1º/5 do RRCEE para depois poder aplicar esta alínea. Estes dois artigos estão sempre ligados o raciocínio a ter e o seguinte: se o privado responde nos termos do 1º/5, logo nos termos do 4º/1 i) o tribunal competente é o TAF.
Artigo 4º da Proposta de lei2
A relação do artigo 4º com o 1º ETAF, sofre uma mudança pois este último perde o carácter de cláusula geral e passa a remeter apenas e directamente para o 4º. Assim a delimitação fica concentrada no art. 4º, e para contornar essa perda surge a alínea q), esta passa a concretizar o art. 212º/3 da CRP. Assim continua subjacente o critério da relação jurídica administrativa.
 a) A interpretação restritiva da alínea a) do actual artigo, a qual me referi à pouco, sofre agora a consagração legal, o que faz todo o sentido pois já era do entendimento da doutrina maioritária.
b) Apenas contem a sua 1º parte já que a segunda dizendo respeito a material contratual passou para a alínea e) como mais abaixo explicarei.
e) A matéria relativamente a contratos, ou seja, a 2ºparte da alínea b), bem como a alínea e) e f) fica concentrada numa única alínea, a e). Esta refere-se à validade de actos pré- contratuais; interpretação, validade e execução de Contratos Administrativos; interpretação, validade e execução de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação pública ou outras entidades adjudicantes. Os TAF são competentes quando os contratos são celebrados ao abrigo do regime da Contratação Pública quer sejam pessoas colectivas públicas ou privadas e independente da natureza pública ou privada do contrato.
f) Corresponde à antiga alínea g), acrescenta à sua letra a responsabilidade resultante  do exercício da função politica. Esta concretização segue o entendimento do  RRCEE que já englobava essa função.
g) Corresponde a antiga alínea h) introduz a palavra “trabalhadores” dirigida  para os que  exercem funções ou prestam serviços a entidades públicas.
h) Corresponde a antiga alínea i) em vez de” sujeitos privados” substitui por” demais sujeitos”, pretende assim incluir toda a “actividade pública lesiva” designadamente os órgãos do Estado não integrados na Administração Pública.
 i) Refere-se a situações “constituídas em vias de facto” a doutrina entende aqui os litígios materialmente pertencentes à jurisdição civil. Entendia-se por exemplo, relativamente a expropriações, que se não tinha titulo legítimo a competência era dos tribunais judiciais agora essa competência cabe nos TAF.
 k) O pagamento de indemnizações devidas por expropriação/servidões passa para a competência do TAF. Esta matéria era vista como uma diminuição do âmbito de jurisdição tendo em conta o actual artigo 4º, que nos dias que correm já não faz sentido, pois estamos perante uma verdadeira relação jurídica administrativa.
l) Corresponde a antiga alínea j) a última parte acaba por ser suprimida e reforça-se aqui a aplicação apenas a relações interinstitucionais.
n) Passa a contemplar todas as contra-ordenações.

1 Lei nº67/2007, de 31 de Dezembro-Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas 
2Não estão aqui examinadas todas as novas alíneas da Proposta de Lei do artigo 4º do ETAF, apenas seleccionei as principais alterações.

Bibliografia:
  • ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DEA Justiça Administrativa (Lições), 8.ª Edição, Coimbra, Livraria Almedina, 2006
  • ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Reimpressão Almedina, Coimbra 2013
  •              http://e-publica.pt/ambitodejurisdicao.html#_ftn26

Carolina Felisberto
Aluna nº22087

O Valor do Silêncio da Administração (Actos Tácitos)

"O que fazer quando a Administração nada faz?"


Do Art.9º/1 do Código do Procedimento Administrativo resulta que "Os órgãos administrativos têm (...) o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados pelos particulares (...) ", sendo que encontramos uma excepção a este Princípio da Decisão no número 2 do mesmo artigo, quando estejamos perante uma situação em que "o órgão competente tenha praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos" há menos de dois anos a contar da data da apresentação do requerimento.
O que iremos aqui tratar são as situações em que os órgãos administrativos não se pronunciam, fora do âmbito da excepção indicada, e qual o resultado do silêncio da administração em cada situação.

Há que ter em conta, em primeiro lugar, que para estarmos perante uma omissão juridicamente relevante é necessário que se verifiquem quatro pressupostos: tem que existir iniciativa de um particular; o órgão administrativo ao qual é dirigido o pedido tem que ser competente; tem que haver um dever legal de decidir (ou seja, não estarmos perante a situação do Art.9º/2) e o prazo de que a administração dispõe para se pronunciar já ter decorrido (sendo este regulado pelo Art. 58º/1 do CPA que indica ser de 90 dias contados nos termos do artigo 72º do CPA, salvo as devidas excepções).

Nos casos em que se conclua que existe uma omissão juridicamente relevante, nos termos anteriormente referidos, o silêncio da administração pode ter um de dois significados: a omissão pode ter um valor positivo, ou seja, o silêncio da administração equivale a um deferimento do pedido do particular (deferimento tácito) ou, por outro lado, a omissão pode ter um valor negativo, isto é, o silêncio da administração representa um indeferimento do pedido (indeferimento tácito).

Mas como distinguir se o silêncio da administração representa um deferimento tácito ou um indeferimento tácito? Ou seja, como saber se a omissão é favorável ou desfavorável à pretensão do particular?
Podemos encontrar resposta a esta questão nos artigos 108º e 109º do CPA que nos indicam as situações de omissão em que estamos perante um deferimento ou um indeferimento, respectivamente.
Assim, “Quando a prática de um acto administrativo ou o exercício de um direito por um particular dependam de aprovação ou autorização de um órgão administrativo" em caso de silêncio da administração, este toma um sentido positivo. Isto é, nestas situações, enumeradas posteriormente no nº3 do Art. 108º, o silêncio da administração corresponde ao deferimento do pedido do particular, sendo, por isso, em geral, favorável a este.

Nas restantes situações, por força do Art.109º, este mesmo silêncio é tido como um indeferimento. Assim, estamos perante um indeferimento tácito sempre que a Administração não cumpra o seu dever de decidir e não seja essa situação legalmente qualificável de deferimento tácito. Quando tal acontece, a omissão de resposta da administração é então valorado como recusa da pretensão do particular.


Como pode o particular reagir ao indeferimento tácito?

Com base apenas no Art. 109º/1 parte final do CPA teríamos a tendência de responder que o particular poderia reagir, sempre que a administração não se pronunciasse acerca do pedido deste e esta omissão tenha carácter de indeferimento, propondo uma acção de impugnação.

De facto, esta era a solução apresentada até à Reforma do Contencioso Administrativo. No entanto, esta solução implicava ficcionar demasiadas situações antes de se chegar a uma conclusão, vejamos: ficciona-se que existe um acto (de deferimento), ficciona-se que esse acto se anula e ficciona-se ainda que essa anulação induz a administração a praticar outro acto. Ou seja, tínhamos que "anular o nada" como se de um acto administrativo se tratasse.

Com a reforma e consequente possibilidade da "condenação à prática do acto devido”, regulada pelo Art.66º do CPTA e seguintes, esta ficção torna-se dispensável uma vez que não há motivo para presumir o indeferimento tendo em conta que, com a formulação do Art.66º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ao particular é concedida a possibilidade de condenar a entidade competente à prática do acto administrativo que foi ilegalmente omitido, desde que cumpridos os pressupostos do Art.67º do CPTA.
Esta ideia é reforçada pelo Art.51º/1 do CPTA que nos indica que, em caso de ser deduzido um pedido de anulação contra um acto de deferimento, o tribunal convida o autor a reformular o pedido, "transformando-o" num pedido de condenação à prática de acto devido.
Nesse sentido, o Professor Mário Aroso de Almeida defende que, com a introdução da figura da "condenação à prática do acto devido” o Art. 109º/1 do CPA fica tacitamente derrogado, de forma parcial, quando à parte que refere a possibilidade de impugnação do acto e que o próprio "indeferimento tácito" é colocado em causa, uma vez que parece deixar de ser necessário, pois o seu propósito pode ter sido suprimido - o de garantir que o particular poderia reagir a uma omissão da administração que se fosse desfavorável.


Relativamente ao deferimento tácito, este tem por base a presunção legal de que a inexistência de resposta por parte da administração equivale a um acto positivo, favorável à pretensão do particular, nos casos assim determinados pela lei, pelo que o assunto ficará resolvido na maioria dos casos uma vez que, em princípio, o particular obtém com o deferimento tácito o que pretendia quando efectuou o pedido.
Ainda assim, o Professor Vasco Pereira da Silva coloca a hipótese de, mesmo sendo o silêncio da administração correspondente ao deferimento, deve o particular ter igualmente acesso a pedidos de condenação à prática de acto devido nestas situações, uma vez que é possível que o deferimento tácito nem sempre corresponda integralmente à pretensão deste ou, no caso de haverem vários sujeitos envolvidos, este silêncio ser favorável a uns, mas desfavorável para outros. Argumenta ainda que o deferimento tácito não consubstancia um acto administrativo, pelo que não deve ser afastada a possibilidade do pedido de condenação.

Já o Professor Mário Aroso de Almeida considera que não se justifica existir acção de condenação à prática do acto, uma vez que a produção desse acto fica garantida, desde logo, pela própria lei através do deferimento tácito. Defende assim que, nestes casos, poderá haver lugar a uma acção administrativa comum de reconhecimento do direito com fundamento no deferimento tácito.

Por fim, é ainda de notar que a atribuição de significado ao silêncio da administração que vigorava (e continua a vigorar no caso do deferimento tácito) em Portugal, não está a par com o que é praticado em outros países que se recusam a "ficcionar" a existência de um acto quando ele na realidade não existiu, optando por soluções alternativas.



Telma Silva
Nº 18431