domingo, 30 de novembro de 2014

Processos Cautelares: As providências cautelares. Carcteristicas.


1.       Processos Cautelares.
Os artigos 112 a 134 do CPTA regulam o regime dos Processos Cautelares no Contencioso Administrativo. O Processo Cautelar é assim definido como o meio pelo qual o autor obtém as providências necessárias a assegurar a utilidade da sentença a proferir em processo declarativo. Temos assim um meio que permite que na pendência da acção não se constitua ou se produzam danos de tal modo gravosos que ponham em perigo a utilidade da decisão que o autor pretende obter naquele processo.

2.       Características

O processo cautelar caracteriza – se pela instrumentalidade, provisoriedade e sumariedade:

2.1.  A instrumental, funda -se no facto de o processo cautelar só poder ser desencadeado por quem tiver legitimidade para intentar num processo principal, o que resulta expressamente do artigo 113º nº1, CPTA, “o processo cautelar depende da causa que tem por objecto a decisão de mérito”, é por esse motivo que existe uma relação de dependência entre o processo cautelar e o processo principal, senão vejamos; o artigo 131º nº1, CPTA, determina que as providencias que vierem a ser a ser adoptadas caducam se o requerente não fizer uso do meio principal adequado, se o processo principal estiver parado durante mais de três meses por negligência do interessado ou se tiver nele vier a ser proferida decisão transitada em julgado desfavorável às suas pretensões, artigo 123º, CPTA. Tem no entanto a jurisprudência entendido que quando a propositura da acção principal estiver sujeita a prazo e a acção não for proposta nesse prazo, extingue – se o processo cautelar que já se encontre pendente, por ter sido intentado como preliminar, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Proc. Nº. 528/06.

2.2.  A provisoriedade consiste na possibilidade de o tribunal revogar, alterar ou substituir na pendência do processo principal, a sua decisão de adoptar ou recusar a adopção de providências cautelares se tiver existido uma alteração relevante das circunstâncias inicialmente existentes, artigo 124 nº 1, CPTA .Este critério vem demonstrar o carácter provisório da providência cautelar, na medida em que o tribunal não pode dar em sede de providência cautelar, aquilo que lhe cumpre providenciar em sentença a proferir no processo principal, o que não quer dizer que a providência cautelar não pode antecipar a título provisório, a produção do mesmo efeito a proferir a titulo definitivo na sentença do processo principal. O que a providência cautelar não pode fazer é a título definitivo antecipar a decisão a título principal, em tais condições que esta já não possa ser alterada. Como refere Mário Aroso de Almeida, quando o periculum em mora possa comprometer o efeito útil do processo principal e só possa ser evitado através da antecipação de um efeito que só pode ser determinado pela sentença principal, não estamos já perante uma decisão no domínio da tutela cautelar, mas domínio da tutela final urgente, sob pena de em caso contrário de a concessão da providência cautelar tornar inútil o próprio processo principal.

2.3.  A sumariedade, consiste num juízo que o tribunal deverá proceder sobra os factos a apreciar, evitando antecipar juízos definitivos, que, em principio, só devem ter lugar no processo principal, existe no entanto, essa possibilidade de antecipação do juízo definitivo do mérito da causa, excepcionalmente admitida quando preenchidos os requisitos do 121º CPTA, que Mário Aroso de Almeida considera consistir na verdade na “convolação do processo cautelar num processo principal, precisamente porque se trata de substituir o juízo sumário, assente numa apreciação perfunctória, por um juízo definitivo, assente numa apreciação cabal dos elementos de que depende a tomada de decisão sobre o mérito da causa”. Esta questão é da maior importância, na medida em que, se houver um investimento desproporcionado no esclarecimento em sede cautelar, multiplicar – se – ão de modo inadequado as situações de aplicação do 121º, CPTA.

Bibliografia.
Manual de processo Administrativo, Mário Aroso de Almeida


Pedro Espírito Santo, nº 18353 

sábado, 29 de novembro de 2014

Sobre a declaração de ilegalidade das normas administrativas

António Braga Mogadouro Gonçalves, aluno n.º 20708
4.º ano, ST 3

Sobre a declaração de ilegalidade das normas administrativas
Dentro dos meios processuais à disposição do interessado, mais especificamente no que toca aos processos principais normais (títulos II e III do C.P.T.A.), incluem-se como sabemos a acção administrativa comum, de matéria residual, e as três modalidades de acção administrativa especial: impugnação de actos, condenação à prática de actos e impugnação de normas.
                No presente comentário, versaremos a terceira modalidade, procurando explicar os seus âmbito de aplicação, ratio e objecto.
                O que este meio processual, especificado nos artigos 72.º a 77.º do C.P.T.A., vem permitir é que o interessado solicite ao Tribunal Administrativo e Fiscal que emita a declaração de ilegalidade de uma regra geral e abstracta emanada ao abrigo do Direito Administrativo.    
                Mas, como sabemos, toda a garantia de tutela jurisdicional no âmbito do direito administrativo se baseia na susceptibilidade de lesão efectiva dos direitos e interesses do particular; o que coloca à partida um entrave à impugnabilidade de normas administrativas.
                De facto, tendo estas um carácter geral e abstracto, pressupõem em regra a sua concretização, que naturalmente partirá de actos administrativos – decisões praticadas pelos órgãos da Administração que visam concretizar as tais normas administrativas às situações individuais e concretas dos particulares (artigo 120.º do C.P.A.).
Pelo que entendeu por bem o legislador consagrar o direito constitucional de impugnação de normas administrativas, desde que estas não dependam dos actos administrativos respectivos para efectivar as suas premissas na esfera jurídica do particular, isto é, “normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos” (artigo 268.º, n.º 5 da C.R.P.).
E esta garantia com força constitucional é concretizada na acção especial de impugnação de normas de que falamos.
A pretensão do particular (sempre a emissão pelo Tribunal da declaração de ilegalidade da norma impugnada) pode: (i) incidir meramente sobre o caso concreto, e neste caso a sentença do Tribunal nunca produzirá efeitos na ordem jurídica, ou (ii) almejar a força obrigatória geral da declaração de ilegalidade a proferir, e consequentemente eliminar a norma administrativa do ordenamento jurídico.
Como seria de esperar, os pressupostos a preencher neste último caso serão bem mais rígidos que os da pretensão circunscrita ao caso concreto, já que, para além da problemática da separação de poderes (não estará o poder jurisdicional a vergar o executivo?), já não estão apenas em causa os direitos e interesses de um só sujeito, mas os de todos aqueles que estão abrangidos pela substância da norma administrativa – assim, também aqui se coloca a questão: “se está em causa o interesse geral, não se estará aqui também a invadir o âmbito de jurisdição da Administração?”.
Por este motivo teve o legislador cuidado redobrado na sua admissibilidade.

1)      Pedido de declaração de ilegalidade circunscrito ao caso concreto
Nesta modalidade, os efeitos da sentença em caso de procedência não constituirão uma verdadeira declaração de ilegalidade, outrossim uma desaplicação da norma[1].
A única condição a verificar-se, para que ao particular seja permitido propor uma acção administrativa especial de impugnação de normas, é a susceptibilidade da norma em causa de produzir efeitos imediatos sobre as esferas jurídicas dos seus destinatários[2] (artigo 73.º, n.º 2).
Ora, como supra referido, é natural que a norma geral e abstracta careça de actos de concretização ou execução: neste caso, a formulação do pedido não será admissível.
Porém, pode-se configurar a existência de normas self-executing: o critério será, segundo M. Esteves de Oliveira[3], o momento imediato e o modo directo da efectivação das vantagens/desvantagens previstas.
Repita-se que os efeitos da sentença se cingirão ao caso concreto, pelo que nada será alterado no tocante à legislação em vigor.

2)      Pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral
A condição de impugnação (ou pressuposto) da acção administrativa especial de impugnação de normas, quando dela se pretenda a revogação integral da norma impugnada, é a sua anterior desaplicação em três casos concretos pela ordem jurisdicional administrativa (artigo 73.º, n.º 1).
Do ponto de vista do legislador, a ocorrência de três decisões jurisprudenciais pela existência de invalidade própria ou derivada na norma em causa constitui um risco para a confiança dos particulares no ordenamento jurídico, na medida em que se torna pouco perceptível aquilo que o Direito exige dos seus destinatários.
Mas, como podem estes três casos ter ocorrido?
Em primeiro lugar, resulta imediatamente da leitura sistemática do Código que a procedência (noutro caso distinto) de um pedido nos termos do artigo 73.º, n.º 2, culminando na desaplicação por via principal [referida em 1)] será contabilizado para os efeitos do n.º 1.
Em segundo lugar, na esteira de Vieira de Andrade, os três casos referidos no artigo 73.º/1 podem ainda referir-se à desaplicação por via incidental.
Esta desaplicação indirecta, ou por via incidental, terá ocorrido quando, no âmbito da impugnação de um acto administrativo (seja por acção administrativa especial – arts. 50,º ss. – seja por acção administrativa comum – arts. 37.º ss.), o Tribunal se tenha pronunciado pela anulação do acto em causa, com fundamento na ilegalidade da norma que o acto veio concretizar[4].
Por fim, surge no artigo 72.º, n.º 2, uma outra limitação à declaração de ilegalidade com força obrigatória geral da norma administrativa: não poderá colidir com a jurisdição do Tribunal Constitucional, mais especificamente com o artigo 281.º, n.º 1, da Constituição, onde consta desde logo a inconstitucionalidade directa das normas [al. a)].

Pode-se concluir do exposto, que o espírito do legislador é dirigido por valores distintos consoante a modalidade do pedido de declaração de ilegalidade.
No que toca àquele circunscrito ao caso concreto, o essencial é a salvaguarda efectiva dos direitos/interesses do particular em causa, sob a égide das garantias previstas no artigo 268.º/5 da C.R.P..
Por seu turno, quando a decisão seja susceptível de se sobrepor aos poderes da Administração, e de derrogar a norma face a todos os seus destinatários, torna-se premente considerar o interesse público, pelo que se imporá o objectivismo.











[1] Por via principal. Da desaplicação por via incidental, veja-se infra.
[2] Repare-se que o antigo critério de impugnabilidade do acto administrativo – executoriedade – ainda está subjacente à lógica do contencioso administrativo.
[3]A impugnação e anulação contenciosas dos regulamentos”, in Revista de Direito Público, n.º 2, 1986, p. 29 ss. e 35 ss..
[4] Logicamente, a existência, na via incidental, de um acto administrativo que executa a norma levar-nos-ia à conclusão de que a norma não seria self-executing. Porém, recorda-se que a susceptibilidade de produção de efeitos imediatos apenas é pressuposto no que toca ao pedido referido em 1).

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O Contencioso Pré-Contratual Urgente

        i.         Generalidades

Em primeiro lugar cabe-nos definir o que é o contencioso pré-contratual. Segundo Pedro Gonçalves, é um sistema de impugnação jurisdiscional de normas administrativas reguladoras de procedimentos pré-contratuais e dos actos administrativos relativos à formação de contratos da Administração Pública. Até 1998, não havia qualquer desigualdade quanto à impugnação destes actos e ao regime geral de impugnação de normas e actos administrativos. Contudo, neste mesmo ano, surge o DL n.º 134/98, de 15 de Maio, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 89/665/CEE, que passou a estabelecer um regime especial para actos pré-contratuais relativos à formação de contratos de empreitada de obras públicas, prestação de serviços e fornecimento de bens. Como refere Mário Aroso de Almeida, [1] são "processos de impugnação dos actos administrativos praticados no âmbito do procedimento de formação desses tipos específicos de contratos e apenas desses, que são subtraídos ao modelo normal de tramitação dos processos impugnatórios, para serem submetidos a um modelo de tramitação especial, que se pretende mais célere, e à aplicação do regime dos processos urgentes". A razão para isso, reside na circunstância de os contratos do tipo referido se encontrarem abrangidos pelo âmbito da aplicação de duas directivas comunitárias, as Directivas do Conselho n.º 89/665/CEE, de 21 de Dezembro e n.º 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro que, entre outras coisas, exigem que os Estados membros da União Europeia criem condições para a rápida resolução dos litígios que possam surgir a propósito de formação daqueles contratos rápidos.

Em segundo lugar, cabe-nos definir o que é ao certo um processo urgente (art. 35.º/2, 36.º/1 e arts. 97.º e seguintes).[2] A ideia destes processos radica a convicção de que determinadas questões devem ter, quanto ao seu mérito, uma resolução judicial num tempo curto. Dito de outra forma, estas questões não devem ou não podem demorar a decidir aquele tempo que possa ser considerado normal para a generalidade dos processos, nem para elas se revela suficiente ou adequada uma protecção cautelar que regule provisoriamente a situação em termos de poder assegurar a utilidade da sentença produzida em tempo normal.[3]
O CPTA prevê quatro meios de processos principais: o contencioso eleitoral (arts.97.º a 99.º); o contencioso pré-contratual (arts. 100.º a 103.º): a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (arts. 104.º a 108.º) e a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias (arts. 109.º a 111.º).
A previsão de um processo autónomo e urgente resulta da necessidade de assegurar duas ordens de interesses: por um lado, promover a transparência e a concorrência; por outro, garantir o início rápido da execução dos contratos e a respectiva estabilidade depois de celebrados, protegendo os interesses públicos em causa e ainda os interesses dos contratantes.
            São diversas as razões pelas quais o nosso legislador do contencioso administrativo consagrou a urgência de alguns processos. A urgência do contencioso pré-contratual é uma urgência que nos é imposta de fora. O legislador tem pouca margem de liberdade, por imposição da União Europeia tem de prever uma tramitação mais célere, para o contencioso pré-contratual de quatro tipos de contratos.

      ii.         Objecto

Este meio deve ser utilizado quando esteja em causa a ilegalidade de quaisquer decisões administrativas relativas à formação de determinado tipo contratos.[4] Assim, através deste meio pode ser impugnado todo o acto administrativo relativo à formação desses contratos, bem como os actos equiparados de entidades privadas.[5] Caso o contrato seja entretanto celebrado, o objecto do processo é ampliado à impugnação do próprio contrato, embora apenas quanto às invalidades que derivem do procedimento pré-contratual.

    iii.       Os procedimentos pré-contratuais

Neste âmbito, surge-nos a questão de saber quais são os procedimentos pré contratuais abrangidos. À primeira vista, não são visíveis quaisquer problemas na medida em que a lei é bastante clara ao estabelecer que só se subsumem nesse meio processual os litígios que se verifiquem no contexto dos procedimentos de formação dos contratos de empreitada, concessão de obras públicas, prestação de serviços e de fornecimento de bens. Assim, ficam excluídos não apenas os procedimentos adjudicatórios de direito privado, mesmo que aberto por entidades públicas, que por força da alínea e) do art. 4.º/1 do ETAF não cabem no âmbito da jurisdição administrativa, bem coimo os procedimentos administrativos tendentes à celebração de quaisquer outros contratos de espécie diferente das acima assinaladas.[6]
          Ficam também excluídos do contencioso pré-contratual os litígios existentes em procedimentos concorrenciais de formação de actos administrativos. [7] Embora seja a solução da lei, fica por saber, quando esteja em causa a atribuição unilateral, por parte das entidades adjudicantes sujeitas a procedimentos adjudicatórios de direito publico, de quaisquer vantagens ou benefícios através de acto administrativo ou equiparado, em substituição da celebração de um contrato publico sujeito ao regime do contencioso pré-contratual.
            Seria um avanço significativo, no domínio das garantias adjectivas do direito administrativo, se todos os procedimentos adjudicatórios de direito público tendentes à celebração de contratos ficassem sempre sujeitos a este regime que temos descrito.

    iv.         A legitimidade activa

A legitimidade activa no contencioso pré-contratual está aberta aos candidatos e concorrentes que participam no procedimento adjudicatório. O mesmo será para o Ministério Público; para as pessoas que, embora interessadas em participar, não possam aceder ao procedimento por não respeitarem as regras estabelecidas[8] e, ainda pessoas que operam no “mercado”.[9] A questão que se coloca é, se, por força da remissão do art.100.º/1 CPTA e na falta de disposição especial, não deve reconhecer-se que esse âmbito é mais alargado, incluindo todas as pessoas, órgãos e entidades a que se refere o art. 55.º/1.

      v.       O prazo do contencioso pré-contratual

       Dispõe o artigo 101.º:
“Os processos do contencioso pré-contratual tem carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto.”
Um primeiro problema que o prazo do mencionado artigo coloca é o de saber qual a sua influência em sede de revogação de decisões pré-contratuais. No entanto, no caso de não estar pendente uma impugnação judicial do acto, o art.141.º do CPTA estabelece que a revogação por ilegalidade só pode ter lugar até ao termo do prazo mais longo que haja para a dita impugnação.[10]
            O prazo do art.101.º tem sido considerado aplicável, à impugnação de actos nulos, art. 58.º/1 do CPTA e art. 134.º/2 do CPTA. Com alguma oposição da doutrina quanto a este aspecto, consideramos então que, com respeito ao prazo do art.101.º diverge quanto ao prazo aplicável aos actos nulos. Os tribunais têm-se manifestado favoravelmente no sentido do prazo para a impugnação de actos nulos de um mês e, não havendo nenhuma diferença entre o regime dos actos nulos versus actos meramente anuláveis. O problema é que, pode estar a consagrar-se uma solução gravemente danosa para os valores jurídicos que se “escondem” por trás das causas de nulidade de um acto administrativo. Daí que alguma doutrina tenha vindo a demonstrar a sua dissonância quanto a este aspecto, considerando que a nulidade do acto implica que este não produza efeitos jurídicos. Portanto, isso implica que esses actos sejam impugnáveis a todo o tempo. [11] Uma parte da doutrina, como o Prof. André Salgado de Matos, critica a posição dos tribunais no sentido de ser impossível a produção de efeitos jurídicos, logo não concorda que o decurso do prazo tenha como efeito a consolidação de actos nulos.
            A interpretação correcta a fazer do art. 101.º é a de que, este artigo, apenas vem determinar a aplicação de um prazo especial de impugnação aos actos administrativos pré-contratuais para os quais a lei substantiva preveja um prazo geral. Isto é, o artigo a reduzir ou a limitar, no presente caso de actos administrativos pré-contratuais, o prazo de três meses dos actos anuláveis do art.58/2/b do CPTA.
            Por último, coloca-se a questão de saber se é permitido aplicar ao procedimento urgente de actos pré-contratuais o art.58.º/4, que permite a admissão de uma impugnação apresentada fora do prazo, se se demonstrar que a tempestiva apresentação, não era exigível a um cidadão diligente. Assim, quanto ao regime do art. 58.º/4, é uma questão de justo impedimento [12] e de erro desculpável. De acordo com o Prof. Vieira de Andrade, deve haver uma aplicação subsidiária do preceito, a um prazo razoável e, que poderá ir apenas até à celebração do contrato. Assim sendo, o artigo referido pressupõe que os actos administrativos só se consolidam na ordem jurídica ao fim do prazo de um  ano e, no contencioso urgente pré-contratual, os actos consolidam-se no prazo de um mês, segundo o art. 101.º. O Prof. Mário Aroso de Almeida e restante jurisprudência defendem que não deve ser aplicado o art.58.º/4 nestes casos.

    vi.           Tramitação

Em relação à tramitação, segue as regras estabelecidas da acção administrativa especial, mas com alterações: a possibilidade de concentração numa audiência pública sobre a matéria de facto e de direito, com alegações orais e sentença imediata, arts. 102.º e 103.º.[13]
Como tem sido afirmado, a urgência do contencioso pré-contratual não tutela apenas o interesse do autor numa decisão rápida, nem apenas o interesse da Administração numa decisão num curto espaço de tempo, mas tutela, o facto, o interesse de todos.[14] O prazo é assim contado a partir de um mês desde a notificação dos interessados ou do conhecimento do acto, art. 101.º. A propositura da acção não suspende o procedimento, podendo ser interposta a providência cautelar do art.132.º.
Havendo lugar a impugnações administrativas, como estas serão em regra facultativas, o prazo suspende-se e só volta a contar a partir da decisão sobre essa impugnação ou do termo do prazo legal respectivo, sem prejuízo de o interessado propor entretanto a acção principal ou solicitar providências cautelares nos termos do art. 59.º/4 e 5. Se a impugnação for necessária, suspende a eficácia do acto.
Quanto aos demais pressupostos, aplicam-se, por força do art. 100.º/1, as respectivas à legitimidade (art.55.º) e à prossecução da acção pelo Ministério Público (62.º).


Ana Rute Costa, nº 19490



Bibliografia:
- ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, Março 2013
- GONÇALVES, Pedro, "O contencioso administrativos pré-contratual", in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 44, Março/Abril de 2004.
- GONÇALVES, Pedro, “Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça Administrativa” n.º62 Março/Abril de 2007.
- CABRAL, Margarida Olazabal, “Processos urgentes principais - em especial, o Contencioso pré-contratual”. In Cadernos de Justiça Administrativa, N.º 94 Julho/Agosto.
- OLIVEIRA, Rodrigo Esteves de, “O Contencioso Urgente da Contratação Pública”, in Cadernos de Justiça Administrativa, N.º 78 Novembro/Dezembro de 2009.
- ANDRADE, José Carlos Vieira de, "A Justiça Administrativa", Coimbra, Almedina, 2009.
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno de 1.º Secção) n.º 2/2001, Proc. 225/11 de 16 de Junho de 2011.
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Proc. 0598/06 de 3 de Outubro de 2006.





[1] “in” O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 259.
[2] O motivo pelo qual se denominam de “processos urgentes” prende-se com a necessidade de urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa de forma mais célere que a exigida pela tramitação normal.
[3] Os processos urgentes distinguem-se dos não urgentes, na medida em que estes últimos consubstanciam duas formas de processo: a acção declarativa comum, (art.. 35.º/1 e arts. 37.º e seguintes) e a acção declarativa especial (art. 35.º/2 e arts. 46.º e seguintes).
[4] Estão incluídos quatro tipos contratuais: empreitada, concessão de obras públicas, prestação de serviços e fornecimento de bens.
[5] O artigo 100.º prevê, para além da impugnação de actos administrativos pré-contratuais, a impugnação de actos equiparados praticados por sujeitos de direito privado (art. 100.º/3), a impugnação do programa, do caderno de encargos ou de qualquer outro documento conformador do procedimento de formação do contrato (art. 100.º/2) e a impugnação do contrato, quando celebrado na pendência do processo (art. 102.º/4).
[6] Como por exemplo, os contratos de parcerias público-privadas institucionalizadas, de concessão de serviços públicos.
[7] Licenciamento ou autorização de exercícios de actividades económicas de privados, condicionadas, reservadas ou limitadas por lei.
[8] São os casos de “adopção de procedimento ilegal”.
[9] São os casos de “concurso lesivo”.
[10] Solução que, no âmbito da acção administrativa especial, considerando o prazo de que dispõe o Ministério Público, segundo o art.58.º/2 do CPTA, permite essa revogação até um ano após a prática do acto ilegal.
[11] A imposição do prazo de um mês no artigo 101.º implica que, depois de decorrido o prazo, o vício fosse sanado e que o acto produzisse os seus efeitos, o que é completamente impossível perante estes casos,
[12] Principio Geral de Direito
[13] O processo urgente tem assim uma autonomia limitada em relação à acção administrativa especial, sendo a sua tramitação mais rápida.
[14] Tutela o autor, a Administração, os contra-interessados, os terceiros interessados no contrato em questão, os cidadãos em geral, a sociedade.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

O Recurso Hierárquico Desnecessário Necessário


Helena Cardana, nº 21918
Subturma 3

Sobre o recurso hierárquico, nos dia de hoje, parece haver muito a dizer mas pouco a acrescentar, tendo em conta a posição adoptada pelo legislador na reforma do CPTA que e aproxima. Por isso propõe-se antes de mais, neste post, um breve enquadramento contextual para perceber o que é afinal a impugnabilidade como característica da natureza do acto, e como ao mudar este conceito muda também a própria impugnabilidade, fazendo a inevitável menção à reforma constitucional de 1989 que haveria de propulsionar a definitiva concretização na grande reforma do contencioso em 2002-04.

Parecerá óbvio, começar pela consabida estrutura de acto administrativo típica da Administração Agressiva. O acto administrativo era então o acto definitivo e executório associado a uma prática de justiça administrativa restritiva e a um contencioso não plenamente jurisidicionalizado. Mas o Acto administrativo haveria de deixar ser o principal meio de actuação da administração para ser apena “um entre tantos outros”, A administração que passa a seguir um modelo prestador, de Estado Social, deixa também de fazer uso do acto perante os particulares na sua concepção autoritária. O acto administrativo perdia o seu lugar frontal no Direito Administrativo e consequentemente no Contencioso. A administração adquire uma multilateralidade em que a dimensão estatutária se perde pouco a pouco para ser substituída pela colaboração com entidades privadas para o exercício da funções administrativas. Cada vez mais a Administração e passa a dirigir à orientação de condutas através de premissas gerais ao invés de se dirigir directamente a situações individuais e concretas.

Tanto o Direito Administrativo como, concludentemente, o Contencioso Administrativo estavam em metamorfose, a acompanhar a doutrina pelo resto da europa. Assim nos dias de hoje encontra-se vários tipos de Actos, tanto na dimensão da Administração prestadora, como infra-estrutural e agressiva.
Ora em 1989 o legislador constitucional inseria no nº4 do Art. 286º da CRP uma clausula de amplo acesso à justiça e que consagra a impugnabilidade de quaisquer actos desde que estes lesem direitos e interesses dos particulares. Na reforma de 2002-04, assistia-se a uma tomada de posição radical do legislador em relação ao Direito Administrativo e seu contencioso que passavam a ser reformulados a fundo pondo de lado a “infância traumática” e procedendo a subjectivização. Isso reflectia-se na nova cláusula do Art. 51º/1 do CPTA e que possibilitava a impugnação de qualquer acto que, tendo eficácia externa, lesasse os direitos e interesses dos particulares. Ficava garantida então a tutela dos particulares nas relações jurídicas administrativas de acordo com os Art. 212º e 268º/4 – confirmando a tomada de posição do legislador constitucional tomada, anos antes, na revisão constitucional de 1989 e concretizava o modelo constitucional de justiça administrativa plenamente jurisdicionalizada, com um juiz de plenos poderes e a tutela dos particulares.

Assim se assistiam a dois tipos de alterações neste panorama, não só a nível externo (que por sua vez, numa lógica circular, não eram apenas reflexo da mudança mas também a fomentavam) mas também a nível interno no que respeita à estrutura interna do acto administrativo – na medida em que se alteravam os critérios para aferição de impugnabilidade do acto, algo antes mudava também, a natureza do próprio acto em si.

Não só ficavam assegurados os princípios de controlo da relação jurídica e do procedimento pelo contencioso administrativo, na conformidade com o Art. 212º/3 da CRP, como ainda se asseverava a tutela judicial adequada de todos os direitos dos particulares, tendo em conta o Art. 2º e 4º do CPTA.
Para além disto, com a reforma, abandonava-se o Recurso contencioso de anulação a que sucedia a Ação Administrativa Especial (AAE), prevista nos Art. 46º e ss e que tal como se observava com a substituição da acepção restritiva do acto administrativo por um conceito novo, largamente mais abrangente, agora proporcionava um contencioso administrativo com meios de processo mais variados que deixava de acolher apenas e somente as manifestações de exercício do poder administrativo, na sua vertente agressiva/autoritária e que faz o controlo de todas as relações jurídicas administrativas.

Já quanto às alterações a nível interno deparamo-nos com o real cerne da mudança e que leva ao tema de maior exposição, o Recurso hieráriquico.

Se o critério de impugnabilidade muda, com a reforma de 2002-04, o que muda na verdade é o conceito de acto administrativo em si. Assiste-se assim a uma perda das características autoritárias do acto. Estas são a definitividade e a executoriedade. Cabe explicar cada uma e por isso se começa pela executoriedade por a definitividade exigir uma explicação mais detalhada e por ser nela que se encontra a celeuma do Recurso Hieráriquico.

Resumidamente, a executoriedade define-se pela produção de efeitos do acto, deixando de lado assim aqueles actos que se resumem a emissões de declarações de ciência, juízos de valor ou opiniões.
Quanto à definitividade, esta era comumente designada na doutrina como “definitividade tripa” por ter três dimensões em que se manifestava: a Horizontal, a Vertical e a Material.

Começando pela Definitividade Horizontal, esta definia o Acto Administrativo como impugnável em sede de contencioso, apenas quando se tratasse do Acto final do procedimento administrativo, deixando de fora da abrangência do tal critério os actos administrativos praticados no início ou durante o procedimento, ainda que de alguma forma lesivos para o particular. Recorde-se que este critério, anterior a 2002-2004, já então se deparava com a cláusula do 268º/4 da CRP e portanto encontrava-se abismalmente dessincronizado com a norma constitucional instituída desde 1989, passando ainda assim estes actos incólumes pelo crivo da lesão para os particulares, consagrados na norma constitucional.

O Art. 268º/4 da CRP ficava assim concretizado pelo Art. 51º/1 do CPTA ao tornar o acto impugnável assim que pelos seus efeitos externos este seja lesante para os particulares e ainda pelo artigo 51º/3 que consagra que apesar de ser possível impugnar o acto praticado durante o procedimento, não fazê-lo e pretender, em vez disso, impugnar a decisão final – isto é o acto final que encerra o procedimento com o fundamento de existência de ilegalidades durante o procedimento é uma opção que não fica precludida. O que significa, essencialmente, que o particular passa a ter a escolha sem que nada no seu direito fundamental de acesso à justiça administrativa fique prejudicado. Já antes da reforma, Vasco Pereira da Silva sufragava esta posição, a lado de Sérvulo Correia e Freitas do Amaral que também defenderam que o acto por não ser definitivo no plano horizontal não deveria deixar de ser contenciosamente impugnável.

Já quanto à Definitividade Vertical – igualmente afastada pela reforma de 2002-04, com o novo critério de impugnação que concretizava o 268º/4– esta traduzia-se na possibilidade de impugnar o Acto apenas quando este fosse praticado pelo superior hierárquico máximo.

Daqui surgia então, a figura controversa do Recurso Hierarquico Necessário. O recurso hierárquico originava do facto de, por o acto a impugnar depender sempre da sua origem do Superior hierárquico máximo, naturalmente despoletar a interposição de recurso hierárquico – apenas desta forma o particular veria o acto que queria impugnar a originar do superior hierárquico máximo (isto quando o superior indeferisse o pedido do particular, confirmando o conteúdo do acto em questão, caso contrário deferido o pedido do particular este veria o seu problema resolvido).

Parece irrelevante apontar as óbvias fraquezas deste sistema moroso e duvidoso e então estabelecido. E é por isto mesmo de louvar a decisão do legislador Administrativo que acolhe o critério da lesão de particulares ao invés de criar uma obrigatoriedade de recorrer para o topo da cadeia hierárquica e que era ainda um resquício de um contencioso não plenamente jurisdicionalizado, para poder finalmente impugnar contenciosamente o acto administrativo.

É de referir ainda que a diferença entre o recurso hierárquico obrigatório e facultativo tinha unicamente que ver com o acto ser ou não insusceptível de recurso contencioso. De forma quee o o acto administrativo praticado quer pelo superior, quer pelo subalterno era, na sua essência, idêntico. Produzia os mesmos efeitos jurídicos pelo que a necessidade de intervenção do órgão de topo só existia pela necessidade de contestar o acto em sede de contencioso, pelo que se essa necessidade não existisse então o acto praticado pelo subalterno continuaria, normalmente, a sua vigência.

Tratava-se então de um recurso hierárquico quer não era verdadeiramente necessário, nem dizia respeito à natureza do acto/estrutura interna do mesmo, em si e tão somente à sua impugnabilidade contenciosa.
Para além do inconveniente que comportava a obrigatoriedade de recurso hierárquico, então necessários sempre que o acto final do procedimento (definitividade horizontal) não tivesse sido praticado por alguém no topo da cadeia hierárquica, para impugnar contenciosamente o acto em questão, esta temática merece ainda uma observação pesada quanto à restrição de acesso à justiça administrativa a que esta obrigatoriedade de interpor recurso contencioso submetia. Esta disposição não podia ir mais na linha inversa àquilo que era estipulado pelo 268º/4, norma introduzida já em 1989 e que transparentemente impunha o acesso à justiça administrativa a todos aqueles que no âmbito da administração vissem os seus direitos ou interesses de alguma forma lesados.

Quanto ao recurso hierárquico, numa posição prévia à grande reforma do contencioso, já o Professor Vasco Pereira da Silva tinha concordado que esta obrigatoriedade nascida da definitividade vertical era inconstitucional por negar o direito fundamental existente no Art.268º/4 em razão do efeito preclusivo da impugnação da decisão administrativa, no caso de não ter havido interposição prévia de recurso hierárquico (dentro do prazo de 30 dias) que tornava o acesso ao contencioso tão restrito que o Prof. defendeu uma verdadeira negação e violação do direito fundamental de tutela contenciosa de direitos e interesses violados dos particulares.

Contudo esta posição do Prof. Pereira da Silva, não era então favorecida por um grande bloco da doutrina cuja grande maioria defendia a constitucionalidade e a necessidade do recurso hierárquico como estava previsto em lei ordinária contrária à lei constitucional, como o Professor Vieira de Andrade no Acórdão 499/16 do Tribunal Constitucional.

Mediante a grande reforma do contencioso administrativo, a posição do professor Vasco Pereira da Silva não só ganhou mais apoiante como se tornou gritantemente a mais favorecida perante o novo Art.51º do CPTA. O recurso hierárquico não era já, necessário para impugnar contenciosamente actos administrativos por decisão do legislador da reforma de 2002-04 que, na opinião do professor afastava “expressa e inequivocamente” a sua obrigatoriedade.

Os fundamentos com que o fazia eram, obviamente, a introdução do Art. 51º no CPTA consagrando como impugnáveis quaisquer actos lesivos para os interesses de particulares através dos seus efeitos externos. Não restam dúvidas que o acto praticado pelo subalterno podem ser igualmente lesivos para os direitos e interesses legalmente protegidos, não havendo na realidade, como já se disse, qualquer diferença material em relação a efeitos jurídicos em relação aos actos praticados pelo superior hierárquico. Para além disso não há qualquer referência a necessidade do recurso hierárquico no CPTA pelo que o professor Vasco Pereira da Silva considera que ela foi de facto erradicada do contencioso administrativo.

Mas uma das grandes inovações da Reforma que merece neste espaço uma palavra é a metamorfose do recurso hierárquico de necessário para útil. O que se passa é que a preclusão que antes existia da possibilidade de interpor recurso contencioso de anulação para impugnar o acto precludia quando ao fim de 30 dias, o particular não avançasse com Recurso hierárquico, deixa de existir. Em vez disso, de acordo com o Art.59º/4, o recurso hierárquico prévio à interposição de ação de impugnação suspende os prazos de proposição desta. Destarte, tal como no acima exposto sobre a definitividade horizontal, o particular passa a ter uma escolha sem restrições pelo que há uma consciência de que o prazo para a proposição de ação de impugnação não vai terminar enquanto o particular esta a espera da decisão de reapreciação do acto administrativo em causa.

Desta forma tornam-se as garantias administrativas tanto mais eficazes em termos de prazos e opções para o particular como podem tornar toda a questão menos morosa e financeiramente pesarosa para o particular e administração também. É verdadeiramente a metamorfose de necessário para útil do recurso hierárquico, que deixa assim de restringir o acesso à justiça administrativa, mas torna-o mais prático e eficiente.

Mas o legislador foi até mais longe com o Art. 59º/5 do CPTA. Não só o particular poder escolher recorrer quer à tutela contenciosa ou à garantia administrativa mas pode ainda fazê-lo a qualquer altura. Isto é, mesmo que o particular recorra ao Recurso hierárquico, durante a suspensão do prazo para proposição de ação de impugnação do acto administrativo ele pode suscitar a imediata apreciação jurisdicional do litigio – o que representa um evidente afastamento da Definitividade Vertical. O acesso à justiça está consagrado e, sem restrições, ele é possível a qualquer momento e sem ter de esperar pela decisão da administração.
E é desta forma que todas as garantias passam a ser facultativas e não a ponte obrigatória para acesso ao juiz, ao desparecer a necessidade de recurso hierárquico prévio ao acesso ao contencioso administrativo e ao não já necessário esperar pela decisão da administração, quando o particular opte por recorrer primeiro às garantias administrativas para propor ação de impugnação.

Assim pareceria pacífico dizer que o Recurso Hierárquico necessário estava erradicado do nosso ordenamento jurídico e do contencioso administrativo português. Pareceria. Mas não era. Ou pelo menos, como se verá, não se afigura essa a vontade do legislador nem a opinião da doutrina, empurrando a posição do Prof. Vasco Pereira da Silva, supra exposta, novamente, para a minoria.
Veja-se para tanto, a posição do Prof. Mário Aroso de Almeida, que é exposta nos seguimento da maioria da doutrina.

Este professor considera que apesar de não restarem dúvidas sobre uma não exigibilidade de recurso hierárquico para preencher o critério de impugnabilidade contenciosa de actos administrativos, no CPTA em termos gerais, tendo em conta o Art.51º, esta linha doutrinária tende a fazer uma interpretação restritiva deste regime, i.e. apesar do novo critério de impugnabilidade introduzido em 2002-04 ter, de facto, revogado a necessidade de interpor recurso hierárquico para poder aceder, esta revogação so tinha efeitos nos termos gerais pelo que não (1) implicaria a revogação de eventuais regras especiais que consagrassem tal exigência, quando existissem, nem (2) afastaria a possibilidade dessa exigência vir a ser estabelecida em termos similares em lei especial, no futuro. Pelo que o CPTA não teria alcance para revogar as múltiplas determinações legais avulsas que determinam a exigibilidade de recurso hierárquico, e estas só poderiam desaparecer mediante uma disposição expressa da erradicação de todas elas.

Sendo assim para esta posição doutrinária o actual regime é da livre impugnação dos actos assim que eles lesem direitos de particulares pela sua eficácia externa cf. Art.51º quando nada se diga em contrário (em legislação avulsa, uma vez que o CPTA não faz qualquer menção a impugnações administrativas obrigatórias). Mas os actos administrativos continuam, no entanto, a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isto continue a estar expressamente previsto, em resultado de uma opção consciente e ponderada do legislador.

Com esta posição de Mário Aroso de Almeida e um bloco da doutrina, a posição do Prof. Vasco Pereira da Silva seria sempre incompatível, pelo que este entende que a posição doutrinaria maioritária não só contraria as disposições constitucionais do Art.268º/4 CRP como também o regime jurídico do CPTA ao qual não deveriam, na sua perspetiva, ser introduzidas especificidades, que antes da Reforma não eram especificidades, nem situações especiais mas sim concretizações da premissa geral. Por outro lado, já supra se analisou que o acto praticado pelo superior não tem diferenças em relação aos efeitos produzidos daquele que é praticado pelo subalterno, e a única razão de ser “necessidade” do recurso hierárquico estava ligada à característica de definitividade vertical de preenchimento obrigatório para o acto ser contenciosamente impugnável. Não faz para o professor, qualquer tipo de sentido, que depois de declarar o Recurso Hierárquico desnecessário e útil se possa dizer perante esta visão restritiva da impugnabilidade consagrada no Art.51º que o recurso hierarquico desnecessário é, afinal, ainda necessário para casos excepcionais que adquiriram esta característica de especialidade apenas após a dita regra geral (que concretizavam, não contrariavam ou excepcionavam) ter desaparecido naqueles moldes.

Não faria mais sentido para interpretar estas regras contidas em diplomas avulsos, ter em conta o sistema jurídico como um todo e perante a condenação que o ordenamento constitucional faz à restrição ao acesso à justiça constitucional (268º/4) e da concretização daquela norma pelo legislador ordinário com o Art.51º do CPTA concluir que a intenção seria acabar permanentemente e a todos os níveis com a exigibilidade de interpor recurso hierárquico para poder aceder à tutela judicial?

Posto isto, o argumento da especialidade valeria sempre e apenas para o futuro, visto que apenas as normas que contivessem a obrigatoriedade de impugnação administrativa como ponte de acesso à justiça administrativa que o legislador consagrasse após a reforma de 2002-2004 abririam de facto uma excepção em contraposição à norma geral existente no Art.51º.

Mas também este argumento de possível justificação parece ceder imediatamente diante da lógica por trás dele. Também não faz sentido que o legislador ordinário consagre uma norma claramente inconstitucional, agora, com o mero pretexto da “especialidade”. Não podem estas regras excepcionais, só porque são avulsas, afectar ,de forma tao marcada, um direito fundamental mais que consagrado por ora, de acesso aos tribunais e ainda obstar ao seu conteúdo, de tal forma que o professor admite poderem considerar-se arbitrárias por não haver qualquer critério de lógica ou utilidade, uma vez que como antes já se expos não há qualquer diferença de natureza entre um acto praticado por subalterno ou superior hierárquico no que toca a produção de efeitos.

Esta restrição tão clara vai ainda contra o princípio de promoção de acesso à justiça, cf. Art.7º segundo o qual o mérito deve prevalecer sobre as formalidades o que implica entre outros corolários, a regra segundo a qual devem ser evitadas “diligências inúteis” segundo o Art.8º/2. Não é possível imaginar nada mais inútil e despropositado do que continuar a exigir uma qualquer garantia administrativa prévia quando tal exigência deixou de ser um pressuposto processual de impugnação dos actos administrativos.


Por isso a solução aqui sufragada e na linha do Professor Vasco Pereira da Silva, é a da evolução para uma harmonização da legislação avulsa e CPTA com as disposições constitucionais.


Pereira da Silva, Vasco - "O contencioso administrativo no divã da psicanálise , ensaio sobre as acções no novo processo administrativo" 2ª edição , 2009
Aroso de Almeida, Mário - "Manual de processo administrativo" Reimpressão, 2013

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O contencioso pré-contratual "que temos e o que queremos"


A designação de contencioso pré-contratual é deduzida da expressão “actos pré-contratuais” utilizada para actos administrativos praticados no procedimento de formação dos contratos públicos. Insere-se entre as impugnações urgentes. Estas baseiam-se na existência de uma realidade composta por direitos e interesses que são dignos de uma tutela relevante que não consente uma decisão judicial de pendor meramente ressarcitório, e por outro lado, como em qualquer situação urgente, existe sempre uma ameaça ou perigo de um prejuízo causado pela tramitação processual normal, que será sempre mais demorada. Poderá ser entendida como uma situação de excepção, da qual brotam regras excepcionais.
Este é o meio processual através do qual se procede à impugnação de actos relativos à formação dos contratos aí especificadamente previstos. Está em causa o estabelecimento de um regime especifico para a impugnação contenciosa de actos praticados no âmbito do procedimento de formação de certos tipos de contratos.
Este meio processual deve ser utilizado, quando estejam em causa decisões administrativas relativas à formação dos referidos contratos. Também é o meio indicado para a impugnação directa de documentos contratuais normativos: que incluem o programa do concurso, o caderno de encargos ou qualquer outro documento conformador do procedimento pré-contratual. Tal situação respeita a situações em que há interesse em suscitar a questão da legalidade de determinações contidas nestes documentos, pedindo  invalidação destas determinações.
Mário Aroso de Almeida(1) chama à atenção para o facto de, no regime vigente, o artigo 100.º estender o âmbito de aplicação do regime a actos que não são administrativos pré-contratuais, equiparados pelo CPTA. O Autor exemplifica o programa do concurso, o caderno de encargos e os demais documentos conformadores do procedimento de formação do contrato, ou ainda, nos termos do nº3 do referido artigo, actos jurídicos praticados por sujeitos privados, no âmbito de procedimentos pré-contratuais de direito público.
A existência de um processo autónomo e urgente resulta da necessidade de assegurar simultaneamente duas ordens de interesses, tanto públicos como privados: por um lado promover neste domínio a transparência e a concorrência, através de uma protecção adequada aos interesses dos candidatos à celebração de contratos com as entidades públicas;  por outro, garantir a estabilidade dos contratos da Administração depois de celebrados, dando protecção adequada aos interesses dos contratantes.
O contencioso pré-contratual acaba por dar continuidade ao regime especial instituído pelo Decreto-lei 134.º/98, de 15 de Março, para determinados contratos, em aplicação da chamada “Directiva-Recursos” (Directiva nº 89/665/CEE e 92/13/CEE de 25 de Fevereiro) alargada agora aos contratos de concessão de obras públicas. Tais directivas exigem que os Estados-membros da União Europeia criem condições para a rápida resolução dos litígios que possam surgir a propósito dos procedimentos de formação desses mesmos contratos: estas directivas, para além de imporem uma maior celeridade aos processos de impugnação de actos processuais, disciplinam questões relativas às providências cautelares.
O professor Vieira de Andrade tem alguma dificuldade em perceber o porquê deste meio valer apenas para os contratos abrangidos pelas directivas comunitárias, uma vez que este meio processual é, na óptica do professor, um óptima solução para a generalidade dos contratos.
Nos termos do artigo 101.º CPTA, o prazo de apresentação do pedido é de um mês. Trata-se de um alongamento do prazo anterior de 15 dias, que por ser bastante curto, acabava também por conduzir a inúmeras situações de desprotecção, numa situação em que nem as próprias Directivas propunham uma solução tão drástica(2), e, sobretudo, tal como indica Vieira de Andrade (3), não se admitia o uso alternativo do pedido de impugnação do acto no prazo normal.
Por força do artigo 100.º/1 aplicam-se as normas relativas à impugnação de actos, como a legitimidade do 55.º e a prossecução da acção pelo Ministério Público do artigo 62.º
No que respeita à tramitação está em causa a acção administrativa especial (artigos 78.º e seguintes), com possibilidade, nos termos dos artigos 102.º e 103.º de concentração numa audiência pública sobre a matéria de facto e de direito, com alegações orais e sentença imediata. Havendo procedência, a sentença será anulatória ou de declaração da invalidade do acto ou do documento contratual. Os tribunais administrativos têm feito uma interpretação extensiva do artigo 46.º/3 CPTA, que estende os seus poderes de pronuncia à condenação à pratica de actos administrativos devidos(4) . Parece uma medida pertinente uma vez que sendo esta pretensão autonomizada no CPTA por intervenção do Direito Comunitário exista depois uma menor efectividade dessa tutela por comparação ao regime ordinário do CPTA consagrada quanto à acção administrativa especial(5).
O artigo 103.º tem uma inovação: o tribunal, oficiosamente ou a requerimento das partes, pode optar pela realização de uma audiência pública sobre a matéria de facto e de direito, em que as alegações finais são proferidas oralmente, sendo imediatamente ditada a sentença. Para Mário Aroso de Almeida, esta situação não tem tido grande relevância pratica, e acaba por ser pouco adequado quando estamos na presença de litígios com uma grau mais elevado de complexidade.
Ainda assim, apesar de o contencioso pré-contratual ser uma forma de “facilitar” a resolução dos litígios emergentes, isto nem sempre acontece.
A este respeito, Margarida Olazabal Cabral(5) chama à atenção para um importante problema: a urgência do contencioso que é imposta pelas Directivas Comunitárias não deve ser entendida como uma “realidade imposta”. Os juízes, nas palavras da Autora, devem ir mais longe e compreender a sua razão de ser, para que esta urgência seja acompanhada pela realidade da vida. Está em causa, acima de tudo, uma estabilidade no prazo mais curto possível sobre a legalidade dos actos proferidos nos procedimentos pré-contratuais e dos contratos de forma a que a economia possa funcionar dada a importância crescente da contratação pública. É importante acautelar a confiança dos interessados no funcionamento adequado do procedimento. A Autora aponta então a necessidade de rápida de decisão de fundo e propõe ainda a existência de um contencioso pré-contratual urgente, consubstanciado numa acção principal, com efeitos suspensivos automáticos sobre o procedimento, e com a possibilidade de serem levantados pelo juiz.
O legislador português já procedeu à transposição da Directiva Recursos na sua última versão, como se pode comprovar no preâmbulo do DL n 131.º/2010 de 14 de Dezembro: tal diploma alterou o Código dos Contratos Públicos, mas nada fez quando ao CPTA. O contencioso pré-contratual é ainda um meio estigmatizado(5) pela acção administrativa especial de invalidação de actos administrativos, caracterizado apenas pela urgência e pelos prazos mais curtos.
Estando em curso uma importante reforma do contencioso administrativo, será de referir a sua importância no âmbito do nosso tema. Assim sendo, a “alteração” do contencioso pré-contratual corresponde ao quarto aspecto elencado na Reforma. Serão abrangidos pela reforma, vários temas nomeadamente, o âmbito, o prazo, a legitimidade, a própria tramitação e os dois pontos sobre os quais nos temos centrado: os mecanismos destinados a assegurar a utilidade da sentença e os mecanismos de reparação, numa situação em que a sentença tenha perdido o seu efeito.
 Surge o propósito de proceder à transposição das Directivas Recursos, ,uma vez que o CPTA ainda não tinha sido modificado de forma a adequar a sua disciplina legal conforme as alterações introduzidas às Directivas Recursos pela Directiva 2007/66/CE. associando um efeito suspensivo automático à impugnação de actos de adjudicação, introduzindo um regime inovador na adopção de medidas provisórias no âmbito do próprio contencioso pré-contratual(6). Esta é uma das novas medidas a aplaudir.

O projecto, com a transposição, prevê  agora um novo artigo, o 103.º-A cujo número um consagra um efeito suspensivo automático da impugnação da decisão de adjudicação: "a impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado, se ta, não tiver já sido obtido através de adoção de providência cautelar". Isto vem acautelar uma situação desde há muito aclamada na doutrina: o perigo de constituição de uma situação de facto consumado.
Há uma intenção de rever a possibilidade de ser requerida ao juiz a adopção de medidas provisórias, de forma a prevenir-se o risco de situações de facto consumado, por não ser possível retomar o procedimento pré-contratual para determinar o adjudicatário. Será possível para o juiz, quando tenha elementos que justifiquem, possa ouvir as partes, determinando oficiosamente a suspensão de eficácia do acto impugnado ou a adopção de outras medidas provisórias, remetendo então para as providências cautelares. Este mecanismo de suspensão automática é depois complementada pelo novo 103.º-B. Os artigos 103.º-A e 103.º-B trazem para o processo principal os problemas próprios dos processos cautelares e fazem depender a suspensão de um juízo de ponderação de interesses, tem a vantagem de recordar que o autor deve também aqui invocar os factos que traduzem prejuízos para a sua esfera jurídica. Nos termos do artigos 103.º-A nºs 2 e 3  e 103.º-B nº2 é conferido à entidade adjudicante o direito ao contraditório de forma se possa demonstrar que o procedimento não deve afinal ser suspenso. É necessário por parte do Tribunal uma ponderação dos inconvenientes que cada uma das soluções acarreta para os interesses das partes em análise.
No que respeita ao mecanismo de reparação da sentença, esclarece-nos o 102.º/6 que haverá lugar à convolação do processo aplicando-se o disposto nos artigos 45.º e 45.º-A quando se preencham determinados pressupostos. No nosso caso, interessa saber que o Tribunal deve (1) verificar que já não é possível reinstruir o procedimento pré-contratual, por ter sido celebrado e executado o contrato (45.º-A 1/a)) ou (2) proceda, segundo o disposto na lei substantiva, ao afastamento da invalidade do contrato, tendo em conta os interesses públicos em presença. (45.º-A b)) (8)


Do exposto, parece-nos assim, que estão acauteladas as preocupações no que respeita à pretensa celeridade do contencioso pré-contratual, assim como a eventual falta de transposição das directivas. As alterações em matéria de contencioso pré-contratual traduzem uma maior preocupação pela realidade da vida e importância da contratação pública em Portugal. Este crescimento constante deveria ser acautelado, assim como estimulado através da demonstração de preocupação do legislador na confiança e certeza da resolução dos litígios emergentes da contratação, incrementando a sua verificação. Parece-nos que foi encontrada a motivação para a continuação da contratação pública.
_________
(1) Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição revista e actualizada
(2)Fausto de Quadros, “O Debate Universitário”
(3) Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa (Lições)” 4ª edição
(4)cfr. Acórdão STA de 24 de Novembro de 2004, in Cadernos de Justiça Administrativa, pp.53
(5) Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo” Almedina, 2014
 (6) Margarida Olazabal Cabral - Processos urgentes principais – em especial, o contencioso pré-contratual: corresponde à conferência  apresentada oralmente no XIV Seminário de Justiça Administrativa.
(7) Rodrigo Esteves da Fonseca, O contencioso urgente da contratação pública, intervenção no XI Seminário de Justiça Administrativa, dedicado ao tema: “A reforma da Justiça Administrativa 2004-2009: balanço e perspectivas”
(8) Marco Caldeira: Impugnações Administrativas e Contencioso pré-contratual urgente: um olhar sobre a jurisprudência

Considerações finais:
(*1) A expressão “que temos e que queremos” foi retirada do texto de Margarida Olazabal Cabral na sua exposição no Seminário de Justiça Administrativa, indicado supra.
(*2) Note-se que estes artigos foram extraídos da proposta de Lei para a Reforma do contencioso Administrativo relativo ao Código do Processo dos Tribunais Administrativos e ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Maria Joana Rodrigues 
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