O contencioso pré contratual, apresenta-se perante o
ordenamento jurídico português como a designação dada aos meios de impugnação
contenciosa dos procedimentos que visam a celebração de contratos, em sede de Direito
Administrativo, ou seja, representa o conjunto de garantias jurisdicionais de
tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares face a
actos administrativos e normas conformadoras dos procedimentos de formação dos
contratos públicos que lesem os supracitados interesses/direitos. Verifica-se
que os procedimentos pré-contratuais apresentam-se como objecto de especial atenção
por parte dos interessados em serem adjudicados ao contrato e aos concorrentes
a nível de concurso público, por exemplo. Sendo estes sujeitos os principais
interessados, é-lhes conferido o direito potestativo à celebração do contrato.
Os procedimentos pré-contratuais permitem à Administração Pública escolher o
sujeito passível de ser contratado, através da limitação de critérios como a prossecução
do interesse público e perante o Contencioso Administrativo, enquanto processo
urgente apresentam um regime essencialmente célere a par da especial incidência
que conferem à expurgação dos vícios em cada fase do procedimento. Estas
questões justificam a actual existência de uma tutela cautelar própria,
conferida através de medidas preventivas caracterizadas essencialmente pela
celeridade, de forma a serem realizadas entre a adjudicação e a celebração do
contrato, visando portanto e acima de tudo, o impedimento à execução do
respectivo contrato).
De forma a analisar toda a estrutura que rodeia o
contencioso pré-contratual presente no CPTA, será necessário, a título
primeiro, proceder a uma breve explicação histórica deste instituto, visando o
esclarecimento do regime que nos é apresentado perante o actual CPTA. Com
efeito, verifica-se que anteriormente à existência do CPTA, o contencioso
administrativo era um regime de matriz meramente cassatória, pelo que aos Tribunais
Administrativos eram atribuídos poderes de pronúncia sobre um juízo de
legalidade. Perante este sistema, o recurso contencioso de anulação era tido
como o meio processual primacial, perante o qual o contencioso pré-contratual
não tinha qualquer autonomia processual, na medida em que a tutela
jurisdicional era meramente assegurada pelo recurso contencioso de anulação e
pela impugnação de normas. Perante este sistema, verifica-se portanto que não era
possível estabelecer uma real separação entre o âmbito do contencioso
pré-contratual (não era possível delimitar a fronteira entre o acto recorrível
ser considerado um acto administrativo lesivo no âmbito do procedimento para a
formação de contratos ou o acto recorrível ser considerado uma norma ilegal das
disposições dos documentos conformadores do contrato.
Porém, a partir das chamadas “Directivas Recursos”,
verifica-se uma mudança de paradigma, no sentido em que estas impuseram aos
Estados Membros a adopção de medidas necessárias a corrigir a ilegalidade
resultante da violação do Direito da União Europeia ou do Direito Nacional que
não se apresentava como suficientemente diligente na transposição das
Directivas Comunitárias. A partir das supracitadas Directivas, foi imposto aos
Estados a concretização de uma tutela jurisdicional não só a nível de anulação
dos actos ilegais mas também um regime de impedimento dos efeitos lesivos dos
actos ilegais para os particulares. A partir do DL 134/98, destaca-se portanto
três grandes novidades em relação ao regime até então previsto. Essas novidades
prendem-se essencialmente com a introdução
forma de processo urgente, obedecendo tal forma a uma tramitação própria que
garantisse mais celeridade e eficiência processual, a consagração de medidas
cautelares de forma a evitar a produção de efeitos lesivos para os particulares
e a consagração de garantias de carácter administrativo (através da Intervenção
da Comissão Europeia em relação à matéria introduzida pelas Directivas
Recursos). Verifica-se portanto, a consagração de um processo urgente com um
curto prazo de impugnação (15 dias, embora posteriormente fosse alargado para
um mês) e com uma marcha processual caracterizada essencialmente pela
celeridade e acompanhada da possibilidade dos particulares requererem a adopção
de medidas que evitem que o acto ilegal produza efeitos lesivos, confirmando
portanto o modelo subjectivo em sede de Contencioso, que visa a protecção dos
particulares, especificamente perante o regime procedimental pré-contratual. Com
a introdução da Lei 4-A/2003, a qual permitiu uma transposição quase total e um
alargado cumprimento das Directivas Recursos, o legislador aperfeiçoou o âmbito
de aplicação objectiva, alargando também o leque de normas impugnáveis.
Verifica-se portanto o desaparecimento do sistema dualista presente no regime da
impugnação de actos provenientes de procedimentos pré-contratuais e no regime
geral de impugnação de normas que regulavam os respectivos procedimentos
pré-contratuais. É notória também, perante a Lei 4-A/2003, uma expansão do
âmbito subjectivo do contencioso pré-contratual, especificamente no que toca à
legitimidade passiva, alargando-se o presente âmbito em relação aos sujeitos
passivos de Direito Privado, no âmbito de procedimentos pré-contratuais
regulados por normas de Direito Público.
Analisada a perspectiva histórica relativa ao
contencioso pré-contratual, chegamos ao actual regime presente no
CPTA. O processo urgente, dito impugnatório, apresenta-se como uma
inovação do Contencioso Administrativo. Tal processo visa portanto obter uma
decisão de mérito num menor espaço de tempo, atendendo aos prováveis danos que
a morosidade no processo irá criar perante o Autor do mesmo. No CPTA, os
processos urgentes distinguem-se das medidas cautelares na medida em que
pretendem obter uma decisão de mérito sobre o(s) pedido(s) em causa, podendo em
última instância serem articulados com uma providência cautelar (a qual está
sempre dependente de uma posterior acção principal). Numa perspectiva
doutrinária, verifica-se que o Professor MÁRIO AROSO ALMEIDA, atribui aos processos
urgentes uma tramitação bem específica, procedendo à sua delimitação positiva e
negativa. A sua delimitação negativa é tida através do artigo 46º/3 CPTA, pelo
que os processos urgentes são excluídos do âmbito das Acções Administrativas
Especiais (AAE) por remissão para o artigo 100º/1 CPTA. Em relação à
delimitação positiva, retira-se a mesma do artigo 100º/1 CPTA, na medida em que
só os procedimentos para a formação de contratos previstos no supracitado
artigo estão sujeitos ao regime do contencioso pré-contratual.
Perante a delimitação positiva e negativa dos processos urgente
em causa, e aproveitando a referência às AAE, cumpre neste ponto analisar a problemática
que se coloca no seio do contencioso pré-contratual e a dicotomia entre as
Acções Administrativas Comuns (AAC) e Acções Administrativas Especiais (AAE). Com
efeito, o contencioso pré-contratual aproxima-se mais do regime das AAE
(afere-se isso mesmo através dos artigos 37º, 46º e 100º CPTA) sem prejuízo de
alguns aspectos presentes da secção II do título IV assemelharem-se ao regime
das AAC (sobretudo em sede de acções sobre contratos e no que toca à tutela
indemnizatória). Sendo assim, e através da aplicação do artigo 46º CPTA,
afere-se que é permitido aos particulares formular os seguintes pedidos:
i)anulação de acto administrativo ou declaração de nulidade; ii) condenação à
prática de um acto administrativo legalmente devido; iii) declaração de
ilegalidade de uma norma emitida ao abrigo de disposições de Direito
Administrativo/ Comunitário; iv)declaração de ilegalidade de não emanação de
normas que devessem ser remetidas ao abrigo de disposições de Direito
Administrativo/ Comunitário; Será necessário porém ressalvar que os
supracitados pedidos ficam sujeitos às normas e actos previstos no artigo
100º/1 CPTA.
Dentro do artigo 100º/1 CPTA, é possível encontrar um leque
de contratos (empreitada e concessão de obras públicas, prestação de
serviços e de fornecimento de bens).
Coloca-se porém a questão de saber se os contratos previstos no artigo
baseiam-se numa regra de taxatividade ou se por outro lado é possível incluir
outros contratos. Esta situação coloca-se especificamente perante a questão da
aplicabilidade aos contratos de concessão de serviços. Encontramos uma posição favorável
à respectiva aplicabilidade perante o Acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo de 3 de Setembro de 2003, pelo que tal posição é justificada através
de uma interpretação extensiva da expressão “concessão”. Porém, o Professor
VIEIRA D’ANDRADE e o Professor MÁRIO AROSO ALMEIDA, repudiam tal decisão,
através da defesa de uma interpretação literal do artigo 100º/1 CPTA. Assim
sendo, e embora os contratos de concessão de serviços estejam abrangidos pelo Código
dos Contratos Públicos, através da Transposição das Directivas Recursos,
verificamos que embora existe uma previsão a nível material relativamente à
concessão de serviços, não se verifica semelhante regime a título processual,
na medida em que as supracitadas Directivas não permitem que estes tipos de
contratos sejam impugnados a título contencioso. É de sufragar portanto, a
opinião dos Doutos Professores supra referidos e atender a uma interpretação
literal do artigo 100º/1 CPTA, no que toca ao conjunto de contratos a que se
poderá aplicar o contencioso pré-contratual.
Perante as questões já debatidas, importa só, a título
final, referir a questão dos prazos de impugnação e a regra de imperatividade
do regime do contencioso pré-contratual presente nos artigos 100º e 101º CPTA. Com
efeito, o regime do contencioso pré-contratual está vinculado a um sistema
imperativo e não alternativo, especificamente no que toca aos prazos de
impugnação. Sendo assim, esgotados os meios relativos ao processo urgente, não
é possível ao particular seguir o modelo presente numa AAE ou mesmo AAC, no
sentido de lhe ser alargado os prazos. O regime presente no artigo 100º e
seguintes é imperativo pois findo o prazo previsto de um mês, o acto torna-se
inimpugnável. Tal regra justifica-se através de um sistema que visa aproximar o
princípio da economia e o da eficiência processual. Com efeito, o processo
urgente visa a celeridade de forma a impedir pelo particular afastado pela
Administração Pública, a execução do contrato celebrado. Sendo assim, o
processo urgente é necessário devido à celeridade aplicada ao caso, em termos
de prazo de impugnação e de decisão de mérito. Não se aceita portanto um
alargamento de prazo, visto que a solução que se quer alcançar perante a
impugnação advenientes dos procedimentos pré-contratuais, é o impedimento à
celebração do contrato, de per se. Em
relação ao artigo 40º CPTA, é possível questionar se os particulares poderão propor
uma acção sobre o contrato, não tendo impugnado a título prévio, o procedimento
pré-contratual. O Professor MÁRIO AROSO ALMEIDA repudia esta solução, justificando
que o alargamento da esfera de legitimidade activa presentes nas acções sobre
contratos permitiria a existência de uma “válvula de escape” perante a ausência
de impugnação do procedimento pré-contratual. Nós tendemos a concordar com o
Douto Professor, no sentido em que se sendo o regime do contencioso
pré-contratual imperativo, não faz sentido no que toca às acções sobre
contratos uma via alternativa de impugnação, pelo que será possível unicamente
o esgotamento dos meios processuais em sede de processo urgente.
BIBLIOGRAFIA
Almeida, Mário Aroso - Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2002
Andrade, José Carlos Vieira de - A Justiça Administrativa, Coimbra Editora, 7ª Edição, Coimbra, 2005
Dias, Paulo Linhares - O contencioso
pré-contratual no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=64444&ida=64451
Oliveira, Rodrigo Esteves, http://www.vda.pt/xms/files/Publicacoes/O_Contencioso_urgente_da_contratacao_publica_.pdf
Miriam Almeida Alves, nº21905
Visto.
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