No âmbito do
acto administrativo impugnável, coloca-se a questão de saber se poderão ser atacados,
com fundamento na sua nulidade e anulabilidade, os pareceres vinculativos.
Previstos no
artº98 do CPA, os pareceres definem-se como sendo actos opinativos emitidos por
entidades especializadas em certos ramos do saber, ou por órgãos colegiais de
natureza consultiva (1). Nos termos do mesmo preceito, os pareceres
podem assumir duas classificações: obrigatórios ou facultativos, consoante
sejam ou não exigidos por lei, e vinculativos ou não vinculativos, consoante
tenham ou não de ser seguidas pelo órgão competente para a decisão.
Não são poucas
as vezes em que, no decorrer do procedimento administrativo, a administração pública
solicita a emissão de pareceres como forma de obter uma opinião crítica sobre
determinado assunto. Na sua elaboração são aprofundados os mais difíceis problemas,
técnicos, jurídicos e políticos e é proposta uma solução final firmada em
fundamentos cuidadosamente apurados. Muitas das vezes, a solução final que é
proposta tem um conteúdo vinculativo, impondo a lei a necessidade de as suas
conclusões serem seguidas pelo órgão decisório competente para a prática do
acto administrativo, isto nos termos do artº98 nº1 CPA.
Ora, é
precisamente esta imposição legal ao órgão decisório, de seguir as conclusões
do parecer, que vem dar azo à questão: poderá o parecer vinculativo ser
impugnado?
Vejamos.
A pretensão
formulada pelo autor, no acto de impugnação, tem antes de mais de reportar-se a
um acto administrativo, ou seja, a um acto jurídico que reúna as
características que o permitem qualificar de acto administrativo. O conceito de
acto administrativo resulta do artº120 do CPA que o define como a decisão de um
órgão da Administração Publica que, ao abrigo de normas de direito público,
visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Daqui
resulta uma série de requisitos para a qualificação de um acto jurídico como
acto administrativo. É, desde logo posto em evidência o requisito do conteúdo
decisório do acto. Nestes termos, é necessário que o seu conteúdo não se esgote
na emissão de uma declaração de ciência, ou de uma opinião.
No que respeita
à generalidade dos actos preparatórios dos procedimentos administrativos, como
as informações, propostas e os pareceres, pode dizer-se que eles não serão impugnáveis
porque não contêm decisões e, portanto, não são actos administrativos.
Ora, daqui
resulta que os pareceres não se enquadram no conceito de acto administrativo do
artº120 do CPA, não possuem um conteúdo decisório e, por isso, não poderão ser
impugnados. Valerá esta regra para os pareceres vinculativos?
Os pareceres
vinculativos, como já acima explicitado, implicam que o seu conteúdo tenha
necessariamente de ser seguido pelo órgão competente para decidir. Nestes
termos tais actos não exprimem o exercício de uma função meramente consultiva,
mas são actos que, prejudicando o exercício dos poderes decisórios dos órgãos a
que se reportam, têm natureza de actos administrativos de conteúdo decisório.
Na realidade, quem decide é a
entidade que emite o parecer. Se o conteúdo do mesmo terá de ser seguido pelo
órgão competente para decidir, a verdadeira decisão é a do parecer. A segunda
decisão (aquela que está vinculada ao parecer) é apenas uma formulação de algo
que já estava pré-determinado (2). A vontade da
Administração não se manifesta unicamente no momento da decisão final,
como se tivesse «caído do céu aos trambolhões», antes é o resultado de um
verdadeiro procedimento (3).
Exigindo-se que
a pretensão do autor diga respeito a um verdadeiro acto administrativo e,
preenchendo o parecer vinculativo a definição de acto administrativo do artº120
do CPA, nada parece obstar a que um parecer vinculativo possa ser autonomamente
impugnado nos termos do artº50 do CPTA, tal como o respectivo acto final.
Mas mais
argumentos existem a acrescentar.
O artº51 do CPTA
veio eliminar a exigência de definitividade horizontal para impugnabilidade do
acto administrativo. Resultava desta exigência que apenas os actos finais, que
põem termo ao procedimento administrativo, poderiam ser impugnados. Hoje, essa
exigência foi assumidamente afastada da noção de acto administrativo
impugnável. Assim, não são apenas impugnáveis os actos finais que põem termo a
procedimentos administrativos, mas também podem ser impugnados actos que não sendo
o acto final do procedimento, possuam um conteúdo decisório e por conseguinte se
trate de um acto administrativo.
Vimos já que os
pareceres vinculativos possuem um conteúdo decisório e se enquadram no
conceito de acto administrativo do artº120 do CPA. Acresce a isto que, o
parecer vinculativo não se trata de um acto final do procedimento, antes se
insere no procedimento administrativo. Assim sendo, o artº51 do CPTA funciona
como que uma norma de legitimação à impugnação de pareceres vinculativos.
Mas poderá
colocar-se a questão: têm os pareceres vinculativos eficácia externa para
efeitos do artº51 do CPTA?
Eficácia externa
consiste na susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que
se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere. Ora, assim
sendo, e considerando o parecer vinculativo a verdadeira decisão a que o órgão
com competências decisórias se encontra vinculado, dúvidas não restam da
eficácia externa dos pareceres vinculativos. Eles produzem efeitos que se
projectam para fora do procedimento onde o acto se insere.
Pois bem,
estamos em posição de concluir que o artº51 do CPTA vem legitimar a impugnação
de pareceres vinculativos.
Outro argumento
se poderá evidenciar: perante um parecer com conteúdo lesivo dos interesses do
autor, fará sentido, adiar a tutela dos direitos e interesses fundamentais até
à prática do acto administrativo final? Não será isto estar a violar o princípio
da tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado no artº268 da
CRP?
A resposta
parece-nos indiscutivelmente afirmativa. Sabendo o autor de antemão que, o
conteúdo do acto a emitir pelo órgão competente, será negativo e susceptível de
lesar direitos ou interesses legalmente protegido, porque negar-lhe a
possibilidade de atacar de imediato o parecer sem ter de aguardar pelo acto
administrativo final emitido pelo órgão competente.
A impugnação de
pareceres vinculativos funcionará, deste modo, como uma defesa antecipada dos
interessados. Tendo o parecer a natureza de um acto prejudicial do
procedimento, o autor poderá defender-se atacando de imediato o seu conteúdo
negativo.
Ora, sendo o
Contencioso Administrativo marcadamente subjectivista, concentrado na tutela
dos direitos e interesses fundamentais de quem vai a juízo, a não
impugnabilidade do parecer vinculativo seria desconsiderar completamente os
efeitos lesivos que se repercutem directamente na esfera do autor e
consequentemente por em causa essa mesma tutela.
Em conclusão,
consideramos indiscutível a impugnabilidade do parecer vinculativo, não so por
este representar um verdadeiro acto administrativo com um conteúdo decisório e
por isso a sua impugnação estar legitimada no artº51 do CPTA, mas também, por a
sua não impugnabilidade por em causa a tutela dos direitos e interesses
fundamentais do autor, ao adiar essa mesma tutela.
Este tem sido,
alias, o entendimento da jurisprudência mais recente da qual evidenciamos
alguns exemplos.
Veja-se o acórdão
do TCAS de 10 de Outubro de 2011 que considerou o parecer vinculativo, um acto
decisório que pode ser impugnado.
Igualmente, o acórdão do STA de 16 de Janeiro
de 2001 que admitiu a possibilidade de impugnação de um parecer vinculativo por
considerar que estamos perante um verdadeiro acto administrativo com eficácia
externa e susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos.
1- AMARAL, DIOGO FREITAS DO, - “Direito
Administrativo”, Vol II, Almedina 2011, pág304-305
2-AMARAL, DIOGO FREITAS DO, - “Direito
Administrativo”, Vol II, Almedina 2011, pág306
3- PEREIRA DA SILVA, VASCO – “Em Busca do Acto Administrativo Perdido”,
Lisboa, 1998, pág. 704 e 705.
Bibliografia
AMARAL, DIOGO FREITAS DO, - “Direito
Administrativo”, Vol II, Almedina 2011
·
PEREIRA DA SILVA, VASCO, - “Em Busca do
Acto Administrativo Perdido”, Lisboa, 1998
·
AROSO DE ALMEIDA, MÁRIO, - “Manual de Processo
Administrativo”, Almedina 2013
Margarida Domingues
Nº22217
Visto. Não cita o artigo do Prof. Pedro Gonçalves.
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