domingo, 7 de dezembro de 2014

Da impugnabilidade dos pareceres vinculativos



No âmbito do acto administrativo impugnável, coloca-se a questão de saber se poderão ser atacados, com fundamento na sua nulidade e anulabilidade, os pareceres vinculativos.
Previstos no artº98 do CPA, os pareceres definem-se como sendo actos opinativos emitidos por entidades especializadas em certos ramos do saber, ou por órgãos colegiais de natureza consultiva (1). Nos termos do mesmo preceito, os pareceres podem assumir duas classificações: obrigatórios ou facultativos, consoante sejam ou não exigidos por lei, e vinculativos ou não vinculativos, consoante tenham ou não de ser seguidas pelo órgão competente para a decisão.
Não são poucas as vezes em que, no decorrer do procedimento administrativo, a administração pública solicita a emissão de pareceres como forma de obter uma opinião crítica sobre determinado assunto. Na sua elaboração são aprofundados os mais difíceis problemas, técnicos, jurídicos e políticos e é proposta uma solução final firmada em fundamentos cuidadosamente apurados. Muitas das vezes, a solução final que é proposta tem um conteúdo vinculativo, impondo a lei a necessidade de as suas conclusões serem seguidas pelo órgão decisório competente para a prática do acto administrativo, isto nos termos do artº98 nº1 CPA.
Ora, é precisamente esta imposição legal ao órgão decisório, de seguir as conclusões do parecer, que vem dar azo à questão: poderá o parecer vinculativo ser impugnado?
Vejamos.
A pretensão formulada pelo autor, no acto de impugnação, tem antes de mais de reportar-se a um acto administrativo, ou seja, a um acto jurídico que reúna as características que o permitem qualificar de acto administrativo. O conceito de acto administrativo resulta do artº120 do CPA que o define como a decisão de um órgão da Administração Publica que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Daqui resulta uma série de requisitos para a qualificação de um acto jurídico como acto administrativo. É, desde logo posto em evidência o requisito do conteúdo decisório do acto. Nestes termos, é necessário que o seu conteúdo não se esgote na emissão de uma declaração de ciência, ou de uma opinião.
No que respeita à generalidade dos actos preparatórios dos procedimentos administrativos, como as informações, propostas e os pareceres, pode dizer-se que eles não serão impugnáveis porque não contêm decisões e, portanto, não são actos administrativos.
Ora, daqui resulta que os pareceres não se enquadram no conceito de acto administrativo do artº120 do CPA, não possuem um conteúdo decisório e, por isso, não poderão ser impugnados. Valerá esta regra para os pareceres vinculativos?
Os pareceres vinculativos, como já acima explicitado, implicam que o seu conteúdo tenha necessariamente de ser seguido pelo órgão competente para decidir. Nestes termos tais actos não exprimem o exercício de uma função meramente consultiva, mas são actos que, prejudicando o exercício dos poderes decisórios dos órgãos a que se reportam, têm natureza de actos administrativos de conteúdo decisório.
Na realidade, quem decide é a entidade que emite o parecer. Se o conteúdo do mesmo terá de ser seguido pelo órgão competente para decidir, a verdadeira decisão é a do parecer. A segunda decisão (aquela que está vinculada ao parecer) é apenas uma formulação de algo que já estava pré-determinado (2). A vontade da Administração não se manifesta unicamente no momento da decisão final, como se tivesse «caído do céu aos trambolhões», antes é o resultado de um verdadeiro procedimento (3).
Exigindo-se que a pretensão do autor diga respeito a um verdadeiro acto administrativo e, preenchendo o parecer vinculativo a definição de acto administrativo do artº120 do CPA, nada parece obstar a que um parecer vinculativo possa ser autonomamente impugnado nos termos do artº50 do CPTA, tal como o respectivo acto final.
Mas mais argumentos existem a acrescentar.
O artº51 do CPTA veio eliminar a exigência de definitividade horizontal para impugnabilidade do acto administrativo. Resultava desta exigência que apenas os actos finais, que põem termo ao procedimento administrativo, poderiam ser impugnados. Hoje, essa exigência foi assumidamente afastada da noção de acto administrativo impugnável. Assim, não são apenas impugnáveis os actos finais que põem termo a procedimentos administrativos, mas também podem ser impugnados actos que não sendo o acto final do procedimento, possuam um conteúdo decisório e por conseguinte se trate de um acto administrativo.
Vimos já que os pareceres vinculativos possuem um conteúdo decisório e se enquadram no conceito de acto administrativo do artº120 do CPA. Acresce a isto que, o parecer vinculativo não se trata de um acto final do procedimento, antes se insere no procedimento administrativo. Assim sendo, o artº51 do CPTA funciona como que uma norma de legitimação à impugnação de pareceres vinculativos.
Mas poderá colocar-se a questão: têm os pareceres vinculativos eficácia externa para efeitos do artº51 do CPTA?
Eficácia externa consiste na susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere. Ora, assim sendo, e considerando o parecer vinculativo a verdadeira decisão a que o órgão com competências decisórias se encontra vinculado, dúvidas não restam da eficácia externa dos pareceres vinculativos. Eles produzem efeitos que se projectam para fora do procedimento onde o acto se insere.
Pois bem, estamos em posição de concluir que o artº51 do CPTA vem legitimar a impugnação de pareceres vinculativos.
Outro argumento se poderá evidenciar: perante um parecer com conteúdo lesivo dos interesses do autor, fará sentido, adiar a tutela dos direitos e interesses fundamentais até à prática do acto administrativo final? Não será isto estar a violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado no artº268 da CRP?
A resposta parece-nos indiscutivelmente afirmativa. Sabendo o autor de antemão que, o conteúdo do acto a emitir pelo órgão competente, será negativo e susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegido, porque negar-lhe a possibilidade de atacar de imediato o parecer sem ter de aguardar pelo acto administrativo final emitido pelo órgão competente.
A impugnação de pareceres vinculativos funcionará, deste modo, como uma defesa antecipada dos interessados. Tendo o parecer a natureza de um acto prejudicial do procedimento, o autor poderá defender-se atacando de imediato o seu conteúdo negativo.
Ora, sendo o Contencioso Administrativo marcadamente subjectivista, concentrado na tutela dos direitos e interesses fundamentais de quem vai a juízo, a não impugnabilidade do parecer vinculativo seria desconsiderar completamente os efeitos lesivos que se repercutem directamente na esfera do autor e consequentemente por em causa essa mesma tutela.
Em conclusão, consideramos indiscutível a impugnabilidade do parecer vinculativo, não so por este representar um verdadeiro acto administrativo com um conteúdo decisório e por isso a sua impugnação estar legitimada no artº51 do CPTA, mas também, por a sua não impugnabilidade por em causa a tutela dos direitos e interesses fundamentais do autor, ao adiar essa mesma tutela.
Este tem sido, alias, o entendimento da jurisprudência mais recente da qual evidenciamos alguns exemplos.
Veja-se o acórdão do TCAS de 10 de Outubro de 2011 que considerou o parecer vinculativo, um acto decisório que pode ser impugnado.
 Igualmente, o acórdão do STA de 16 de Janeiro de 2001 que admitiu a possibilidade de impugnação de um parecer vinculativo por considerar que estamos perante um verdadeiro acto administrativo com eficácia externa e susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos.



  1AMARAL, DIOGO FREITAS DO, - “Direito Administrativo”, Vol II, Almedina 2011, pág304-305
  2-AMARAL, DIOGO FREITAS DO, - “Direito Administrativo”, Vol II, Almedina 2011, pág306
  3-  PEREIRA DA SILVA, VASCO – “Em Busca do Acto Administrativo Perdido”, Lisboa, 1998, pág. 704 e 705.




Bibliografia
  AMARAL, DIOGO FREITAS DO, - “Direito Administrativo”, Vol II, Almedina 2011
·         PEREIRA DA SILVA, VASCO, - “Em Busca do Acto Administrativo Perdido”, Lisboa, 1998
·         AROSO DE ALMEIDA, MÁRIO, - “Manual de Processo Administrativo”, Almedina 2013


Margarida Domingues 
Nº22217


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