domingo, 7 de dezembro de 2014

Do Dano da Perda de Sentença e o Contencioso Pré-Contratual Urgente

É por todos os operadores jurídicos conhecida a circunstância de, com a Reforma de 2002/2004, o juiz, à face deste diploma, ter aumentado exponencialmente a sua relevância no concernente à marcha do processo. Aliás, VASCO PEREIRA DA SILVA refere mesmo que, independentemente dos meios processuais em causa, o juiz é dotado da plenitude dos poderes necessários à tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares[1]. Ora, este papel do juiz encontra uma das suas manifestações mais acentuadas no mecanismo da modificação objectiva da instância, consagrado para o contencioso pré-contratual urgente, no artigo 102º/5 do CPTA e, no que toca às acções administrativas especiais e comum, no artigo 45º do mesmo diploma.
Importa começar por referir, com VIEIRA DE ANDRADE, que o preceito traduz uma “antecipação” do que pode suceder em sede de execução da sentença[2]. No fundo, é concedida ao juiz a possibilidade de conhecer e ditar agora o que sempre iria ditar e conhecer depois. De forma ilustrativa, poder-se-á dizer que o objectivo visado é que o juiz, perante a existência de “situações excepcionais” que tornam licita a inexecução de uma sentença, obrigue, no entanto, a Administração a pagar uma indemnização compensatória ao titular do direito à execução. Como revela AROSO DE ALMEIDA[3] processa-se uma inversão do risco que acarreta o decurso do tempo, que passa a correr por conta do autor do acto ilegal que, caso o tribunal decida no sentido da procedência do pedido de anulação (ou declaração de nulidade ou inexistência) do acto posto em crise, terá de, em caso de causa legítima, indemnizar o autor da acção. De um ponto de vista mais técnico, dir-se-á que o processo declarativo termina com a emissão de uma sentença cuja execução, se necessária, deixará de comportar momentos declarativos, incluindo apenas uma fase executiva que seguirá o processo de execução de pagamento de uma quantia certa.
Uma questão que, por vezes é suscitada na doutrina, e que, apesar de acessória, surge como pressuposto de aplicabilidade deste regime é o da natureza do caso jugado e dos seus efeitos quanto à declaração de anulação de actos administrativos. Isto é, caso o autor não opte pela cumulação do pedido de anulação do acto impugnado e de condenação da Administração à reconstituição da situação actual hipotética ainda será de permitir a aplicabilidade deste regime? Repare-se que, como salienta VASCO PEREIRA DA SILVA[4], pode-se tornar inconveniente tal cumulação, caso a mesma comprometa a natureza urgente e a celeridade do processo, além do eventual aumento do valor da acção. Parece, com VERA EIRÓ, que, caso não exista cumulação, tal efeito não é possível[5], na medida em que estabelecendo o artigo 175º/2 que pode, em sede de execução de sentença de anulação, ser invocada uma causa legitima de inexecução da sentença fundada em circunstâncias não supervenientes ao momento em que aquela foi proferida, daí se deve retirar a conclusão de não ser possível a invocação da causa legitima de inexecução em sede declarativa. Como tal, sendo apenas requerido ao Tribunal que se pronuncie sobre a invalidade do acto, não se afigura racional que se pronuncie, de forma antecipada, sobre os deveres em que a Administração fica constituída para que possa ser feito o juízo, também este antecipado, da existência de uma “impossibilidade de execução”.
Uma vexata quaestio de toda esta problemática é a do fundamento da obrigação de indemnizar. Por um lado, parte da doutrina considera que o facto que se encontra na origem da obrigação de indemnizar, apoiando-se na letra da lei, é o “facto de inexecução da sentença”[6]. Aliás, o grande “fundador ou criador” desta corrente foi DIOGO FREITAS DO AMARAL, pioneiro na defesa de que o nascimento para a entidade incumbida da execução de uma obrigação de indemnização sê-lo-ia pelos danos sofridos com a inexecução[7]. Do outro lado, encontramos autores, como RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, que entende estarmos antes perante uma indemnização devida pelo acto inicialmente inválido[8]. De notar é, ainda, a posição expressada no voto de vencido de ROSENDO JOSÉ, no Acórdão do STA de 13/03/2003, em que considera “não existir, na verdade, situações de impossibilidade de execução de sentenças, porquanto será sempre possível a execução por substitutivo – a indemnização – devendo inverter-se o ónus da prova do nexo de causalidade, cabendo à Administração o ónus de reconstituir o procedimento para ficar definido se o recorrente que teve ganho de causa no recurso teria ou não direito a indemnização”.
Parece-nos, com o devido respeito, que deve operar-se uma distinção entre a relação jurídica processual e a relação jurídica substantiva que se traduz na distinção entre o direito de acção e o direito subjectivo de que o particular é titular, no âmbito de uma concreta relação jurídica administrativa, e para cuja protecção o primeiro existe. Também VASCO PEREIRA DA SILVA parece ir neste sentido[9]. Como refere AROSO DE ALMEIDA[10] e VERA EIRÓ[11], a execução da sentença inclui-se tanto na relação jurídica substantiva (quando se pretenda incluir aqui os efeitos substantivos da decisão do tribunal) como na relação jurídica processual, pois corresponde, na verdade, ao culminar da acção. O que este mecanismo proporciona é a transformação desta relação jurídica processual numa nova relação jurídica substantiva: o autor, quando alegue ter um direito directo e pessoal na acção, tem direito a uma sentença do tribunal e à sua execução. Esta relação é nova e funda-se na existência de um juízo antecipado de uma causa legitima de inexecução da sentença[12]. O facto que dá origem à obrigação de indemnizar consagrada no artigo 102º/5 do CPTA é, na letra da lei, omitido. Todavia, e considerando a natureza “antecipatória” do regime, bem como a unidade do sistema jurídico, a ratio legis aponta no sentido de que também aqui se está perante um montante de indemnização devida pelo facto de inexecução da sentença, além de que a teleologia do instituto não é a de substituir todo o regime da responsabilidade extracontratual por acto ilícito das entidades demandadas junto dos tribunais administrativos. Aliás, como se tem entendido, para que haja ilicitude não basta a mera ilegalidade de uma actuação da Administração[13]. Terá, pois, de se exigir uma ilegalidade qualificada, porquanto dever-se-á exigir que as normas ou princípios violados revelem uma intenção normativa de protecção do interesse do particular lesado. Ou seja, a consideração pelo tribunal de vícios que inquinam (e invalidam) o acto (que deve ser conhecida pelo tribunal enquanto questão prévia da modificação objectiva da instancia) pode não ser suficiente para gerar, por exemplo em conformidade com o artigo 6º do DL nº 48051, uma obrigação de indemnizar.
Após a análise de todos estes pontos é nos perceptível que este regime põe em confronto “dois interesses públicos”. Por um lado o que se opõe à execução da sentença. Por outro, o de a Administração cumprir as leis e acatar as decisões dos tribunais. Facilmente se depreende que, quando existir uma situação de causa legitima de inexecução, o primeiro interesse público prevalece sobre o segundo, ficando a Administração constituída no dever de indemnizar.
Quanto à causa relativa à grave lesão do interesse público, parece de seguir o entendimento de DIOGO FREITAS DO AMARAL, quando o mesmo considera tratar-se de uma lógica análoga àquela que vigora para o instituto das expropriações, isto é, ponderar os interesses em causa e dar como prevalecente o interesse público[14]. AROSO DE ALMEIDA aproxima a figura, de igual modo, do estado de necessidade de salvaguardar interesses considerados mais importantes sendo, contudo, obrigatório o pagamento de uma indemnização[15]. Já quanto à causa da impossibilidade, baseia-se a mesma na máxima ad impossibilita nemo tenetur, devendo defender-se que a mesma consubstancia uma categoria autónoma da anterior, devendo, para tal, ser encarada de forma objectiva, como circunstância cujo reconhecimento não envolve a formulação de qualquer juízo valorativo e que sempre teria de ser admitida como fundamento para a inexecução de uma sentença
Contudo, a doutrina tem-se vindo a dividir quanto ao tipo de responsabilidade envolvida neste tipo de situações. De um lado encontramos DIOGO FREITAS DO AMARAL[16] que argumenta estar em causa uma responsabilidade por facto lícito, baseado na ideia de que o facto constitutivo da responsabilidade seria a execução a que a Administração teria procedido do acto impugnado. Parece-nos, salvo o devido respeito, não ser esta a solução a adoptar. Repare-se que a causa legitima de inexecução pode advir de uma alteração legislativa ou de operações materiais levadas a cabo por outra entidade que não o autor do acto, não sendo de aplicar, nestes casos, uma responsabilidade civil por acto licito como fundamento da obrigação de indemnizar. Por seu turno, AROSO DE ALMEIDA considera que o acto não deixa de ser ilegal e, por isso, de ser potencial fonte de responsabilidade civil da Administração pelos danos que tenha causado e que a execução da sentença nunca seria apta a eliminar[17]. O que existiria, isso sim, seria uma obrigação de indemnizar ainda com origem na causa geradora da situação ilegal – o acto inicialmente ilícito – mas por via de um “terceiro degrau de tutela”: a responsabilidade objectiva pelo acto ilegal, não havendo todavia o dever geral de reparação integral dos danos.
Quanto a nós, é de entender que a quebra do nexo de causalidade é suficiente para se concluir que o fundamento desta obrigação de indemnizar não passa por uma responsabilidade pela prática do acto ilícito (nem da forma mitigada, como propõe AROSO DE ALMEIDA)[18], e isto porque a causa legitima de inexecução encontra justificação na prevalência de um interesse publico face ao interesse do privado na execução da sentença e na imposição de um sacrifício que se prende com a desnecessidade de uma conduta processual. Mesmo no concernente ao segundo tipo de casos, tal é comprovado pela inexistência de um efeito suspensivo imediato associado à mera propositura das acções administrativas. Além do mais, tal entendimento levaria a uma transfiguração radical dos pressupostos da responsabilidade civil que não parece ser minimamente “desejado” pelo preceito em causa. Aliás, atente-se, com MARIA LÚCIA AMARAL[19], que é dotada de particularidades a situação que ocorre sempre que o Estado prejudica "sem querer". O dever de indemnizar só existe a partir do momento em que o dano se produz, porque este não foi querido nem previsto pelo acto de vontade. Parece que, neste tipo de situações, a actuação pública gerou o dever mas não nasceu com ele, apenas foi fonte de algo que logicamente lhe é posterior, dando origem a uma relação obrigacional nova que não existia nem podia existir antes da produção dos efeitos do acto. Como tal, o dever de indemnizar terá como fonte a responsabilidade civil. Ora, o busílis da questão é que, nos casos que estamos a investigar, a indemnização surge como parâmetro de valor da conduta da Administração (fundada num principio de justiça distributiva e não comutativa), que se não executar a sentença sem que seja atribuído o montante de indemnização devida ao autor, estará, ainda que justificada por uma causa legítima, a actuar de forma contrária ao bloco legal. Em suma, parece ser de concluir que esta obrigação de indemnização não se funda na responsabilidade civil da Administração, mas antes no princípio da tutela jurisdicional efectiva, por um lado, e num instituto próximo ao da expropriação, por outro[20].
Por fim, antes de entrarmos em questões de maior profundida técnica, nunca se deve esquecer, e esta é uma das principais consequências de tudo quanto foi defendido até ao momento, de que ao autor é sempre possível, além da indemnização a que tenha direito pela “perda” de sentença, intentar uma acção de responsabilidade civil para ser compensado de todos os danos causados pelo acto inicialmente ilícito, desde que preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito.
Quanto à exigência de impossibilidade absoluta importa notar, com AROSO DE ALMEIDA, que ao abrigo do principio da proporcionalidade, uma sentença que determina um desproporcionado sacrifício do interesse público é juridicamente impossível[21]. Contudo, parece ser de adoptar, neste ponto, a interpretação que prevaleceu no acórdão do STA de 11/04/2002, em que foi defendido que a ponderação de interesses é realizada apenas para efeitos de preenchimento do conceito de grave prejuízo para o interesse público, ou seja, para os casos dos do tipo da primeira situação analisada.
Cabe, por fim, analisar de forma critica o dever de indemnizar que cabe à Administração Pública e o montante dessa indemnização. Uma questão muito debatida na doutrina a este respeito foi a concernente à possibilidade de o autor e a entidade demandada acordarem uma indemnização, sem que haja um juízo antecipado de impossibilidade absoluta de execução da sentença. A este respeito VIEIRA DE ANDRADE[22] admite a possibilidade de transacção nestes casos, considerando que as causas legitimas de inexecução “têm de ser reconhecidas por acordo do interessado ou julgadas procedentes pelo juiz” e que o interessado poderá optar pela indemnização, mesmo fora das situações legalmente previstas como causas legitimas de inexecução. Quanto a nós, esta posição não se justifica. Não só porque no mecanismo de convolação objectiva da instância em processo declarativo não se prevê a possibilidade de os contra-interessados serem ouvidos, o que levaria, na falta de uma verdadeira impossibilidade absoluta, a postergar os interesses dos contra-interessados que revelem interesse na execução de uma sentença que venha invalidar o acto posto em crise. Além do mais, uma posição deste tipo levaria à debilitação do principio da legalidade e da ordem pública, deixando a decisão sobre uma determinada ilegalidade na livre disponibilidade das partes.
Quanto à obrigação de indemnização, parece decorrer do entendimento de AROSO DE ALMEIDA que não se trata tão-somente de uma responsabilidade processual, mas também de um regime substantivo que, nestes casos de impossibilidade de execução da sentença, faz nascer a obrigação de indemnização da existência de uma responsabilidade civil objectiva, portanto, independentemente de culpa, não sendo ressarcidos todos os danos sofridos[23]. Contudo, parece mais consentâneo ser de entender que o regime de responsabilidade se aproxima ao da expropriação. Como refere VERA EIRÓ, deixam de ser relevantes os pressupostos da responsabilidade civil, particularmente o elemento da ilicitude, uma vez que aquilo que está em causa é a existência de uma causa legitima de inexecução que quebra o nexo de causalidade com o acto inicialmente ilícito[24]. Como tal, mesmo que o juízo de mérito do juiz quanto à invalidade do acto conclua pela existência de um acto que, embora ilegal, não preencha o requisito da ilicitude em sede de responsabilidade civil, a constituição da Administração numa obrigação de indemnizar não depende deste requisito, sendo também de recusar importância à eventual culpa da Administração ou do lesado. Parece-nos ser este a posição a seguir.
Veja-se, ainda, que o conceito de “justa indemnização” importado do regime da expropriação terá que se aproximar do montante do dano devido pelo autor, sob pena de uma “sobreprotecção jurídica”. Na verdade, ainda que nos afastemos do instituto da responsabilidade civil como fonte desta obrigação de indemnização devida, não podemos olvidar que o que se pretende é ressarcir o dano de “perda de sentença”, e não sancionar a Administração por ter executado o acto posto em crise. A atribuição de indemnização não parece , neste caso, representar um fim principal de natureza sancionatória nem preventiva – porque não se pretende que a mera propositura de uma acção administrativa especial (no caso de contencioso pré-contratual de natureza urgente) maniete a acção da entidade demandada -, mas sim ressarcitória. Caso contrário, teria o legislador atribuído o efeito suspensivo automático associado à propositura de acções administrativas especiais – o que não fez. Defendemos, por isso, que deve haver lugar a uma indemnização do autor pela inexecução de uma sentença que, nos casos do artigo 102º/5 determinaria, regra geral, o reiniciar do procedimento de formação do contrato público objecto do procedimento de formação de contrato onde se integrou o acto impugnado.
Contudo, tendo em conta tudo quanto foi dito anteriormente, qual deve ser o dano a ser ressarcido?
Desde logo, com AROSO DE ALMEIDA, diremos que o dano de inexecução de sentença deve ser feita casuisticamente[25]. Em segundo lugar, não se deve perder de vista que o autor tem de ser ainda a possibilidade de ser ressarcido dos danos que tenha sofrido e que apresentem um nexo de causalidade com o acto inicialmente ilícito. Por ultimo, parece ser de considerar que o calculo da justa indemnização deve atender a critérios específicos, que não os consagrados no Código das Expropriações.
Estes critérios devem ser dois. Primeiro, e no seguimento do defendido por VERA EIRÓ[26], deve ser revelado o principio da igualdade. Repare-se que o autor, ao propor a acção, incorreu em despesas e fez um investimento dirigido, em primeiro lugar, à emissão de uma sentença favorável aos seus interesses e, em segundo lugar, à efectiva execução dessa sentença, levando a que estas despesas em que incorreu o coloquem numa situação de desigualdade que justifica uma compensação, devendo esta cobrir todos os custos do processo.
Quanto ao segundo critério, não obstante no acórdão do STA de 07/03/2006 ter-se considerado que, regra geral, os custos de proposta não são indemnizáveis por serem comuns a todos os concorrentes preteridos e representarem um risco de investimento, parece ser mais concordante com a Directiva 92/13/ CEE (artigos 2º/7 e 79º/4 do projecto de Código dos Contratos Públicos), a interpretação de que os custos associados à preparação da proposta assumem uma natureza de quantum mínimo de indemnização, devendo ser tomados em conta os custos associados à preparação da proposta.
Concluir-se-á a explanação deste tema com uma frase bastante ilustrativa de VERA EIRÓ: “afinal, esta indemnização devida corresponde a um montante que não terá equivalência com o cômputo do dano e a obrigação de indemnizar fundada na responsabilidade civil por acto ilícito”[27]. Contudo, importa relembrar que a atribuição desta indemnização depende do preenchimento de pressupostos menos exigentes do que os pressupostos da responsabilidade civil por acto ilícito – sendo que, em contratação pública, o pressuposto do nexo de causalidade corresponde, nas mais das vezes, a uma prova diabólica, pois, como tem vindo a reconhecer a jurisprudência comunitária, a actividade de avaliação das propostas é insindicável, dependendo o nexo de causalidade da demonstração de que não fora o acto impugnado, o autor teria sido o adjudicatário do contrato.
Conclua-se apenas com uma advertência. Como refere DIOGO FREITAS DO AMARAL, as causas legitimas de inexecução acarretam sempre algum risco para a construção de um Estado de Direito, na medida em que acaba por redundar na outorga à Administração da possibilidade, unilateral ou mediante acordo do particular, de se libertar do dever de reintegrar a legalidade ofendida por um acto administrativo ilegal anulado por sentença e do dever de reintegrar in natura as posições jurídicas subjectivas por si lesadas[28]. Aliás, como explicita MARCELLO CAETANO[29] as causas legítimas de inexecução vêm, afinal, revelar que o caso julgado administrativo é só condicionalmente obrigatório para a Administração, e que o direito dos particulares à execução das sentenças proferidas pelos tribunais administrativos é um direito condicionado. Por essa razão, deve ser este instituto somente aplicado quando dotado de uma especial prudência e rigor. Também MIGUEL PRATA ROQUE[30] afirma que a Administração Pública teima em manter a crença de que é, simultaneamente, mestrina e prima donna do baile mandado, em que a sua percepção unilateral daquilo que seria o interesse público se impõe, qualquer que seja a fase da tramitação processual. Foi por estas mesmas razões que VASCO PEREIRA DA SILVA considerou, em tempos, esta solução manifestamente inconstitucional[31] por violação do principio da separação de poderes e do principio do pedido. Contudo, hoje em dia tal preocupação já não faz sentido. Para terminar o trabalho diremos que a impossibilidade absoluta é uma causa objectiva cuja verificação não envolve qualquer espaço de reserva da função administrativa, assim como a exigência de um “excepcional prejuízo para o interesse publico” tão pouco confere uma margem de livre apreciação que deva ser protegida em detrimento dos outros valores jurídico-constitucionais que esta medida pretende salvaguardar. Quanto ao principio do pedido, hoje em dia, o pedido formal é menos relevante do que a pretensão formulada pelo autor ou do que a resolução global da situação litigiosa. Como tal, parece ser de concluir que a própria tutela jurisdicional efectiva justifica que o juiz possa conhecer, a partir dos elementos de facto que as partes aduziram ao processo, da existência de uma causa legitima de inexecução que obsta a uma tutela jurisdicional primária – à procedência especifica do pedido originário -, mas não a uma tutela secundária – à fixação de indemnização respectiva.



[1] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2005, p. 264.
[2] VIEIRA DE ANDRADE, Justiça Administrativa, 2006, p. 410
[3] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, 2002, pp. 807-810.
[4] VASCO PEREIRA DA SILVA, Todo o Contencioso Administrativo se tornou de Plena Jurisdição,in Cadernos de justiça Administrativa, nº 19 (Jul.-Ago. 2002), p. 31.
[5] VERA EIRÓ, Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2008, pp. 809-810.
[6] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, pp. 816-817; VIEIRA DE ANDRADE, Justiça Administrativa, p. 411.
[7] DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 1997, p. 118.
[8] RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Processo Executivo, Algumas Questões, p. 259.
[9] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2005, p. 280-285.
[10] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, pp. 791-792;
[11] VERA EIRÓ, Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2008, pp. 812-813.
[12] Parece-nos que esta distinção é de enorme importância, na medida em que da mesma resulta a consideração de que o autor poderá ser, simultaneamente, o credor de uma obrigação de indemnizar fundada na inexecução de uma sentença a seu favor e manter-se credor de uma outra obrigação de indemnizar fundada no acto inicialmente posto em crise.
[13] MARAGRIDA CORTEZ, Responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais e concurso de omissão culposa, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2000, p. 72.
[14] DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, p. 246.
[15] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, pp. 783-784.
[16] DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, pp. 131-135.
[17] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, pp. 814-817.
[18] No mesmo sentido, VERA EIRÓ, Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2008, p. 816.
[19] MARIA LÚCIA AMARAL, A Responsabilidade do Estado e o Dever de Indemnizar do Legislador, 1998, pp. 415-416.
[20] No seguimento do pensamento de VERA EIRÓ, Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2008, pp. 817-818.

[21] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, pp. 787-788.
[22] VIEIRA DE ANDRADE, Justiça Administrativa, p. 409.
[23] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, p. 793.
[24] VERA EIRÓ, Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2008, p. 832.
[25] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, p. 820.
[26] VERA EIRÓ, Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2008, p. 836.
[27] VERA EIRÓ, Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2008, p. 838.
[28] DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, pp. 131-141.
[29] MARCELLO CAETANO, apud DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, p. 156.

[30] MIGUEL PRATA ROQUE, “Alto e pára o baile!”– O excepcional prejuízo para o interesse público como mera causa de inexecução da decisão cautelar - acórdão do TCA Sul de 17/3/2011 , in Cadernos de Justiça Administrativa nº 97, p. 47.
[31] VASCO PEREIRA DA SILVA, Todo o Contencioso Administrativo se tornou de Plena Jurisdição,in Cadernos de justiça Administrativa, nº 19 (Jul.-Ago. 2002), p. 30.





Diogo Coelho, nº 22003

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