É
por todos os operadores jurídicos conhecida a circunstância de, com a Reforma
de 2002/2004, o juiz, à face deste diploma, ter aumentado exponencialmente a sua
relevância no concernente à marcha do processo. Aliás, VASCO PEREIRA DA SILVA
refere mesmo que, independentemente dos meios processuais em causa, o juiz é
dotado da plenitude dos poderes necessários à tutela plena e efectiva dos
direitos dos particulares[1].
Ora, este papel do juiz encontra uma das suas manifestações mais acentuadas no
mecanismo da modificação objectiva da instância, consagrado para o contencioso
pré-contratual urgente, no artigo 102º/5 do CPTA e, no que toca às acções
administrativas especiais e comum, no artigo 45º do mesmo diploma.
Importa
começar por referir, com VIEIRA DE ANDRADE, que o preceito traduz uma
“antecipação” do que pode suceder em sede de execução da sentença[2].
No fundo, é concedida ao juiz a possibilidade de conhecer e ditar agora o que
sempre iria ditar e conhecer depois. De forma ilustrativa, poder-se-á dizer que
o objectivo visado é que o juiz, perante a existência de “situações
excepcionais” que tornam licita a inexecução de uma sentença, obrigue, no
entanto, a Administração a pagar uma indemnização compensatória ao titular do
direito à execução. Como revela AROSO DE ALMEIDA[3]
processa-se uma inversão do risco que acarreta o decurso do tempo, que passa a
correr por conta do autor do acto ilegal que, caso o tribunal decida no sentido
da procedência do pedido de anulação (ou declaração de nulidade ou
inexistência) do acto posto em crise, terá de, em caso de causa legítima,
indemnizar o autor da acção. De um ponto de vista mais técnico, dir-se-á que o
processo declarativo termina com a emissão de uma sentença cuja execução, se
necessária, deixará de comportar momentos declarativos, incluindo apenas uma
fase executiva que seguirá o processo de execução de pagamento de uma quantia
certa.
Uma
questão que, por vezes é suscitada na doutrina, e que, apesar de acessória,
surge como pressuposto de aplicabilidade deste regime é o da natureza do caso
jugado e dos seus efeitos quanto à declaração de anulação de actos
administrativos. Isto é, caso o autor não opte pela cumulação do pedido de
anulação do acto impugnado e de condenação da Administração à reconstituição da
situação actual hipotética ainda será de permitir a aplicabilidade deste
regime? Repare-se que, como salienta VASCO PEREIRA DA SILVA[4],
pode-se tornar inconveniente tal cumulação, caso a mesma comprometa a natureza
urgente e a celeridade do processo, além do eventual aumento do valor da acção.
Parece, com VERA EIRÓ, que, caso não exista cumulação, tal efeito não é possível[5],
na medida em que estabelecendo o artigo 175º/2 que pode, em sede de execução de
sentença de anulação, ser invocada uma causa legitima de inexecução da sentença
fundada em circunstâncias não supervenientes ao momento em que aquela foi
proferida, daí se deve retirar a conclusão de não ser possível a invocação da
causa legitima de inexecução em sede declarativa. Como tal, sendo apenas
requerido ao Tribunal que se pronuncie sobre a invalidade do acto, não se
afigura racional que se pronuncie, de forma antecipada, sobre os deveres em que
a Administração fica constituída para que possa ser feito o juízo, também este
antecipado, da existência de uma “impossibilidade de execução”.
Uma
vexata quaestio de toda esta
problemática é a do fundamento da obrigação de indemnizar. Por um lado, parte
da doutrina considera que o facto que se encontra na origem da obrigação de
indemnizar, apoiando-se na letra da lei, é o “facto de inexecução da sentença”[6].
Aliás, o grande “fundador ou criador” desta corrente foi DIOGO FREITAS DO
AMARAL, pioneiro na defesa de que o nascimento para a entidade incumbida da
execução de uma obrigação de indemnização sê-lo-ia pelos danos sofridos com a
inexecução[7].
Do outro lado, encontramos autores, como RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, que
entende estarmos antes perante uma indemnização devida pelo acto inicialmente
inválido[8].
De notar é, ainda, a posição expressada no voto de vencido de ROSENDO JOSÉ, no Acórdão do STA de 13/03/2003, em que considera “não existir, na verdade,
situações de impossibilidade de execução de sentenças, porquanto será sempre
possível a execução por substitutivo – a indemnização – devendo inverter-se o
ónus da prova do nexo de causalidade, cabendo à Administração o ónus de
reconstituir o procedimento para ficar definido se o recorrente que teve ganho
de causa no recurso teria ou não direito a indemnização”.
Parece-nos,
com o devido respeito, que deve operar-se uma distinção entre a relação
jurídica processual e a relação jurídica substantiva que se traduz na distinção
entre o direito de acção e o direito subjectivo de que o particular é titular,
no âmbito de uma concreta relação jurídica administrativa, e para cuja
protecção o primeiro existe. Também VASCO PEREIRA DA SILVA parece ir neste
sentido[9].
Como refere AROSO DE ALMEIDA[10] e
VERA EIRÓ[11],
a execução da sentença inclui-se tanto na relação jurídica substantiva (quando
se pretenda incluir aqui os efeitos substantivos da decisão do tribunal) como
na relação jurídica processual, pois corresponde, na verdade, ao culminar da
acção. O que este mecanismo proporciona é a transformação desta relação
jurídica processual numa nova relação jurídica substantiva: o autor, quando
alegue ter um direito directo e pessoal na acção, tem direito a uma sentença do
tribunal e à sua execução. Esta relação é nova e funda-se na existência de um
juízo antecipado de uma causa legitima de inexecução da sentença[12].
O facto que dá origem à obrigação de indemnizar consagrada no artigo 102º/5 do
CPTA é, na letra da lei, omitido. Todavia, e considerando a natureza
“antecipatória” do regime, bem como a unidade do sistema jurídico, a ratio legis aponta no sentido de que
também aqui se está perante um montante de indemnização devida pelo facto de
inexecução da sentença, além de que a teleologia do instituto não é a de
substituir todo o regime da responsabilidade extracontratual por acto ilícito
das entidades demandadas junto dos tribunais administrativos. Aliás, como se
tem entendido, para que haja ilicitude não basta a mera ilegalidade de uma
actuação da Administração[13].
Terá, pois, de se exigir uma ilegalidade qualificada, porquanto dever-se-á
exigir que as normas ou princípios violados revelem uma intenção normativa de
protecção do interesse do particular lesado. Ou seja, a consideração pelo
tribunal de vícios que inquinam (e invalidam) o acto (que deve ser conhecida
pelo tribunal enquanto questão prévia da modificação objectiva da instancia)
pode não ser suficiente para gerar, por exemplo em conformidade com o artigo 6º
do DL nº 48051, uma obrigação de indemnizar.
Após
a análise de todos estes pontos é nos perceptível que este regime põe em
confronto “dois interesses públicos”. Por um lado o que se opõe à execução da
sentença. Por outro, o de a Administração cumprir as leis e acatar as decisões
dos tribunais. Facilmente se depreende que, quando existir uma situação de
causa legitima de inexecução, o primeiro interesse público prevalece sobre o
segundo, ficando a Administração constituída no dever de indemnizar.
Quanto
à causa relativa à grave lesão do interesse público, parece de seguir o
entendimento de DIOGO FREITAS DO AMARAL, quando o mesmo considera tratar-se de
uma lógica análoga àquela que vigora para o instituto das expropriações, isto
é, ponderar os interesses em causa e dar como prevalecente o interesse público[14].
AROSO DE ALMEIDA aproxima a figura, de igual modo, do estado de necessidade de
salvaguardar interesses considerados mais importantes sendo, contudo,
obrigatório o pagamento de uma indemnização[15].
Já quanto à causa da impossibilidade, baseia-se a mesma na máxima ad impossibilita nemo tenetur, devendo
defender-se que a mesma consubstancia uma categoria autónoma da anterior,
devendo, para tal, ser encarada de forma objectiva, como circunstância cujo
reconhecimento não envolve a formulação de qualquer juízo valorativo e que
sempre teria de ser admitida como fundamento para a inexecução de uma sentença
Contudo,
a doutrina tem-se vindo a dividir quanto ao tipo de responsabilidade envolvida neste tipo de situações. De um lado encontramos DIOGO FREITAS DO AMARAL[16]
que argumenta estar em causa uma responsabilidade por facto lícito, baseado na
ideia de que o facto constitutivo da responsabilidade seria a execução a que a
Administração teria procedido do acto impugnado. Parece-nos, salvo o devido
respeito, não ser esta a solução a adoptar. Repare-se que a causa legitima de
inexecução pode advir de uma alteração legislativa ou de operações materiais
levadas a cabo por outra entidade que não o autor do acto, não sendo de
aplicar, nestes casos, uma responsabilidade civil por acto licito como
fundamento da obrigação de indemnizar. Por seu turno, AROSO DE ALMEIDA
considera que o acto não deixa de ser ilegal e, por isso, de ser potencial
fonte de responsabilidade civil da Administração pelos danos que tenha causado
e que a execução da sentença nunca seria apta a eliminar[17].
O que existiria, isso sim, seria uma obrigação de indemnizar ainda com origem
na causa geradora da situação ilegal – o acto inicialmente ilícito – mas por
via de um “terceiro degrau de tutela”: a responsabilidade objectiva pelo acto
ilegal, não havendo todavia o dever geral de reparação integral dos danos.
Quanto
a nós, é de entender que a quebra do nexo de causalidade é suficiente para se
concluir que o fundamento desta obrigação de indemnizar não passa por uma
responsabilidade pela prática do acto ilícito (nem da forma mitigada, como
propõe AROSO DE ALMEIDA)[18],
e isto porque a causa legitima de inexecução encontra justificação na
prevalência de um interesse publico face ao interesse do privado na execução da
sentença e na imposição de um sacrifício que se prende com a desnecessidade de
uma conduta processual. Mesmo no concernente ao segundo tipo de casos, tal é
comprovado pela inexistência de um efeito suspensivo imediato associado à mera
propositura das acções administrativas. Além do mais, tal entendimento levaria
a uma transfiguração radical dos pressupostos da responsabilidade civil que não
parece ser minimamente “desejado” pelo preceito em causa. Aliás, atente-se, com
MARIA LÚCIA AMARAL[19],
que é dotada de particularidades a situação que ocorre sempre que o Estado
prejudica "sem querer". O dever de indemnizar só existe a partir do momento em
que o dano se produz, porque este não foi querido nem previsto pelo acto de
vontade. Parece que, neste tipo de situações, a actuação pública gerou o dever
mas não nasceu com ele, apenas foi fonte de algo que logicamente lhe é
posterior, dando origem a uma relação obrigacional nova que não existia nem
podia existir antes da produção dos efeitos do acto. Como tal, o dever de indemnizar
terá como fonte a responsabilidade civil. Ora, o busílis da questão é que, nos
casos que estamos a investigar, a indemnização surge como parâmetro de valor da
conduta da Administração (fundada num principio de justiça distributiva e não
comutativa), que se não executar a sentença sem que seja atribuído o montante
de indemnização devida ao autor, estará, ainda que justificada por uma causa
legítima, a actuar de forma contrária ao bloco legal. Em suma, parece ser de
concluir que esta obrigação de indemnização não se funda na responsabilidade
civil da Administração, mas antes no princípio da tutela jurisdicional
efectiva, por um lado, e num instituto próximo ao da expropriação, por outro[20].
Por
fim, antes de entrarmos em questões de maior profundida técnica, nunca se deve
esquecer, e esta é uma das principais consequências de tudo quanto foi
defendido até ao momento, de que ao autor é sempre possível, além da
indemnização a que tenha direito pela “perda” de sentença, intentar uma acção
de responsabilidade civil para ser compensado de todos os danos causados pelo
acto inicialmente ilícito, desde que preenchidos os pressupostos da
responsabilidade civil por facto ilícito.
Quanto
à exigência de impossibilidade absoluta importa notar, com AROSO DE ALMEIDA, que
ao abrigo do principio da proporcionalidade, uma sentença que determina um
desproporcionado sacrifício do interesse público é juridicamente impossível[21].
Contudo, parece ser de adoptar, neste ponto, a interpretação que prevaleceu no
acórdão do STA de 11/04/2002, em que foi defendido que a ponderação de
interesses é realizada apenas para efeitos de preenchimento do conceito de
grave prejuízo para o interesse público, ou seja, para os casos dos do tipo da
primeira situação analisada.
Cabe,
por fim, analisar de forma critica o dever de indemnizar que cabe à
Administração Pública e o montante dessa indemnização. Uma questão muito
debatida na doutrina a este respeito foi a concernente à possibilidade de o
autor e a entidade demandada acordarem uma indemnização, sem que haja um juízo
antecipado de impossibilidade absoluta de execução da sentença. A este respeito
VIEIRA DE ANDRADE[22]
admite a possibilidade de transacção nestes casos, considerando que as causas
legitimas de inexecução “têm de ser reconhecidas por acordo do interessado ou
julgadas procedentes pelo juiz” e que o interessado poderá optar pela
indemnização, mesmo fora das situações legalmente previstas como causas
legitimas de inexecução. Quanto a nós, esta posição não se justifica. Não só
porque no mecanismo de convolação objectiva da instância em processo
declarativo não se prevê a possibilidade de os contra-interessados serem
ouvidos, o que levaria, na falta de uma verdadeira impossibilidade absoluta, a
postergar os interesses dos contra-interessados que revelem interesse na
execução de uma sentença que venha invalidar o acto posto em crise. Além do
mais, uma posição deste tipo levaria à debilitação do principio da legalidade e
da ordem pública, deixando a decisão sobre uma determinada ilegalidade na livre
disponibilidade das partes.
Quanto
à obrigação de indemnização, parece decorrer do entendimento de AROSO DE
ALMEIDA que não se trata tão-somente de uma responsabilidade processual, mas
também de um regime substantivo que, nestes casos de impossibilidade de
execução da sentença, faz nascer a obrigação de indemnização da existência de
uma responsabilidade civil objectiva, portanto, independentemente de culpa, não
sendo ressarcidos todos os danos sofridos[23].
Contudo, parece mais consentâneo ser de entender que o regime de
responsabilidade se aproxima ao da expropriação. Como refere VERA EIRÓ, deixam
de ser relevantes os pressupostos da responsabilidade civil, particularmente o
elemento da ilicitude, uma vez que aquilo que está em causa é a existência de uma
causa legitima de inexecução que quebra o nexo de causalidade com o acto
inicialmente ilícito[24]. Como
tal, mesmo que o juízo de mérito do juiz quanto à invalidade do acto conclua
pela existência de um acto que, embora ilegal, não preencha o requisito da ilicitude
em sede de responsabilidade civil, a constituição da Administração numa
obrigação de indemnizar não depende deste requisito, sendo também de recusar
importância à eventual culpa da Administração ou do lesado. Parece-nos ser este
a posição a seguir.
Veja-se,
ainda, que o conceito de “justa indemnização” importado do regime da
expropriação terá que se aproximar do montante do dano devido pelo autor, sob
pena de uma “sobreprotecção jurídica”. Na verdade, ainda que nos afastemos do
instituto da responsabilidade civil como fonte desta obrigação de indemnização
devida, não podemos olvidar que o que se pretende é ressarcir o dano de “perda
de sentença”, e não sancionar a Administração por ter executado o acto posto em
crise. A atribuição de indemnização não parece , neste caso, representar um fim
principal de natureza sancionatória nem preventiva – porque não se pretende que
a mera propositura de uma acção administrativa especial (no caso de contencioso
pré-contratual de natureza urgente) maniete a acção da entidade demandada -,
mas sim ressarcitória. Caso contrário, teria o legislador atribuído o efeito
suspensivo automático associado à propositura de acções administrativas
especiais – o que não fez. Defendemos, por isso, que deve haver lugar a uma
indemnização do autor pela inexecução de uma sentença que, nos casos do artigo
102º/5 determinaria, regra geral, o reiniciar do procedimento de formação do
contrato público objecto do procedimento de formação de contrato onde se
integrou o acto impugnado.
Contudo,
tendo em conta tudo quanto foi dito anteriormente, qual deve ser o dano a ser
ressarcido?
Desde
logo, com AROSO DE ALMEIDA, diremos que o dano de inexecução de sentença deve
ser feita casuisticamente[25].
Em segundo lugar, não se deve perder de vista que o autor tem de ser ainda a
possibilidade de ser ressarcido dos danos que tenha sofrido e que apresentem um
nexo de causalidade com o acto inicialmente ilícito. Por ultimo, parece ser de
considerar que o calculo da justa indemnização deve atender a critérios específicos,
que não os consagrados no Código das Expropriações.
Estes
critérios devem ser dois. Primeiro, e no seguimento do defendido por VERA EIRÓ[26],
deve ser revelado o principio da igualdade. Repare-se que o autor, ao propor a
acção, incorreu em despesas e fez um investimento dirigido, em primeiro lugar,
à emissão de uma sentença favorável aos seus interesses e, em segundo lugar, à
efectiva execução dessa sentença, levando a que estas despesas em que incorreu
o coloquem numa situação de desigualdade que justifica uma compensação, devendo
esta cobrir todos os custos do processo.
Quanto
ao segundo critério, não obstante no acórdão do STA de 07/03/2006 ter-se
considerado que, regra geral, os custos de proposta não são indemnizáveis por
serem comuns a todos os concorrentes preteridos e representarem um risco de
investimento, parece ser mais concordante com a Directiva 92/13/ CEE (artigos
2º/7 e 79º/4 do projecto de Código dos Contratos Públicos), a interpretação de
que os custos associados à preparação da proposta assumem uma natureza de quantum mínimo de indemnização, devendo
ser tomados em conta os custos associados à preparação da proposta.
Concluir-se-á
a explanação deste tema com uma frase bastante ilustrativa de VERA EIRÓ:
“afinal, esta indemnização devida corresponde a um montante que não terá
equivalência com o cômputo do dano e a obrigação de indemnizar fundada na
responsabilidade civil por acto ilícito”[27].
Contudo, importa relembrar que a atribuição desta indemnização depende do
preenchimento de pressupostos menos exigentes do que os pressupostos da
responsabilidade civil por acto ilícito – sendo que, em contratação pública, o
pressuposto do nexo de causalidade corresponde, nas mais das vezes, a uma prova
diabólica, pois, como tem vindo a reconhecer a jurisprudência comunitária, a
actividade de avaliação das propostas é insindicável, dependendo o nexo de
causalidade da demonstração de que não fora o acto impugnado, o autor teria
sido o adjudicatário do contrato.
Conclua-se
apenas com uma advertência. Como refere DIOGO FREITAS DO AMARAL, as causas
legitimas de inexecução acarretam sempre algum risco para a construção de um
Estado de Direito, na medida em que acaba por redundar na outorga à
Administração da possibilidade, unilateral ou mediante acordo do particular, de
se libertar do dever de reintegrar a legalidade ofendida por um acto
administrativo ilegal anulado por sentença e do dever de reintegrar in natura as posições jurídicas
subjectivas por si lesadas[28].
Aliás, como explicita MARCELLO CAETANO[29]
as causas legítimas de inexecução vêm, afinal, revelar que o caso julgado
administrativo é só condicionalmente obrigatório para a Administração, e que o
direito dos particulares à execução das sentenças proferidas pelos tribunais
administrativos é um direito condicionado. Por essa razão, deve ser este
instituto somente aplicado quando dotado de uma especial prudência e rigor.
Também MIGUEL PRATA ROQUE[30]
afirma que a Administração Pública teima em manter a crença de que é,
simultaneamente, mestrina e prima donna do baile
mandado, em que a sua percepção unilateral daquilo que seria o interesse
público se impõe, qualquer que seja a fase da tramitação processual. Foi por
estas mesmas razões que VASCO PEREIRA DA SILVA considerou, em tempos, esta
solução manifestamente inconstitucional[31]
por violação do principio da separação de poderes e do principio do pedido.
Contudo, hoje em dia tal preocupação já não faz sentido. Para terminar o
trabalho diremos que a impossibilidade absoluta é uma causa objectiva cuja
verificação não envolve qualquer espaço de reserva da função administrativa,
assim como a exigência de um “excepcional prejuízo para o interesse publico”
tão pouco confere uma margem de livre apreciação que deva ser protegida em
detrimento dos outros valores jurídico-constitucionais que esta medida pretende
salvaguardar. Quanto ao principio do pedido, hoje em dia, o pedido formal é
menos relevante do que a pretensão formulada pelo autor ou do que a resolução
global da situação litigiosa. Como tal, parece ser de concluir que a própria
tutela jurisdicional efectiva justifica que o juiz possa conhecer, a partir dos
elementos de facto que as partes aduziram ao processo, da existência de uma
causa legitima de inexecução que obsta a uma tutela jurisdicional primária – à
procedência especifica do pedido originário -, mas não a uma tutela secundária
– à fixação de indemnização respectiva.
[1] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise, 2005, p. 264.
[2] VIEIRA DE ANDRADE, Justiça Administrativa, 2006, p. 410
[3] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações
jurídicas emergentes, 2002, pp. 807-810.
[4] VASCO PEREIRA DA SILVA, Todo o Contencioso Administrativo se tornou
de Plena Jurisdição,in Cadernos de justiça Administrativa, nº 19 (Jul.-Ago.
2002), p. 31.
[5] VERA EIRÓ, Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, 2008, pp. 809-810.
[6] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações
jurídicas emergentes, pp. 816-817; VIEIRA DE ANDRADE, Justiça Administrativa, p. 411.
[7] DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das Sentenças dos Tribunais
Administrativos, 1997, p. 118.
[8] RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Processo Executivo, Algumas Questões, p.
259.
[9] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise, 2005, p. 280-285.
[10] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações
jurídicas emergentes, pp. 791-792;
[11] VERA EIRÓ, Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, 2008, pp. 812-813.
[12] Parece-nos que esta distinção é
de enorme importância, na medida em que da mesma resulta a consideração de que
o autor poderá ser, simultaneamente, o credor de uma obrigação de indemnizar
fundada na inexecução de uma sentença a seu favor e manter-se credor de uma
outra obrigação de indemnizar fundada no acto inicialmente posto em crise.
[13] MARAGRIDA CORTEZ, Responsabilidade civil da Administração por
actos administrativos ilegais e concurso de omissão culposa, in Boletim da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2000, p. 72.
[14] DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das Sentenças dos Tribunais
Administrativos, p. 246.
[15] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações
jurídicas emergentes, pp. 783-784.
[16] DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos,
pp. 131-135.
[17] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações
jurídicas emergentes, pp. 814-817.
[18] No mesmo sentido, VERA EIRÓ, Estudos Comemorativos dos 10 anos da
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2008, p. 816.
[19] MARIA LÚCIA AMARAL, A Responsabilidade do Estado e o Dever de
Indemnizar do Legislador, 1998, pp. 415-416.
[20] No seguimento do pensamento de
VERA EIRÓ, Estudos Comemorativos dos 10
anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2008, pp.
817-818.
[21] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações
jurídicas emergentes, pp. 787-788.
[22] VIEIRA DE ANDRADE, Justiça Administrativa, p. 409.
[23] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações
jurídicas emergentes, p. 793.
[24] VERA EIRÓ, Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, 2008, p. 832.
[25] AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações
jurídicas emergentes, p. 820.
[26] VERA EIRÓ, Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, 2008, p. 836.
[27] VERA EIRÓ, Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, 2008, p. 838.
[28] DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das Sentenças dos Tribunais
Administrativos, pp. 131-141.
[29] MARCELLO CAETANO, apud DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das Sentenças dos Tribunais
Administrativos, p. 156.
[30] MIGUEL PRATA ROQUE, “Alto e pára o baile!”– O excepcional
prejuízo para o interesse público como mera causa de inexecução da decisão
cautelar - acórdão do TCA Sul de 17/3/2011 , in Cadernos de Justiça
Administrativa nº 97, p. 47.
[31] VASCO PEREIRA DA SILVA, Todo o Contencioso Administrativo se tornou
de Plena Jurisdição,in Cadernos de justiça Administrativa, nº 19 (Jul.-Ago.
2002), p. 30.
Diogo Coelho, nº 22003
Visto.
ResponderEliminar