segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A (nova) acção administrativa e a sua estrutura monista na revisão do CPTA

Hoje em dia a acção administrativa divide-se em processos urgentes e não urgentes. Por conseguinte esta última divide-se em acção administrativa principal e acção administrativa comum, assim o actual CPTA tem carácter dualista, carácter este que está prestes a mudar com a revisão do CPTA.
Contudo esta dualidade não tem carácter absoluto, mas sim relativo ou imperfeito. E justifica-se devido à natureza específica e diversa das relações jurídico-administrativas, como refere o Prof. Dr. Sérvulo Correia.
 E diz-se imperfeita porquê? Porque a acção administrativa comum e especial, embora tenha tramitações diferentes, na vertente comum o CPTA encarregou o CPC de regular a sua matéria (35º/1), e relativamente à vertente especial existe no CPTA o título III que regula especificamente a sua tramitação (35º/2),  estas duas “acções” comunicam entre si, têm pontos de contacto, em que muitas vezes na acção comum se entrelaçavam normas especificas da acção dita especial e vice versa. Uma das situações que acabei de referir encontra-se no artigo 5º/1.
 Já o Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva nunca concordou com esta dualização da acção administrativa, dizendo que é antiga, e que contribui para enfatizar a excepcionalidade do Direito Administrativo sendo esta visão também arcaica.

Assim na revisão do CPTA adopta-se uma nova forma de acção administrativa, esta perde o seu carácter dualista e torna-se monista, existe apenas a acção administrativa (35º/1 da revisão do CPTA). Apesar de a revisão do CPTA inovar relativamente a este aspecto, esta inovação é tímida pois tem grande proximidade com a solução dualista. Esta nova forma de processo também é imperfeita, pelas mesmas razões apontadas supra, continua a verificar-se “aqui e ali” conotações dualistas. A grande diferença reside que relativamente a toda a marcha do processo tanto se aplica o regime do CPC como o regime específico do CPTA, não sendo necessário fazer destrinças de acções.
  São maiores as vantagens projectadas por um processo unificado, desde logo vantagens de simplificação, melhor clareza no conhecimento das regras, maior segurança ao nível da sua aplicação e por último, mas não menos importante, deixa de parte a anterior rigidez da acção administrativa especial relativamente à sua tramitação que por sua vez dá lugar a uma maior flexibilidade.
 Com esta unificação surge a necessidade de dar maior ênfase ao artigo 6º do CPC, relativo à adequação processual. Este princípio já esta presente no actual CPTA, pois subsidiariamente aplicam-se as normas contidas no CPC (1º do CPTA). Mas com a reforma do CPTA, este princípio ganha um novo e relevante estatuto, ainda que tímido. Pois deixa de existir a dualização das formas de processo, e com esta cai também a sua rigidez, entra-se num processo mais maleável, conduzido pelo juiz, este passa a realizar a tramitação tendo em conta a específica causa de pedir, o pedido, e as matérias em questão. O juiz adapta a tramitação do processo às necessidades concretas do caso, a uma decisão final justa e efectiva. Encontramos o princípio da adequação processual no novo artigo 87ºA/2 da revisão do CPTA.
Ainda assim, existe um (novo) capítulo II, que trata especificamente de “disposições particulares”, que se aplicam essencialmente a questões intrinsecamente administrativas,  as “verdadeiras” questões administrativas.  Apesar de o processo seguir forma única este capítulo ainda é necessário devido à essência particular de certas relações jurídico-administrativas.

Audiência Prévia e  Réplica na revisão do CPTA

No actual regime do CPTA o autor também tem direito de invocar as excepções deduzidas pelo réu, mas só após a notificação do juiz (87º/1 a) CPTA) e apenas oralmente. No novo regime consagra-se a figura da Audiência Prévia ( 87ºA revisão do CPTA), contudo com uma distinção muito relevante relativamente ao CPC, no processo administrativo a audiência prévia é facultativa (proémio do nº1 do 87ºA do novo CPTA) podendo realizar-se num dos casos elencados nas alíneas do 87ºA. Nesta fase oral pode responder-se às excepções invocadas pelo réu. Mas como é opcional acaba por fazer “renascer” para a jurisdição administrativa a figura da réplica e da tréplica, estas existirão sempre que o autor queira responder às excepções invocadas pelo réu na contestação, enquanto que na audiência prévia sendo facultativa isso não se verifica, tudo depende da vontade do juiz e da necessidade da sua realização (85ºA nº1 e 2 novo CPTA). A tréplica admite-se apenas para o autor responder às excepções invocadas na réplica quanto a matéria de reconvenção (85ºA/6 novo CPTA). Faz sentido que a audiência prévia seja facultativa,  e faz sentido que apenas esteja prevista quando exista complexidade da matéria de facto.
Tanto no regime actual como no da revisão não se consagra o ónus de impugnação, a falta de contestação não tem nenhum efeito cominatório (82º/4 revisão CPTA), a única diferença está na sua aplicação. Actualmente esta falta do ónus de impugnação apenas se verifica para a acção administrativa especial, se esta dualização entre acção administrativa especial e comum deixa de existir, tornando-se uma só, então a dispensa do ónus de impugnação diz respeito a todo o contencioso administrativo não urgente.
Em suma, o princípio da adequação formal presente no CPC, deve ser transposto para o Processo Administrativo cum grano salis, pois é necessário ter em conta o que individualiza a justiça administrativa, ou seja, as suas específicas relações jurídico-administrativas. São relações específicas quando comparadas com as demais, mas não esquecer que esta especificidade não lhe confere um poder excepcional face ao Direito Civil. Além de que este princípio deveria ter sido introduzido no próprio texto da revisão do CPTA, permitiria transmitir uma maior segurança e certeza na sua efectiva aplicação, reforçando o seu peso no novo regime do CPTA.  É através deste princípio que o juiz pode decidir sobre a necessidade de realização da audiência prévia, pois quando não exista grande complexidade da matéria de facto, este não realizará a audiência. Já que sendo facultativa o juiz decide o que for efectivamente melhor para a justiça e celeridade do caso.  Parece-me compreensível que diferentemente do que acontece no CPC a audiência prévia seja facultativa, pois aqui existe a réplica que neutraliza a função da audiência prévia, e também devido à sua escassa utilidade no grosso da actividade administrativa (impugnação de actos quer de regulamentos…) pois nestes casos os factos em regra, não se encontram controvertidos. Nos casos em que exista uma grande complexidade de factos controvertidos fará todo sentido recorrer à audiência prévia até para tornar o processo mais célere.
Há dez anos atrás o Contencioso Administrativo Português não estava preparado para dar este passo de unificação da forma do processo administrativo. Se o tivesse feito teria dado um  “passo maior que a perna”,  naquela altura a reforma de 2002-2003 já foi um grande evolução.  Passada esta década o Contencioso Administrativo ganhou “maturidade” suficiente para acolher esta matriz monista, já acolhida noutros ordenamentos jurídicos como por exemplo,  em Espanha. Este período de “experiência”  fez com que se ganhasse solidez para perceber o que está mal e deve de ser mudado.



Carolina Felisberto
Aluna nº22087

Bibliografia:
Cadernos de Justiça Adminsitrativa, nº106 de Julho/Agosto de 2014
Revista Electrónica de Direito Público 


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