O art.º 161º do CPTA tem como epígrafe
“Extensão dos efeitos da sentença”. Antes de mais, importa explicar, em breves
palavras, o que é este mecanismo e para que serve. Ora, a extensão dos efeitos
da sentença (a casos idênticos no contencioso administrativo) é, como refere
JOÃO TIAGO SILVEIRA, um mecanismo que permite ao particular, que se encontra
numa situação idêntica à de casos julgados pelos tribunais administrativos e
com sentença transitada em julgado, estender os efeitos de uma dessas sentenças
ao seu caso concreto, por não apresentar especificidade em face daquelas. O nº
2 vem acrescentar que tal ferramenta poderá ser utilizada quando tenham
existido cinco sentenças transitadas em julgado no mesmo sentido ou, no caso de
se tratar de uma situação de processos em massa, tenham sido decididas em três
casos os processos selecionados segundo o disposto no art.º 48º.
Este mecanismo tem como objectivo, em
termos práticos, o descongestionamento dos tribunais administrativos e evita o
fenómeno de massificação processual; ademais, promove a igualdade de tratamento
relativamente a situações que, entre si, são idênticas. E, por fim, garante uma
resposta rápida na solução de questões que opõem a administração pública aos
particulares.
O âmbito de aplicação desta norma vem
previsto no art.º 161/1 que contém uma previsão ampla, abrangendo qualquer
pedido que caiba no contencioso administrativo. Importa referir que, pese
embora o facto do nº2 se referir apenas à “(...)
sentença (...) que tenha anulado...”, o mesmo não significa que este não
abranja a nulidade, pois utiliza-se a expressão “anulado” em sentido amplo, caindo aqui as situações consideradas
pelo tribunal administrativo anuladas, nulas ou até mesmo inexistentes. Porém,
no que respeita à extensão dos efeitos de sentenças a pedidos cautelares, o
caso muda de figura, pois o art.º 161º prende-se com decisões principais e
definitivas, o que vai contra a própria natureza do procedimento cautelar e,
por isso, não poderá nestes casos funcionar o mecanismo aqui previsto.
Relativamente aos requisitos deste artigo,
o TCA (Sul) tem apontado em diversos acórdãos (vide exemplo nos processos nº
07383/11 e 05701/09) quatro requisitos, nomeadamente i) que o requerente se
encontre na mesma situação jurídica da pessoa a que se reporta a sentença
transitada em julgado; ii) que, quanto ao requerente, não haja sentença
transitada em julgado; iii) que os vários casos já decididos sejam
perfeitamente idênticos; iv) que, no mesmo sentido, tenham sido proferidas 5
sentenças transitadas em julgado ou, existindo situações de processos em massa,
nesse mesmo sentido tenham sido decididos em 3 casos os processos seleccionados
segundo o disposto no art.º 48º. JOÃO
TIAGO SILVEIRA, nos Estudos em Homenagem
a Miguel Galvão Teles (Volume I), no seu artigo sobre a extensão dos
efeitos de sentenças, acrescenta a estes requisitos outros tantos relativos,
nomeadamente, ao decurso do prazo de prescrição, à existência de um processo
judicial pendente caso existam contrainteressados (art.º 161/5), à apresentação
de requerimento à entidade administrativa demandada, à impossibilidade de
apresentação do pedido após o decurso do prazo e à impossibilidade de
apresentação do pedido quando o acto tenha sido aceite. Vou-me, no entanto,
pronunciar apenas sobre dois deles que considero que criam mais dúvidas e
necessitem de esclarecimento e que têm gerado mais polémica...
O artigo 161º no seu número 2 refere que “O disposto no número anterior vale apenas
para situações em que existam vários casos perfeitamente idênticos...”. O ex libris da questão reside na expressão
“idênticos”. Ora bem, à partida poderia pensar-se que seria de exigir que os
casos fossem não apenas idênticos no sentido mais abrangente da palavra mas que
a questão jurídica em causa e os contornos factuais fossem impreterivelmente
iguais, em absoluto. Ou seja, em relação à matéria de facto, a não ser que esta
altere por completo a caracterização da situação jurídica, as divergências não
são relevantes. Por sua vez, se eventualmente se tratar de um caso de pronúncia
de órgãos localizados em diferentes pessoas colectivas públicas ou ministérios
faltará a identidade a que o art.º 161/2 alude, mas não faltará identidade
quando são diferentes órgãos administrativos de uma pessoa colectiva pública ou
de um ministério.
Diz-nos ainda o número 2 que o disposto no
número 1 só vale quando “(...) tenham
sido proferidas cinco sentenças transitadas em julgado ou, existindo situações
de processos em massa, nesse sentido tenham sido decididos em três casos os
processos seleccionados segundo o disposto no artigo 48º.” Têm-se levantado
algumas questões e têm surgido algumas críticas nesta matéria. Ora, a primeira
prende-se com o número adoptado de casos para os processos em massa que vem regulado
no art.º 48º, isto porque o número pode ser demasiado penoso. Passo a explicar:
diz-nos o art.º 48º que para haver uma situação de processo em massa têm de se
intentar mais de 20 processos que digam respeito à mesma relação jurídica
material ou que sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das
mesmas normas a idênticas situações de facto, ou seja, seguindo esta lógica
exige-se cerca de 60 processos pois só assim haverá as 3 sentenças a que o
artigo 161º alude e exige. Não sei até que ponto é que não bastaria uma
sentença, pois já teria havido 20 processos idênticos... Creio que não há
necessidade de um regime tão agravado e tão exigente nesta matéria. Outra
crítica que se pode eventualmente apontar é o facto de não haver (e dever haver!)
algumas decisões de tribunais superiores suficientes por si só para
justificarem a extensão. Sei que é, de certa forma, um pouco arriscado e
percebe-se que assim não seja olhando para o regime que, como referi ainda
agora, é por vezes exigente. Portanto, pese embora o regime neste momento
esteja, na minha opinião, demasiado exigente, creio que seria benéfico
reduzir-se o número de sentenças de processos em massa e criar-se um mecanismo
que permitisse que certas decisões de tribunais superiores fossem suficientes
para justificar a extensão, como por exemplo um acórdão unificador de
jurisprudência emitido pelo STA!
O pedido de extensão dos efeitos é
solicitado a uma entidade administrativa, o que vai fazer desencadear um procedimento administrativo, terminando
com a emissão de uma decisão por essa entidade ou na ausência de resposta no
prazo de três meses (161/4). No decorrer do procedimento pode ser necessário
realizar uma audiência dos interessados para, casos existam, se ouvir os
contrainteressados. Pergunta-se se preenchidos os requisitos se torna a
Administração vinculada à decisão de estender os efeitos de sentença emitidas
em casos idênticos. Pois bem, parece que com a utilização da expressão “podem”
no art.º 161/1, que essa extensão é um poder discricionário. Pese embora o
referido, a verdade é que o que se vai fazer é um juízo de valor relativo à
identidade dos casos julgados com o caso idêntico e, assim sendo, não é
propriamente um juízo que dê grande margem à administração, de maneira que o
referido poder discricionário não é nada mais do que uma segurança para evitar
a multiplicação de processos idênticos.
O art.º 161/4 refere que “Indeferida a pretensão ou decorridos três
meses sem decisão da Administração, o interessado pode requerer, no prazo de dois
meses, ao tribunal que tenha proferido a sentença, a extensão dos respectivos
efeitos e a sua execução em seu favor, sendo aplicáveis, com as devidas
adaptações, os trâmites previstos no presente título para a execução das
sentenças de anulação de actos administrativos.”, ou seja caso o pedido
seja indeferido por parte da Administração (entidade administrativa competente)
ou não seja obtida resposta no prazo de três meses, pode o interessado
solicitar a extensão dos efeitos da sentença ao tribunal administrativo, no
prazo de dois meses, através do mecanismo de
execução de sentenças de anulação. O pedido de extensão deverá ser
solicitado ao tribunal que tenha ditado a sentença.
Para finalizar, cumpre tecer algumas
conclusões. Ora, a extensão dos efeitos de sentenças a casos idênticos no
contencioso administrativo foi introduzida pela Reforma do Contencioso
Administrativo, sendo por isso um mecanismo considerado jovem e, jovem como é,
ainda tem que se consolidar e sedimentar. Tem que crescer e esse crescimento
também é feito dos erros. Não é para se cair numa proliferação destes casos,
não é para tornar o caminho mais fácil e desentupir os tribunais
administrativos mas, de facto, se calhar é importante tornar-se este sistema
menos oneroso, como o é nos processos em massa, por exemplo. É um mecanismo que
está repleto de vantagens, se bem utilizado, se bem analisados os requisitos,
se antecedido de um bom discernimento por parte da entidade administrativa
competente para o efeito. Assim, embora esta tenha sido uma análise se calhar
não tão aprofundada como o artigo merece, como um tema de tese, mas foi a
necessária para eu compreender que foi uma boa introdução no CPTA, que é um
mecanismo capaz de descongestionar os tribunais administrativos, promovendo a
igualdade relativamente a situações idênticas, de uma forma célere e eficaz,
lado a lado com os restantes mecanismos que a Reforma introduziu.
Bibliografia
SILVEIRA, JOÃO TIAGO - A extensão dos efeitos de sentenças a casos idênticos no contencioso administrativa, em Estudos de Homenagem a Miguel Galvão Teles, Volume 1, 2012, Almedina.
Ac. Tribunal Central Administrativo Sul, processo 05701/09
Ac. Tribunal Central Administrativo Sul, processo 07383/11
MACHADO, RUI - Extensão dos efeitos da sentença em Relatório/Estudo jurídico realizado no âmbito do Mestrado em Ciências Jurídico-Administrativas na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2011/2012.
Assunção Belmar da Costa Vassalo Bernardino
Visto.
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