por Teresa Mouro, aluna n.º 21972
O tempo urge e existem
determinadas questões que devem receber uma rápida resolução judicial. Questões
essas que não devem e não podem, pelo seu mérito, demorar a decidir o tempo que
é tido como normal para a generalidade dos processos. Atendendo a tais
necessidades, a Reforma do Contencioso Administrativo introduziu a figura dos
Processos Urgentes, a que o CPTA dedica o Título IV. Todavia, se hoje aparece
autonomizado em duas categorias – vulgo: impugnações relativas a eleições
administrativas e à formação de certos tipos contratuais; e intimações para
prestação de informações e para protecção de direitos, liberdades e garantias
-, à luz do anterior regime, o conceito de processo urgente confundia-se e
extinguia-se no conceito de procedimento cautelar, visto que se apresentava
como uma característica e não como uma forma de processo, conforme o disposto
no artigo 36º, n.º 1 do CPTA. É a relação entre estas duas figuras – mais concretamente,
no contencioso pré-contratual, regulado nos artigos 100º a 103º, e os
procedimentos cautelares, artigo 112º e seguintes -, que vai merecer a nossa
atenção nas próximas linhas.
O contencioso pré-contratual define-se
como o conjunto de garantias jurisdicionais de tutela dos direitos e interesses
legalmente protegidos dos particulares, face a actos administrativos e normas
conformadoras dos procedimentos de formação dos contratos elencados de forma taxativa no nº 1 do artigo
100º, que lesem esses mesmos direitos ou interesses. Como refere o supracitado artigo, trata-se, na
verdade, de estabelecer um regime específico para a impugnação contenciosa
dos actos administrativos praticados no âmbito do procedimento de formação
de certos e determinados tipos contratuais públicos: os contratos de empreitada
de obras públicas, de concessão de obras públicas, de prestação de serviços e
de fornecimento de bens. Contudo, importa salientar a extenção da aplicação
desta forma de processo a actos jurídicos que não são actos administrativos.
É o que sucede com o programa do concurso, o caderno de encargos e os demais documentos
conformadores do procedimento de formação do contrato, que, pelo seu conteúdo
genérico, não devem ser qualificados como actos administrativos (artigo 100º,
nº 2). É também o caso dos actos jurídicos praticados por sujeitos privados, no
âmbito de procedimentos pré-contratuais de direito público (artigo 100º, nº
3). Está, neste último domínio, a pensar-se nos casos em que pessoas
colectivas de direito privado são obrigadas por lei a adoptar — ou, em
todo o caso, optam por adoptar — procedimentos pré-contratuais previstos e regulados por normas
de direito público.
A sujeição do contencioso
pré-contratual ao regime autónomo dos processos urgentes, enquanto processo de
“tramitação especial”, foi feita através de uma delimitação negativa – visto
que o artigo 46º, nº 3 exclui de forma expressa os actos praticados no âmbito
dos procedimentos para a formação de contratos previstos no artigo 100º, n.º1 –
e de uma delimitação positiva – por se considerar que apenas os procedimentos
para a formação de contratos elencados no artigo 100º, nº1 ficam sujeitos à
disciplina do contencioso contratual, ainda que se estenda o seu âmbito de
aplicação material aos números 2 e 3 do presente artigo. E resultou da
necessidade de assegurar duas ordens de interesses: promover a transparência e
a concorrência, garantindo, simultaneamente, o início rápido da execução dos
contratos e a respectiva estabilidade depois de celebrados, de modo a proteger
os interesses públicos em causa e os interesses dos contratantes.
Não obstante de se tratar de um
processo instituído em razão da urgência na obtenção de uma decisão de fundo
sobre o mérito da causa, o contencioso pré-contratual pode inclusivamente ser
articulado com os processos cautelares previstos no artigo 112º e seguintes, de
modo a que se acautele de melhor forma os interesses legalmente protegidos e os
direitos dos particulares, evitando, assim, os efeitos lesivos do acto ou norma
que pretendem ver impugnados. Desta feita, tendo em consideração a natureza
acessória e desprovida de autonomia dos processos cautelares, concluímos que
entre eles e o contencioso pré-contratual se estabelece uma relação de
dependência, na medida em que será neste último que, sem prejuízo do
preceituado no artigo 121º, se decidirá sobre o mérito da questão.
Por último, não poderíamos
finalizar o estudo da relação entre o contencioso pré-contratual, enquanto
processo urgente, e os procedimentos cautelares sem antes fazer uma breve
referência ao regime específico do artigo 132º, atinente às providências
relativas aos procedimentos de formação de contratos. Nos termos do n.° 1 do
artigo 132º, quando estejam em causa a anulação ou declaração de nulidade ou
inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação de
contratos, podem ser requeridas providências destinadas a corrigir a
ilegalidade ou de impedir que sejam causados danos aos interesses em presença, incluindo
a suspensão do procedimento de formação do contrato. Daqui resulta que,
aparentemente, o mesmo apenas se aplica à impugnação de actos administrativos,
não prevendo a adopção de providências cautelares para evitar a produção de
efeitos lesivos resultantes de normas conformadoras ilegais, o que nos leva a
concluir pela não coincidência com os objectivos do contencioso pré-contratual.
Tal posição encontra acolhimento por parte de alguma doutrina, que entende não
haver periculum in mora, derivado o facto das normas conformadoras dos procedimentos
pré-contratuais serem conhecidas desde o início do concurso e, como tal, o
processo urgente, previsto no n.º 2 do artigo 100º, é considerado suficiente
para acautelar os direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares.
Porém, quando confrontado com o n.º 7, deparamo-nos com uma referência expressa
à impugnação das disposições conformadoras dos procedimentos pré-contratuais,
pelo que entendemos que o legislador pretendeu que este regime cautelar específico
também se aplicasse à impugnação de norma.
Concluindo, quanto aos critérios
de decisão das providências cautelares, resta-nos fazer referência a dois
aspectos intimamente relacionados com o contencioso pré-contratual. No início
deste artigo caracterizámos os processos urgentes, como processos que visavam a
obtenção, de modo célere, de uma decisão quanto ao mérito da causa. Este
continua a ser o âmago dos processos urgentes. Contudo, no âmbito dos
procedimentos cautelares, e sobretudo no que toca aos critérios de decisão,
vemos que existem disposições que transformam o próprio procedimento cautelar
em meio de decisão do mérito da causa, ainda que na pendência de um processo
urgente como seja o contencioso pré-contratual.
Desde logo, o próprio artigo 120.°, n.° 1, al. a) prevê que o tribunal decrete a providência cautelar quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado, declarado nulo ou inexistente. Não sendo esta, à semelhança das demais, uma definição expressa da antecipação da decisão do mérito da causa, não deixa de ser, de facto, uma decisão de fundo, na medida em que o decretar da providência cautelar tem como fundamento a invalidade do acto em causa. Ainda assim, no já nosso conhecido nº 7 do artigo 132º, previu-se expressamente a possibilidade do juiz, desde que demonstrada a ilegalidade da especificação contida nos documentos do procedimento, corrigir essa ilegalidade, através dos seus amplos poderes de pronúncia, decidindo assim do fundo da causa, segundo o artigo 121º.
O artigo 121.° é aquele que mais
directamente contende com o contencioso pré-contratual enquanto processo
urgente, na medida em que o legislador prevê, em sede de procedimento cautelar,
a antecipação da decisão sobre o mérito da causa, quando seja manifesta a
urgência definitiva, desde que tenham sido trazidos ao processo todos os
elementos, pode o tribunal antecipar o juízo sobre a causa principal. Sendo
certo que a decisão de antecipar o juízo sobre a causa principal é ela própria
sindicável, a mesma contende com o carácter urgente do contencioso
pré-contratual e aquilo que o caracteriza. Pois, o que se ganha em tempo,
perde-se em garantias próprias do contencioso pré-contratual, levando-nos isto
a criticar a actuação do nosso legislador, que estatuiu um regime específico
para os procedimentos cautelares relativos a procedimentos pré-contratuais e não
aproveitou para afastar a aplicabilidade do artigo 121.° ao contencioso
pré-contratual.
Bibliografia:
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AMARAL, Diogo Freitas/ALMEIDA,
Mário Aroso de, “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, Almedina,
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RIBEIRO, Maria Teresa de Melo, “O risco de os processos cautelares se
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Visto.
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