sábado, 29 de novembro de 2014

Sobre a declaração de ilegalidade das normas administrativas

António Braga Mogadouro Gonçalves, aluno n.º 20708
4.º ano, ST 3

Sobre a declaração de ilegalidade das normas administrativas
Dentro dos meios processuais à disposição do interessado, mais especificamente no que toca aos processos principais normais (títulos II e III do C.P.T.A.), incluem-se como sabemos a acção administrativa comum, de matéria residual, e as três modalidades de acção administrativa especial: impugnação de actos, condenação à prática de actos e impugnação de normas.
                No presente comentário, versaremos a terceira modalidade, procurando explicar os seus âmbito de aplicação, ratio e objecto.
                O que este meio processual, especificado nos artigos 72.º a 77.º do C.P.T.A., vem permitir é que o interessado solicite ao Tribunal Administrativo e Fiscal que emita a declaração de ilegalidade de uma regra geral e abstracta emanada ao abrigo do Direito Administrativo.    
                Mas, como sabemos, toda a garantia de tutela jurisdicional no âmbito do direito administrativo se baseia na susceptibilidade de lesão efectiva dos direitos e interesses do particular; o que coloca à partida um entrave à impugnabilidade de normas administrativas.
                De facto, tendo estas um carácter geral e abstracto, pressupõem em regra a sua concretização, que naturalmente partirá de actos administrativos – decisões praticadas pelos órgãos da Administração que visam concretizar as tais normas administrativas às situações individuais e concretas dos particulares (artigo 120.º do C.P.A.).
Pelo que entendeu por bem o legislador consagrar o direito constitucional de impugnação de normas administrativas, desde que estas não dependam dos actos administrativos respectivos para efectivar as suas premissas na esfera jurídica do particular, isto é, “normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos” (artigo 268.º, n.º 5 da C.R.P.).
E esta garantia com força constitucional é concretizada na acção especial de impugnação de normas de que falamos.
A pretensão do particular (sempre a emissão pelo Tribunal da declaração de ilegalidade da norma impugnada) pode: (i) incidir meramente sobre o caso concreto, e neste caso a sentença do Tribunal nunca produzirá efeitos na ordem jurídica, ou (ii) almejar a força obrigatória geral da declaração de ilegalidade a proferir, e consequentemente eliminar a norma administrativa do ordenamento jurídico.
Como seria de esperar, os pressupostos a preencher neste último caso serão bem mais rígidos que os da pretensão circunscrita ao caso concreto, já que, para além da problemática da separação de poderes (não estará o poder jurisdicional a vergar o executivo?), já não estão apenas em causa os direitos e interesses de um só sujeito, mas os de todos aqueles que estão abrangidos pela substância da norma administrativa – assim, também aqui se coloca a questão: “se está em causa o interesse geral, não se estará aqui também a invadir o âmbito de jurisdição da Administração?”.
Por este motivo teve o legislador cuidado redobrado na sua admissibilidade.

1)      Pedido de declaração de ilegalidade circunscrito ao caso concreto
Nesta modalidade, os efeitos da sentença em caso de procedência não constituirão uma verdadeira declaração de ilegalidade, outrossim uma desaplicação da norma[1].
A única condição a verificar-se, para que ao particular seja permitido propor uma acção administrativa especial de impugnação de normas, é a susceptibilidade da norma em causa de produzir efeitos imediatos sobre as esferas jurídicas dos seus destinatários[2] (artigo 73.º, n.º 2).
Ora, como supra referido, é natural que a norma geral e abstracta careça de actos de concretização ou execução: neste caso, a formulação do pedido não será admissível.
Porém, pode-se configurar a existência de normas self-executing: o critério será, segundo M. Esteves de Oliveira[3], o momento imediato e o modo directo da efectivação das vantagens/desvantagens previstas.
Repita-se que os efeitos da sentença se cingirão ao caso concreto, pelo que nada será alterado no tocante à legislação em vigor.

2)      Pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral
A condição de impugnação (ou pressuposto) da acção administrativa especial de impugnação de normas, quando dela se pretenda a revogação integral da norma impugnada, é a sua anterior desaplicação em três casos concretos pela ordem jurisdicional administrativa (artigo 73.º, n.º 1).
Do ponto de vista do legislador, a ocorrência de três decisões jurisprudenciais pela existência de invalidade própria ou derivada na norma em causa constitui um risco para a confiança dos particulares no ordenamento jurídico, na medida em que se torna pouco perceptível aquilo que o Direito exige dos seus destinatários.
Mas, como podem estes três casos ter ocorrido?
Em primeiro lugar, resulta imediatamente da leitura sistemática do Código que a procedência (noutro caso distinto) de um pedido nos termos do artigo 73.º, n.º 2, culminando na desaplicação por via principal [referida em 1)] será contabilizado para os efeitos do n.º 1.
Em segundo lugar, na esteira de Vieira de Andrade, os três casos referidos no artigo 73.º/1 podem ainda referir-se à desaplicação por via incidental.
Esta desaplicação indirecta, ou por via incidental, terá ocorrido quando, no âmbito da impugnação de um acto administrativo (seja por acção administrativa especial – arts. 50,º ss. – seja por acção administrativa comum – arts. 37.º ss.), o Tribunal se tenha pronunciado pela anulação do acto em causa, com fundamento na ilegalidade da norma que o acto veio concretizar[4].
Por fim, surge no artigo 72.º, n.º 2, uma outra limitação à declaração de ilegalidade com força obrigatória geral da norma administrativa: não poderá colidir com a jurisdição do Tribunal Constitucional, mais especificamente com o artigo 281.º, n.º 1, da Constituição, onde consta desde logo a inconstitucionalidade directa das normas [al. a)].

Pode-se concluir do exposto, que o espírito do legislador é dirigido por valores distintos consoante a modalidade do pedido de declaração de ilegalidade.
No que toca àquele circunscrito ao caso concreto, o essencial é a salvaguarda efectiva dos direitos/interesses do particular em causa, sob a égide das garantias previstas no artigo 268.º/5 da C.R.P..
Por seu turno, quando a decisão seja susceptível de se sobrepor aos poderes da Administração, e de derrogar a norma face a todos os seus destinatários, torna-se premente considerar o interesse público, pelo que se imporá o objectivismo.











[1] Por via principal. Da desaplicação por via incidental, veja-se infra.
[2] Repare-se que o antigo critério de impugnabilidade do acto administrativo – executoriedade – ainda está subjacente à lógica do contencioso administrativo.
[3]A impugnação e anulação contenciosas dos regulamentos”, in Revista de Direito Público, n.º 2, 1986, p. 29 ss. e 35 ss..
[4] Logicamente, a existência, na via incidental, de um acto administrativo que executa a norma levar-nos-ia à conclusão de que a norma não seria self-executing. Porém, recorda-se que a susceptibilidade de produção de efeitos imediatos apenas é pressuposto no que toca ao pedido referido em 1).

1 comentário:

  1. Visto.
    "quando, no âmbito da impugnação de um acto administrativo (seja por acção administrativa especial – arts. 50,º ss. – seja por acção administrativa comum – arts. 37.º ss.)"???

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