António Braga Mogadouro
Gonçalves, aluno n.º 20708
4.º ano, ST 3
4.º ano, ST 3
Sobre a declaração de ilegalidade das normas administrativas
Dentro dos
meios processuais à disposição do interessado, mais especificamente no que toca
aos processos principais normais (títulos II e III do C.P.T.A.), incluem-se
como sabemos a acção administrativa comum, de matéria residual, e as três
modalidades de acção administrativa especial: impugnação de actos, condenação à
prática de actos e impugnação de normas.
No
presente comentário, versaremos a terceira modalidade, procurando explicar os
seus âmbito de aplicação, ratio e objecto.
O
que este meio processual, especificado nos artigos 72.º a 77.º do C.P.T.A., vem
permitir é que o interessado solicite ao Tribunal Administrativo e Fiscal que
emita a declaração de ilegalidade de uma regra geral e abstracta emanada ao
abrigo do Direito Administrativo.
Mas,
como sabemos, toda a garantia de tutela jurisdicional no âmbito do direito
administrativo se baseia na susceptibilidade de lesão efectiva dos direitos e
interesses do particular; o que coloca à partida um entrave à impugnabilidade
de normas administrativas.
De
facto, tendo estas um carácter geral e abstracto, pressupõem em regra a sua
concretização, que naturalmente partirá de actos administrativos – decisões
praticadas pelos órgãos da Administração que visam concretizar as tais normas
administrativas às situações individuais e concretas dos particulares (artigo
120.º do C.P.A.).
Pelo que
entendeu por bem o legislador consagrar o direito constitucional de impugnação
de normas administrativas, desde que estas não dependam dos actos
administrativos respectivos para efectivar as suas premissas na esfera jurídica
do particular, isto é, “normas
administrativas com eficácia externa lesivas
dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos” (artigo 268.º, n.º 5
da C.R.P.).
E esta
garantia com força constitucional é concretizada na acção especial de
impugnação de normas de que falamos.
A pretensão do
particular (sempre a emissão pelo Tribunal da declaração de ilegalidade da
norma impugnada) pode: (i) incidir
meramente sobre o caso concreto, e neste caso a sentença do Tribunal
nunca produzirá efeitos na ordem jurídica, ou (ii) almejar a força obrigatória geral da declaração de
ilegalidade a proferir, e consequentemente eliminar a norma administrativa do
ordenamento jurídico.
Como seria de
esperar, os pressupostos a preencher neste último caso serão bem mais rígidos
que os da pretensão circunscrita ao caso concreto, já que, para além da
problemática da separação de poderes (não estará o poder jurisdicional a vergar
o executivo?), já não estão apenas em causa os direitos e interesses de um só
sujeito, mas os de todos aqueles que estão abrangidos pela substância da norma
administrativa – assim, também aqui se coloca a questão: “se está em causa o
interesse geral, não se estará aqui também a invadir o âmbito de jurisdição da
Administração?”.
Por este
motivo teve o legislador cuidado redobrado na sua admissibilidade.
1)
Pedido de declaração de ilegalidade circunscrito
ao caso concreto
Nesta
modalidade, os efeitos da sentença em caso de procedência não constituirão uma
verdadeira declaração de ilegalidade, outrossim uma desaplicação da norma[1].
A única condição a verificar-se, para que ao particular seja permitido
propor uma acção administrativa especial de impugnação de normas, é a susceptibilidade
da norma em causa de produzir efeitos imediatos sobre as esferas jurídicas
dos seus destinatários[2]
(artigo 73.º, n.º 2).
Ora, como supra referido, é
natural que a norma geral e abstracta careça de actos de concretização ou
execução: neste caso, a formulação do pedido não será admissível.
Porém, pode-se configurar a existência de normas self-executing: o critério será, segundo M. Esteves de Oliveira[3],
o momento imediato e o modo directo da efectivação das
vantagens/desvantagens previstas.
Repita-se que os efeitos da sentença se cingirão ao caso concreto, pelo
que nada será alterado no tocante à legislação em vigor.
2)
Pedido de declaração de ilegalidade com força
obrigatória geral
A condição de impugnação (ou pressuposto) da acção administrativa
especial de impugnação de normas, quando dela se pretenda a revogação integral
da norma impugnada, é a sua anterior desaplicação em três casos concretos
pela ordem jurisdicional administrativa (artigo 73.º, n.º 1).
Do ponto de vista do legislador, a ocorrência de três decisões
jurisprudenciais pela existência de invalidade própria ou derivada na norma em
causa constitui um risco para a confiança dos particulares no ordenamento
jurídico, na medida em que se torna pouco perceptível aquilo que o Direito
exige dos seus destinatários.
Mas, como podem estes três casos ter ocorrido?
Em primeiro lugar, resulta imediatamente da leitura sistemática do Código
que a procedência (noutro caso distinto) de um pedido nos termos do artigo
73.º, n.º 2, culminando na desaplicação por via principal [referida em
1)] será contabilizado para os efeitos do n.º 1.
Em segundo lugar, na esteira de Vieira de Andrade, os três casos
referidos no artigo 73.º/1 podem ainda referir-se à desaplicação por via
incidental.
Esta desaplicação indirecta, ou por via incidental, terá ocorrido
quando, no âmbito da impugnação de um acto administrativo (seja por acção
administrativa especial – arts. 50,º ss. – seja por acção administrativa comum
– arts. 37.º ss.), o Tribunal se tenha pronunciado pela anulação do acto em
causa, com fundamento na ilegalidade da norma que o acto veio concretizar[4].
Por fim, surge no artigo 72.º, n.º 2, uma outra limitação à declaração
de ilegalidade com força obrigatória geral da norma administrativa: não poderá
colidir com a jurisdição do Tribunal Constitucional, mais especificamente com o
artigo 281.º, n.º 1, da Constituição, onde consta desde logo a inconstitucionalidade
directa das normas [al. a)].
Pode-se concluir do exposto, que o espírito do legislador é dirigido
por valores distintos consoante a modalidade do pedido de declaração de
ilegalidade.
No que toca àquele circunscrito ao caso concreto, o essencial é a
salvaguarda efectiva dos direitos/interesses do particular em causa, sob a
égide das garantias previstas no artigo 268.º/5 da C.R.P..
Por seu turno, quando a decisão seja susceptível de se sobrepor aos
poderes da Administração, e de derrogar a norma face a todos os seus
destinatários, torna-se premente considerar o interesse público, pelo que se
imporá o objectivismo.
[1] Por via
principal. Da desaplicação por via incidental, veja-se infra.
[2]
Repare-se que o antigo critério de impugnabilidade do acto administrativo –
executoriedade – ainda está subjacente à lógica do contencioso administrativo.
[3] “A impugnação e anulação contenciosas dos
regulamentos”, in Revista de Direito
Público, n.º 2, 1986, p. 29 ss. e 35 ss..
[4] Logicamente,
a existência, na via incidental, de um acto administrativo que executa a norma
levar-nos-ia à conclusão de que a norma não seria self-executing. Porém, recorda-se que a susceptibilidade de
produção de efeitos imediatos apenas é pressuposto no que toca ao pedido
referido em 1).
Visto.
ResponderEliminar"quando, no âmbito da impugnação de um acto administrativo (seja por acção administrativa especial – arts. 50,º ss. – seja por acção administrativa comum – arts. 37.º ss.)"???