sábado, 1 de novembro de 2014

Um olhar sobre o artigo 161º do CPTA - o que é, para que serve, como usar?

       
O art.º 161º do CPTA tem como epígrafe “Extensão dos efeitos da sentença”. Antes de mais, importa explicar, em breves palavras, o que é este mecanismo e para que serve. Ora, a extensão dos efeitos da sentença (a casos idênticos no contencioso administrativo) é, como refere JOÃO TIAGO SILVEIRA, um mecanismo que permite ao particular, que se encontra numa situação idêntica à de casos julgados pelos tribunais administrativos e com sentença transitada em julgado, estender os efeitos de uma dessas sentenças ao seu caso concreto, por não apresentar especificidade em face daquelas. O nº 2 vem acrescentar que tal ferramenta poderá ser utilizada quando tenham existido cinco sentenças transitadas em julgado no mesmo sentido ou, no caso de se tratar de uma situação de processos em massa, tenham sido decididas em três casos os processos selecionados segundo o disposto no art.º 48º.
Este mecanismo tem como objectivo, em termos práticos, o descongestionamento dos tribunais administrativos e evita o fenómeno de massificação processual; ademais, promove a igualdade de tratamento relativamente a situações que, entre si, são idênticas. E, por fim, garante uma resposta rápida na solução de questões que opõem a administração pública aos particulares.
O âmbito de aplicação desta norma vem previsto no art.º 161/1 que contém uma previsão ampla, abrangendo qualquer pedido que caiba no contencioso administrativo. Importa referir que, pese embora o facto do nº2 se referir apenas à “(...) sentença (...) que tenha anulado...”, o mesmo não significa que este não abranja a nulidade, pois utiliza-se a expressão “anulado” em sentido amplo, caindo aqui as situações consideradas pelo tribunal administrativo anuladas, nulas ou até mesmo inexistentes. Porém, no que respeita à extensão dos efeitos de sentenças a pedidos cautelares, o caso muda de figura, pois o art.º 161º prende-se com decisões principais e definitivas, o que vai contra a própria natureza do procedimento cautelar e, por isso, não poderá nestes casos funcionar o mecanismo aqui previsto.
Relativamente aos requisitos deste artigo, o TCA (Sul) tem apontado em diversos acórdãos (vide exemplo nos processos nº 07383/11 e 05701/09) quatro requisitos, nomeadamente i) que o requerente se encontre na mesma situação jurídica da pessoa a que se reporta a sentença transitada em julgado; ii) que, quanto ao requerente, não haja sentença transitada em julgado; iii) que os vários casos já decididos sejam perfeitamente idênticos; iv) que, no mesmo sentido, tenham sido proferidas 5 sentenças transitadas em julgado ou, existindo situações de processos em massa, nesse mesmo sentido tenham sido decididos em 3 casos os processos seleccionados segundo o disposto no art.º 48º.  JOÃO TIAGO SILVEIRA, nos Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles (Volume I), no seu artigo sobre a extensão dos efeitos de sentenças, acrescenta a estes requisitos outros tantos relativos, nomeadamente, ao decurso do prazo de prescrição, à existência de um processo judicial pendente caso existam contrainteressados (art.º 161/5), à apresentação de requerimento à entidade administrativa demandada, à impossibilidade de apresentação do pedido após o decurso do prazo e à impossibilidade de apresentação do pedido quando o acto tenha sido aceite. Vou-me, no entanto, pronunciar apenas sobre dois deles que considero que criam mais dúvidas e necessitem de esclarecimento e que têm gerado mais polémica...
O artigo 161º no seu número 2 refere que “O disposto no número anterior vale apenas para situações em que existam vários casos perfeitamente idênticos...”. O ex libris da questão reside na expressão “idênticos”. Ora bem, à partida poderia pensar-se que seria de exigir que os casos fossem não apenas idênticos no sentido mais abrangente da palavra mas que a questão jurídica em causa e os contornos factuais fossem impreterivelmente iguais, em absoluto. Ou seja, em relação à matéria de facto, a não ser que esta altere por completo a caracterização da situação jurídica, as divergências não são relevantes. Por sua vez, se eventualmente se tratar de um caso de pronúncia de órgãos localizados em diferentes pessoas colectivas públicas ou ministérios faltará a identidade a que o art.º 161/2 alude, mas não faltará identidade quando são diferentes órgãos administrativos de uma pessoa colectiva pública ou de um ministério.
Diz-nos ainda o número 2 que o disposto no número 1 só vale quando “(...) tenham sido proferidas cinco sentenças transitadas em julgado ou, existindo situações de processos em massa, nesse sentido tenham sido decididos em três casos os processos seleccionados segundo o disposto no artigo 48º.” Têm-se levantado algumas questões e têm surgido algumas críticas nesta matéria. Ora, a primeira prende-se com o número adoptado de casos para os processos em massa que vem regulado no art.º 48º, isto porque o número pode ser demasiado penoso. Passo a explicar: diz-nos o art.º 48º que para haver uma situação de processo em massa têm de se intentar mais de 20 processos que digam respeito à mesma relação jurídica material ou que sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto, ou seja, seguindo esta lógica exige-se cerca de 60 processos pois só assim haverá as 3 sentenças a que o artigo 161º alude e exige. Não sei até que ponto é que não bastaria uma sentença, pois já teria havido 20 processos idênticos... Creio que não há necessidade de um regime tão agravado e tão exigente nesta matéria. Outra crítica que se pode eventualmente apontar é o facto de não haver (e dever haver!) algumas decisões de tribunais superiores suficientes por si só para justificarem a extensão. Sei que é, de certa forma, um pouco arriscado e percebe-se que assim não seja olhando para o regime que, como referi ainda agora, é por vezes exigente. Portanto, pese embora o regime neste momento esteja, na minha opinião, demasiado exigente, creio que seria benéfico reduzir-se o número de sentenças de processos em massa e criar-se um mecanismo que permitisse que certas decisões de tribunais superiores fossem suficientes para justificar a extensão, como por exemplo um acórdão unificador de jurisprudência emitido pelo STA!
O pedido de extensão dos efeitos é solicitado a uma entidade administrativa, o que vai fazer desencadear  um procedimento administrativo, terminando com a emissão de uma decisão por essa entidade ou na ausência de resposta no prazo de três meses (161/4). No decorrer do procedimento pode ser necessário realizar uma audiência dos interessados para, casos existam, se ouvir os contrainteressados. Pergunta-se se preenchidos os requisitos se torna a Administração vinculada à decisão de estender os efeitos de sentença emitidas em casos idênticos. Pois bem, parece que com a utilização da expressão “podem” no art.º 161/1, que essa extensão é um poder discricionário. Pese embora o referido, a verdade é que o que se vai fazer é um juízo de valor relativo à identidade dos casos julgados com o caso idêntico e, assim sendo, não é propriamente um juízo que dê grande margem à administração, de maneira que o referido poder discricionário não é nada mais do que uma segurança para evitar a multiplicação de processos idênticos.
O art.º 161/4 refere que “Indeferida a pretensão ou decorridos três meses sem decisão da Administração, o interessado pode requerer, no prazo de dois meses, ao tribunal que tenha proferido a sentença, a extensão dos respectivos efeitos e a sua execução em seu favor, sendo aplicáveis, com as devidas adaptações, os trâmites previstos no presente título para a execução das sentenças de anulação de actos administrativos.”, ou seja caso o pedido seja indeferido por parte da Administração (entidade administrativa competente) ou não seja obtida resposta no prazo de três meses, pode o interessado solicitar a extensão dos efeitos da sentença ao tribunal administrativo, no prazo de dois meses, através do mecanismo de  execução de sentenças de anulação. O pedido de extensão deverá ser solicitado ao tribunal que tenha ditado a sentença.

Para finalizar, cumpre tecer algumas conclusões. Ora, a extensão dos efeitos de sentenças a casos idênticos no contencioso administrativo foi introduzida pela Reforma do Contencioso Administrativo, sendo por isso um mecanismo considerado jovem e, jovem como é, ainda tem que se consolidar e sedimentar. Tem que crescer e esse crescimento também é feito dos erros. Não é para se cair numa proliferação destes casos, não é para tornar o caminho mais fácil e desentupir os tribunais administrativos mas, de facto, se calhar é importante tornar-se este sistema menos oneroso, como o é nos processos em massa, por exemplo. É um mecanismo que está repleto de vantagens, se bem utilizado, se bem analisados os requisitos, se antecedido de um bom discernimento por parte da entidade administrativa competente para o efeito. Assim, embora esta tenha sido uma análise se calhar não tão aprofundada como o artigo merece, como um tema de tese, mas foi a necessária para eu compreender que foi uma boa introdução no CPTA, que é um mecanismo capaz de descongestionar os tribunais administrativos, promovendo a igualdade relativamente a situações idênticas, de uma forma célere e eficaz, lado a lado com os restantes mecanismos que a Reforma introduziu.

Bibliografia
SILVEIRA, JOÃO TIAGO - A extensão dos efeitos de sentenças a casos idênticos no contencioso administrativa, em Estudos de Homenagem a Miguel Galvão Teles, Volume 1, 2012, Almedina.
Ac. Tribunal Central Administrativo Sul, processo 05701/09 
Ac. Tribunal Central Administrativo Sul, processo 07383/11 
MACHADO, RUI - Extensão dos efeitos da sentença em Relatório/Estudo jurídico realizado no âmbito do Mestrado em Ciências Jurídico-Administrativas na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2011/2012.


Assunção Belmar da Costa Vassalo Bernardino


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