Dos
poderes de pronúncia do juiz administrativo
Análise crítica
No
concernente ao tema dos poderes de pronúncia do juiz administrativo, como
refere ANTÓNIO CADILHA e nos parece indicado para começar a exposição do tema,
estamos numa zona de ponto de equilíbrio entre o principio da separação de
poderes (artigo 114º da CRP), o qual exige que a cada poder estadual caiba um
domínio funcional ou de competências reservado e, por outro lado, os princípios
da legalidade e da tutela jurisdicional efectiva (presente nos artigos 20º e
268º/4 do mesmo diploma), que apontam para um aprofundamento do papel de
controlo dos tribunais na tutela das posições jurídicas dos cidadãos perante a
função estadual predominantemente confiada ao poder executivo[1].
A
esta possibilidade de condenação judicial da Administração Pública na prática
de um acto administrativo foi inicialmente, como nos esclarece JOÃO CAUPERS,
levantado o impedimento associado ao principio da separação de poderes, sendo
inconcebível qualquer imposição dos órgãos do contencioso administrativo à
Administração Pública, não podendo aqueles interferir sob qualquer forma sobre
a actividade jurídica da Administração Pública[2].
Contudo, tal perspectiva veio sendo abandonada, firmando-se antes o
entendimento de que “o ponto de intersecção entre separação de poderes e
justiça administrativa não reside na forma jurídica, mas antes no conteúdo
material de uma possível injunção”[3].
Como realça SÉRVULO CORREIA, o que há que determinar é o plano a partir do qual
a injunção administrativa deixa de revelar da função jurisdicional[4].
Parece, seguindo esta linha de raciocínio, que, num sistema em que o papel do
juiz administrativo é o de velar pela conformidade das condutas e das situações
da Administração com os parâmetros jurídicos, o que importa é, em boa verdade,
o binómio clássico entre questões de direito e questões de oportunidade, entre dizer o direito e apreciar a oportunidade.
Nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE, o CPTA estabeleceu um princípio de plena
jurisdição dos tribunais administrativos, desde que esteja em causa “a estrita
conformidade da actuação da Administração com as normas e os princípios
jurídicos”[5].
Não
obstante a aparência de se ter resolvido um problema clássico de Direito
Administrativo e Contencioso Administrativo, não nos podemos recusar a aceitar
a realidade de existir toda uma “zona cinzenta”, na qual a fronteira entre uma
simples imposição do respeito pela legalidade ou o controlo da conveniência ou
oportunidade da actuação administrativa é extremamente ténue[6] [7].
Como tal, na análise do artigo 71º do CPTA nunca podemos esquecer o que o
artigo 3º do mesmo diploma prescreve: “os tribunais administrativos julgam do
cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam
e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação”. Não parecem, como tal,
de aceitar, neste ponto, as asserções de RUI MACHETE, quando o autor defende
que se abandone a óptica da separação de poderes para preferir uma abordagem
que, sem ideias pré-estabelecidas sobre a natureza material de cada função do
Estado e dos seus actos, privilegie a interpretação dos preceitos
constitucionais à da sua enumeração dos órgãos e das suas competências[8].
Com
base nas premissas anteriormente expostas, cabe agora analisar o artigo 71º do
nosso CPTA. Do seu nº1 podemos retirar que mesmo que tenha existido um
indeferimento liminar ou uma pura e simples omissão da Administração perante um
concreto requerimento que lhe tenha sido apresentado, e que, portanto, esta não
tenha desenvolvido quaisquer trâmites no sentido de analisar a solicitação
efectuada, o tribunal, quando aprecia um pedido de condenação à prática de acto
devido, não se pode limitar a constatar a invalidade da conduta administrativa
e remeter novamente o assunto à Administração. Tem, antes, o dever de, no
âmbito de uma acção destinada a assegurar a realização do direito de um
particular à prática de um acto que lhe é legalmente devido, conhecer do fundo
da causa e pronunciar-se sobre o direito alegado, obrigando a Administração a
praticar o acto requerido se aquele direito efectivamente existir[9]. Contudo,
parece que, desde logo, este preceito levanta o problema de saber se pode o
juiz levar a cabo o conjunto de diligências de prova necessárias a apurar se se
encontram preenchidos os pressupostos fácticos do direito invocado pelo
demandante. Não se pode perder de vista, na análise desta problemática, que
estamos, ainda, só a tratar de situações de competência vinculada da
Administração Pública. Isto é, o tribunal apenas poderá condenar a
Administração com base neste preceito, na prática de um acto administrativo com
um conteúdo determinado, quando estejam reunidos os elementos de direito e de
facto que permitam ao juiz concretizar esse conteúdo, sem violação da esfera
jurídica de actuação da Administração[10] [11].
Como tal, não estando em causa qualquer intromissão do Tribunal Administrativo
na esfera própria da actuação da Administração, o problema do âmbito dos
poderes instrutórios do juiz nessas matérias acaba por ser relegado para um
segundo plano de importância. Até porque esta é a interpretação que, impondo ao
Tribunal envidar todos os esforços (incluindo instrutórios), na medida do juridicamente possível, para conseguir
reunir as condições necessárias à pronúncia de uma condenação em sentido
estrito sobre o perdido formulado, será aquela que melhor servirá a realização
do direito alegado pelo demandante, garantindo um respeito mais eficaz da
garantia da tutela jurisdicional efectiva dos particulares, segundo pensamos. Também
ANTÓNIO CADILHA refere, quanto a esta temática, que do princípio da separação de
poderes não se pode retirar a ilação de que a Administração tenha o “direito de
primazia” por forma a ser ela a adoptar a primeira decisão conformadora de uma
situação jurídico-administrativa[12].
Contudo,
será admissível o Tribunal exercer de forma ilimitada os seus poderes
instrutórios em todas as situações, mesmo sendo elas de cariz vinculado e não
comportando discricionariedade (não existindo, de tal forma, intromissão na
esfera do poder administrativo)? Será razoável manter esta posição em nome de
uma pretensa “tutela mais eficaz dos particulares», mesmo naquelas situações em
que os Tribunais Administrativos, muito pior preparados, acabam por
proporcionar exactamente o inverso (decisões de duvidosa qualidade, num período
de tempo muito mais alargado), assim deteriorando a protecção jurisdicional dos
interessados?
Parece-nos
que naqueles casos em que, no âmbito do procedimento administrativo se prevê a
intervenção de um órgão com uma competência técnica especifica para avaliar
determinados requerimentos apresentados por particulares[13],
e que, à partida, será bastante mais qualificado para a análise das situações
apresentadas, permitindo diminuir, a
priori, a margem de erro e, por essa forma garantir uma maior protecção dos
particulares. Também com este entendimento encontramos COLAÇO ANTUNES que
defende que mesmo aquando da presença de actos vinculados “sempre que se
preveja a obrigatoriedade de um procedimento administrativo como pressuposto de
legitimidade do acto, o processo e o seu juiz não poderão substituir o
procedimento administrativo especial previsto e, consequentemente, não poderá
ser pronunciada uma sentença em sentido estrito”[14].
Ilustrativa desta ideia é a conclusão de HUERGO LORA quando refere que quando
estejam em causa procedimento relativamente complexos, a genérica substituição
do tribunal à Administração poderia conduzir a uma deficiente tramitação dos
procedimentos, uma vez que é a Administração que está preparada e organizada
para levar a cabo esta tarefa, além disso, aumentaria a saturação da jurisdição
administrativa e provocaria graves desigualdades entre os cidadãos, uns
submetidos à Administração e às suas pautas de actuação e outros a essa espécie
de “Administração de excepção” em que se converteriam os Tribunais
Administrativos[15].
Repare-se que poderemos incorrer no paradoxo de a procura judicial do “assunto
maduro para julgamento”[16]
não ser a solução, que sempre, satisfaz melhor os interesses dos particulares,
pois atente-se que um excesso de controlo pode levar a que o juiz, ao querer “fazer
tudo”, corra o risco de não fazer nada em definitivo[17].
Como tal, defende-se que nestes casos a Administração volte a tramitar o
procedimento administrativo em causa, mesmo aquando do exercício de
competências vinculadas, devendo o Tribunal devolver o processo a esta,
mediante uma simples sentença indicativa, e não já em sentido estrito
(decidindo o fundo da causa).
Não
obstante o anteriormente explanado, os maiores problemas colocam-se quanto ao
nº2 do artigo 71º do CPTA. Quando se tratar de discutir o alcance da condenação
à prática de acto devido em caso de discricionariedade da Administração, o que
importa discutir não será tanto a extensão dos poderes instrutórios do juiz,
mas sim o próprio âmbito dos poderes de pronuncia do tribunal, isto é, sobre as
situações em que será possível ao tribunal condenar a Administração a praticar
um acto administrativo com um conteúdo determinado, não obstante existir, em
abstracto, um poder discricionário. Prescreve o preceito que o juiz não poderá
determinar o conteúdo do acto a praticar pela Administração quando a emissão do
mesmo “envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função
administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas
uma solução como legalmente possível”. Como realça ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA,
o CPTA vem permitir que, ainda que a prática do acto em causa envolva a
formulação de “valorações próprias” da actividade administrativa, poderá ser
proferida uma sentença condenatória em sentido estrito, quando da análise do
caso concreto, seja possível concluir que apenas resta à Administração, uma
solução legalmente possível, possibilitada pela “redução da discricionariedade
a zero”[18].
Quando se deve, como tal, considerar ou identificar apenas uma solução como legalmente
possível, apesar de a emissão do acto pretendido implicar, em abstracto, a
formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, tendo
como consequência a possibilidade de o juiz poder proferir uma sentença de
condenação em sentido estrito, e não uma mera sentença indicativa?
Esta
circunstância tem sido analisada, sobretudo, quanto a situações de actuação da
Administração de polícia. Aquando da ocorrência de uma conduta ilegal, e quando
a Administração é informada da mesma, não há nada que obrigue esta última a
intervir para restabelecer a legalidade, pelo facto de a Administração dispor
de uma margem de discricionariedade que lhe permite distribuir os meios
limitados de que dispõe em função da relevância das distintas condutas ilegais
ou de outras circunstâncias que deva ter em conta de acordo com a legislação
aplicável. Contudo, tem-se entendido[19]
que apesar da discricionariedade de actuação abstractamente reconhecida à
Administração, a configuração dos interesses em causa no caso concreto pode
levar à conclusão de que esta ultima não restava outra opção que não a de
intervir para reparar a ilegalidade que se estava a cometer. Nestas situações
estavam, em geral, envolvidos direitos fundamentais como o direito à vida e à
saúde. Além deste tipo de ocasiões mais ligadas à tutela de direitos
fundamentais, tem entendido a doutrina, tendo como expoente MARIO AROSO DE
ALMEIDA[20],
que sempre que o respeito pelas normas ou princípios violados apenas consinta
que a Administração adopte um determinado tipo de decisão, também estaremos
perante uma situação de redução da discricionariedade a zero. Também MARCELO
REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO MATO parecem seguir este entendimento[21].
Outras
situações de redução da discricionariedade a zero têm sido apontadas pela
doutrina. Exemplo disso é o daquelas situações em que, havendo mais do que uma
opção de escolha por parte da Administração, esta tenha procedido a uma
hierarquização das diversas opções à sua disposição e, verificando-se a
ilegalidade da primeira opção, impor-se ao tribunal que recorra à classificação
já efectuada no momento anterior do procedimento administrativo e, sem
necessidade de ter que devolver o assunto à Administração, condenar esta última
a resolver a situação em favor do segundo classificado[22],
na medida em que ou a escolha já foi realizada, ou porque a avaliação
subjectiva já teve lugar no decurso da fase instrutória do procedimento
administrativo, ou ainda porque a concreta circunstância do caso elimina a
possibilidade de escolha. Percebe-se, de forma clara, que já foi ultrapassado o
momento da vertente discricionária da competência, apenas tendo obstado em
concreto ao deferimento do pedido do particular uma errónea e ulterior
convicção do autor do acto impugnado de que não estaria preenchido um requisito
ou verificado um pressuposto legalmente previsto.
Contudo,
uma vertente, diga-se minoritária[23],
da doutrina tem interpretado este instituto de forma diferente. O que está em
causa quando um principio, por exemplo, obriga a Administração, na situação
concreta, a praticar um acto com um determinado conteúdo, estamos, não perante
uma situação de redução da discricionariedade a zero, mas antes perante um
poder que, por interpretação das normas aplicáveis, se revela, afinal, como um
poder vinculado. Como refere SÉRVULO CORREIA, do que verdadeiramente se
trataria seria da verificação da existência de limites internos da
discricionariedade, de factores que condicionam a própria escolha entre as
várias atitudes abstractamente possíveis, fazendo com que algumas deixem de o
ser nas circunstâncias concretas, o que reconduziria o problema ao exercício de
um poder meramente vinculado.[24]
Quanto
a este ponto, parece ser de seguir a posição de ANTÓNIO CADILHA, quando refere
que o instituto da redução só pode actuar quando, no caso contrário, não seria
cumprido o dever de protecção jurídico-constitucional na sua medida mínima
exigível, consubstanciando esta medida a dignidade da pessoa humana[25].
Cabe,
neste momento, reflectir a que conclusões devemos chegar. Importa, desde logo,
recordar, como com mestria nos ensina NUNO PIÇARRA[26],
que a Administração reúne condições únicas para operar a conformação da
realidade social à luz da prossecução dos interesses públicos que constituem as
suas atribuições, na medida em que é portadora de uma grande amplitude de
informação, de um conhecimento técnico-pericial objectivo e de uma complexa
estrutura organizativa. Por outro lado, integram o perfil funcional da
Administração a legitimidade democrática e a responsabilidade politica, que não
atinge os juízes dos tribunais administrativos.
ANTÓNIO
CADILHA defende que o juiz deverá adoptar um método de controlo negativo da
aplicação dos princípios constantes do artigo 266º/2 da CRP[27],
parecendo que, no entender do autor, estariamos perante testes de juridicidade a que a decisão se
deve submeter e não critérios directos de conduta. Como tal, não indicam
positivamente qual a solução que deve ser adoptada, antes projectando um efeito
preclusivo sobre o subsequente reexercicio do poder por parte da Administração,
por forma a que esta não reincida nos vícios anteriormente cometidos. Já VASCO
PEREIRA DA SILVA afirma que os poderes de substituição do juiz devem
consubstanciar-se em indicar a “forma correcta” do exercício do poder
discricionário, no caso concreto, estabelecendo o alcance e os limites das
vinculações legais, assim como fornecendo orientações quanto aos parâmetros e
critérios de decisão, adoptando como base as sentenças indicativas do direito
alemão[28].
Segundo
nos parece, é de contestar este último ponto de vista. Desde logo, tendo em
conta o principio da separação de poderes, na medida em que compromete
relevantemente a autonomia da função administrativa e a sua responsabilidade
própria, num domínio em que o tribunal não pode assumir a responsabilidade
pelas decisões ou pelos seus resultados nem em termos políticos nem em termos
de oportunidade ou da competência técnica que são imprescindíveis para essas
decisões discricionárias. Quando se refere que o juiz apenas se pronuncia sobre
a envolvência jurídica, parece algo paradoxal que se possa vir posteriormente
dizer que o juiz pode indicar o que consideraria ser uma decisão respeitadora
ou violadora dessas exigências legais. Na verdade, indicação não seria mais do
que um “mero repetir” da lei e pouco mais quanto à aplicação dos princípios
gerais de direito administrativo. Se assim não se entender, tal implica
considerar que estaríamos antes perante o determinar do conteúdo concreto de
uma decisão administrativa, o que aparente ser bastante questionável
constitucionalmente. Esta concepção de aumentar desmesuradamente os poderes
jurisdicionais parece esquecer a famosa conclusão de ROGÉRIO SOARES quando este
autor mencionava que quando se falava dos tribunais como “paladinos de
juridicidade” em defesa dos cidadãos, a verdade é que se bem analisarmos essa
questão de perto, logo percebemos que a sua legitimação democrática num Estado
de Direito é praticamente nula[29].
Não se deveria somente “temer” o arbítrio administrativo, mas também, e
sobretudo, o arbítrio a posteriori do
juiz. Além da disfunção de responsabilidade que existiria. Decidir-se-ia numa
sede (o tribunal) e ser-se-ia responsável numa outra (a autoridade
administrativa), que, se bem se atentar, apenas teria cumprido as directivas de
juridicidade ou vinculações fixadas pelo juiz. Em suma, a falta de competência
técnica necessária, a inexistência de responsabilidade e a desvirtuação no
princípio da separação de poderes desaconselham qualquer tomada de posição que
vele pela intromissão, por mínima que seja, do poder jurisdicional na função
administrativa.
Além
do mais, não nos devemos esquecer[30]
que também a aplicação dos princípios jurídicos gerais implica uma
discricionariedade, em cada situação de aplicação, não sendo o resultado da
mesma certo, liquido ou objectivamente unívoco. Cabendo tal função ao juiz,
estaria o mesmo, bem vistas as coisas, a exercer discricionariamente o conteúdo
do acto em causa. Como tal, ou o juiz não estabelece as directivas de
juridicidade ou nem todas as vinculações a observar no acto pela Administração
e assim não se pronuncia pelo conteúdo do acto, predominantemente
discricionário, ou estabelece aquelas directivas e vinculações e, com isso,
pronuncia-se vinculativa e concomitantemente sobre o conteúdo do acto, no que o
mesmo tem de essencial. E os inconvenientes não parecem acabar aqui. Desde
logo, pelas dificuldades que o juiz vai ter ao interpretar aqueles princípios
gerais da actividade administrativa, do que eles devem impor em cada situação
concreta. Em face, sobretudo, das circunstâncias de facto e das exigências do
interesse publico situado. E não se percebe a que outras vinculações deve o
juiz atender para fixar as directivas de juridicidade.
Parece-nos
que não existiria nenhuma utilidade ou sentido inovatório em relação a tais
especificações negativas e preclusivas. Tal “efeito preclusivo” já resultaria
do efeito constitutivo da fundamentação das anteriores sentenças de anulação de
actos administrativos, no caso, de indeferimento. Ora, como refere VIEIRA DE
ALMEIDA, para saber qual o direito que deve aplicar, na sequencia de sentença
que declare as invalidades em que anteriormente incorreu, a Administração não
precisa nem deveria precisar (a execução da sentença é tarefa que pressupõe
autonomia administrativa) que o tribunal lho indique, para além do que resulte
da fundamentação de uma sentença declarativa e dos efeitos e limites
preclusivos que dela, naturalmente, decorram[31].
Desta
forma, parece fazer mais sentido um entendimento restritivo da acção de
condenação nestas hipóteses, estando em causa dois tipos de pretensões
diferentes e, no fundo, dois tipos de acção de condenação: a acção de
condenação na satisfação da pretensão material do autor, que respeitaria o caso
dos actos vinculados e corresponderia à previsão do nº1 do artigo 71º e a acção
de condenação que apenas tem em vista a repetição do exercício da competência
instrutória e decisória da administração, respeitando aos actos discricionários
e correspondentes à previsão do nº2 do artigo 71º. Repare-se que a solução
encontrada no CPTA em relação à situação paralela de declaração de ilegalidade
por omissão de normas regulamentares (artigo 77º) foi a de consagrar uma
pronúncia declarativa que verifique a violação e, consequentemente, imponha à
Administração a emissão das normas em falta, mas em que este decide como
entender, embora dentro de um prazo fixado pelo juiz. Como refere JORGE CORTÊS,
esta opção em nada repugna, e, bem pelo contrário, respeitaria quer a autoria
administrativa quer a autonomia do conteúdo decisório.
Por
fim, é de entender que o tribunal se venha impor, de modo positivo, à
autoridade administrativa, no respeito desta pelas suas próprias directivas de
discricionariedade internas, dele conhecidas através da fundamentação dos actos
discricionários, no quadro da aplicação do principio da igualdade. Contudo,
adiante-se, que o tribunal apenas poderia conhecer destas “directivas”, de
forma indirecta, através da eficácia externa dos princípios em causa e, em cada
caso, através da fundamentação dos actos administrativos e das demais prática
administrativa. Só por esta via nos parece, ser de alguma forma, possível
atribuir um sentido positivo útil residual ao preceito em análise. Em suma, o
cidadão não tem, nestes domínios, perante a Administração, um direito subjectivo
público material a obter um determinado resultado ou decisão com um determinado
conteúdo, mas apenas um direito formal a que a autoridade administrativa decida
sem vícios e com respeito pela igualdade de tratamento[32].
Concluindo,
o juiz deve limitar os seus poderes de pronúncia à determinação da
obrigatoriedade de praticar um acto administrativo com neutralidade e
objectividade, limitando.se as directrizes jurídicas, que pode emitir, à
determinação dessa obrigação e à imposição do respeito pelo princípio da
igualdade, tal como ele resulta aplicável a partir das orientações ou
directivas de discricionariedade formuladas pela Administração para os casos
concretos semelhantes.
[1]
ANTÓNIO CADILHA, “Os poderes de pronúncia
jurisdicionais na acção de condenação à prática de acto devido e os limites
funcionais da justiça administrativa”, in Estudos em Homenagem ao Prof.
Sérvulo Correia, vol. II, Coimbra, 2010, p.161.
[2]
JOÃO CAUPERS, “Imposições à Administração
Pública”, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº16, p. 49.
[3]
SÉRVULO CORREIA, “Les limites au pouvoir
d’injunction du juge administratif”, in Estudos Vários, Estudo nº3, vol.
II, pp. 177 e 178.
[4]
SÉRVULO CORREIA, “Les limites au pouvoir
d’injunction du juge administratif”, in Estudos Vários, Estudo nº3, vol.
II, pp. 178.
[5]
VIEIRA DE ANDRADE, “O novo modelo de
impugnação judicial dos actos administrativos. Tradição e reforma”, in
Colóquio Luso-Espanhol: O acto no contencioso administrativo – Tradição e
Reforma”, coord. Colaço Antunes e Sáinz Moreno, Almedina, Coimbra, 2005, p.
192.
[6]
MARIO AROSO DE ALMEIDA, “O novo regime do
processo nos tribunais administrativos”, 4ª edição, Lisboa, Almedina, 2005,
p. 224.
[7]
SÉRVULO CORREIA, “Les limites au pouvoir
d’injunction du juge administratif”, in Estudos Vários, Estudo nº3, vol.
II, pp. 178. Como refere o autor “aquilo que o juiz não pode fazer – sob pena de
usurpação de poderes – é transformar a injunção num acto funcionalmente
administrativo”. Tal aconteceria, em suma, se o juiz se substituísse à
Administração, fosse para exercer as opções próprias do poder discricionário,
fosse para efectuar um julgamento de valor sobre situações correspondentes a
conceitos jurídicos indeterminados.
[8]
RUI MACHETE, “A condenação à prática de acto
administrativo: algumas questões”, in Cadernos de Justiça Administrativa,
nº50, p. 5.
[9]
Em sentido diverso, MARIA FRANCISCA PORTOCARRERO, “Reflexões sobre os poderes de pronuncia do Tribunal num novo meio
contencioso: a acção para a determinação da prática de acto administrativo
legalmente devido na sua configuração no art. 71º do código de processo nos
tribunais administrativos”, in ARS Ivdicandi: estudos em Homenagem ao Prof.
Doutor António Castanheira Neves, vol. III, pp. 452 e 453. Considera a autora que
mesmo em alguns casos de actos vinculados, à autoridade administrativa
poder-se-á ainda reconhecer a possibilidade de escolher o momento da prática do
acto, em face das circunstâncias do interesse público, permitindo-se, adoptando
esta visão “cega”, que o tribunal usurpe a função administrativa de avaliar a
oportunidade do momento da prática dos seus actos.
[10]
Aliás, o nº3 do artigo 3º e o nº6 do artigo 167º, ambos do CPTA, admitem,
genericamente, a prolação de sentenças substitutivas de actos administrativos apenas quando esteja em causa o
exercício de uma competência vinculada.
[11]
RUI MACHETE, “A condenação à prática de
acto administrativo: algumas questões”, p. 6. Também este autor refere que
no caso de actos vinculados, a acção de condenação à prática de acto devido “é
funcionalmente similar às obrigações de resultado”, parecendo sustentar que
nada poderá opor-se a que o tribunal proceda a uma condenação em sentido
estrito.
[12]
ANTÓNIO CADILHA, “Os poderes de pronúncia
jurisdicionais na acção de condenação à prática de acto devido e os limites
funcionais da justiça administrativa”, pp. 192 e 193.
[14]
COLAÇO ANTUNES, “A acção de condenação e
o direito ao acto”, in Colóquio Luso-Espanhol: O acto no contencioso
administrativo – Tradição e Reforma”, coord. Colaço Antunes e Sáinz Moreno,
Almedina, Coimbra, 2005, p. 220.
[15]
HUERGO LORA, “ Las pretensiones de
condenea en el contencioso-administrativo”, Monografias Aranzadi, p. 307.
[16]
Expressão utilizada pela doutrina alemã para expressar as pretensões que, por
envolverem tão somente o exercício de uma competência vinculada estão aptas a
ser resolvidas (de fundo) pelo Juiz Administrativo.
[17]
Exemplo clássico deste tipo de situações foi a decisão do Tribunal Federal
Alemão que, depois de constar a ilegalidade da actuação do Gabinete para os
Refugiados por este ter rejeitado de forma automática os pedidos destes,
ordenou que os tribunais de primeira instância tinham o dever de analisar se os
pedidos dos requerentes eram justificados. O problema é que a qualidade de
refugiado estava taxativamente fixada na lei (sendo uma matéria que não
comportava margem de discricionariedade), o que implicou um trabalho gigantesco
para os Tribunais, quando havia uma entidade especializada nessa matéria,
derivado do processo complexo existente que envolvia, frequentemente, pesquisas
no estrangeiro.
[18]
ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, “O controlo
jurisdicional da discricionariedade e das decisões de valoração e prognose”,
in Estudos de Contencioso Administrativo, Lisboa 2000, p. 407.
[19]
ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, “O controlo
jurisdicional da discricionariedade e das decisões de valoração e prognose”, p.
408 e 409.
[20]
MARIO AROSO DE ALMEIDA, “O novo regime do
processo nos tribunais administrativos”, p. 213.
[21]
MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO MATOS, “Direito Administrativo geral – Introdução e princípios fundamentais”,
Tomo I, Publicações D. Quixote, Lisboa, 2004, p. 198.
[22]
Assim, JOÃO PACHECO DE AMORIM, “A
substituição judicial da Administração na prática de actos administrativos
devidos”, in Reforma do Contencioso Administrativo, Ministério da Justiça,
Volume I – O debate universitário. Coimbra Editora, 2003, p. 481.
[23]
Em especial, COLAÇO ANTUNES, “A acção de
condenação e o direito ao acto”, p. 228.
[24]
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “O novo regime do
processo nos tribunais administrativos”, pp. 227 e 228. Responde o autor a estas criticas com o
argumento de que o grande mérito da teoria clássica da redução da
discricionariedade a zero consistiu em permitir ao juiz a necessidade de
ultrapassar uma mera posição “negativa” da apreciação da legalidade do acto ou
omissão administrativa, para passar para um ponto de vista em que se vá além de
tal constatação e se afira se, no caso em análise, estão reunidas as condições
para que se considere que a Administração está vinculada a actuar num
determinado sentido concretamente definido.
[25]
ANTÓNIO CADILHA, “Os poderes de pronúncia
jurisdicionais na acção de condenação à prática de acto devido e os limites
funcionais da justiça administrativa”, pp. 205 e 206.
[26]
NUNO PIÇARRA, “A separação de poderes na
Constituição de 1976”, in Dez anos da Constituição, Lisboa, 1987, p. 337.
[27]
ANTÓNIO CADILHA, O autor realça também que, ao contrário do nº1 do mesmo
preceito, existindo uma intrínseca e inseparável ligação entre a tarefa de
recolha e selecção de informações e elementos de decisão, e a tarefa de
apreciação da relevância dos factores seleccionados e a adopção, com base
neles, dos referidos juízos de valor e raciocínios de prognose, não seria
permitida a intervenção instrutória do juiz na recolha de material probatório,
pois a sede própria para o efeito é o procedimento administrativo.
[28]
VASCO PEREIRA DA SILVA, “O contencioso
administrativo no divã da psicanálise”, 2ª edição actualizada, Almedina,
2009, pp. 392-395.
[29]
ROGÉRIO SOARES, “Direito Administrativo”,
pp. 51-55.
[30]
Como nos relembra MARIA FRANCISCA PORTOCARRERO, “Reflexões sobre os poderes de pronuncia do Tribunal num novo meio
contencioso”, pp. 470-474.
[31]
VIEIRA DE ANDRADE, “A justiça
administrativa: lições”, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 377 a 379.
[32]
MARIA FRANCISCA PORTOCARRERO, “Reflexões
sobre os poderes de pronúncia do Tribunal num novo meio contencioso”, pp.
487 e 488.
Diogo Coelho, nº 22003, subturma 3
Visto.
ResponderEliminar