A
problemática das providências cautelares no Contencioso Administrativo
português
Uma das
questões que mais interesse e discussão causou na reforma do Contencioso
Administrativo é relativa à inserção das providências cautelares no ordenamento
jurídico-administrativo português e a adopção de um regime mais ou menos
flexível. Com efeito, com a inserção de um modelo subjectivo de tutela dos
direitos dos particulares, tornou-se imperativo perante a reforma do contencioso,
a consagração de providências cautelares, devido à máxima que faz corresponder
a cada direito subjectivo/interesse legítimo tanto um meio processual
definitivo como um cautelar, passando portanto a existir uma imposição que
preserva a garantia dos particulares através de cláusulas abertas de
providências cautelares inominadas. Verifica-se portanto através da consagração
de providências cautelares (especificamente através da sua característica
primária fummus bonni iuris, que se
apresenta como critério divergente do dogma de presunção da legalidade da
actividade da Administração Pública) o afastamento do modelo exclusivamente
objectivo que seria centrado apenas para a garantia da norma e perante o qual,
as providências cautelares seriam dispensadas. Sendo assim, é possível analisar
a evolução do regime das providências cautelares antes e depois da reforma do
Contencioso Administrativo, no sentido em que antes da reforma, a tutela
cautelar só se verificava em relação ao instituto do efeito suspensivo da eficácia
do acto recorrido, perante o novo contencioso verifica-se a existência de um
modelo cautelar aberto, consagrando-se portanto o princípio da garantia
judicial efectiva, presente no artigo 268º/4 da Constituição.
Convém
agora, porém, estabelecer um paralelismo entre a tutela urgente principal
(artigo 97ºCPTA) e a tutela urgente cautelar (artigo 112ºCPTA). Com efeito, a
distinção entre estes dois meios processuais baseia-se no grau de protecção
conferida. Enquanto a tutela sumária principal é concedida através de uma
decisão proferida a título definitivo no âmbito de uma acção principal e
perante a aplicação integral de um regime de prova e de distribuição do seu
ónus, a tutela cautelar é baseada na provisoriedade e instrumentalidade,
características que serão analisadas posteriormente. De acordo com a posição da
Professora CARLA AMADO GOMES, a ponderação entre a tutela urgente principal e a
tutela cautelar estabelece-se nos seguintes moldes: sempre que o exercício do
direito possa ser repetido por não se encontrar sujeito a qualquer prazo,
deverá preferir-se a tutela cautelar à urgente, pelo que nas situações em que o
exercício do direito esteja temporalmente condicionado, deverá prevalecer a
tutela urgente principal.
Mas qual o
objectivo das Providencias Cautelares perante o Contencioso Administrativo? De
acordo com a Professora MARIA DA GLÓRIA GARCIA, a tutela cautelar pretende a
prevenção de danos iminentes (v.g. ordem de demolição ilegal ou ordem de
expulsão ilegal – situações resultantes de um ius manifestum), cuja evidência não apela à ponderação mas sim a
uma acção imediata permitindo a execução provisória do direito ligado à providência
cautelar em causa (exteriorizada através da summario
cognitio), pondo em prática um procedimento caracterizado pela simplicidade
e celeridade processual.
Sendo assim,
verifica-se que a instituição de providências cautelares num regime de maior
flexibilização (tutela cautelar aberta) vem consagrar e concretizar três
princípios fundamentais do sistema administrativo português:
i) Princípio
da tutela judicial efectiva
Tal deve-se à estreita conexão estabelecida a partir do
momento em que é necessário dotal o contencioso administrativo português de um
sistema plural de acções processuais capazes de proporcionar uma protecção dos
particulares perante actuações da Administração, pelo que como já foi analisado
supra, a tutela cautelar impõe perante o ordenamento, que a cada meio
processual corresponda uma medida cautelar adequada. Através deste princípio,
consegue-se também estabelecer uma ponte como o princípio da plenitude dos
meios de acesso à jurisdição administrativa, o qual impõe a consagração de um numerus apertus em relação ao instituto
da tutela cautelar. Verifica-se portanto, perante a instituição de uma cláusula
aberta de tutela cautelar, a distinção entre tutela cautelar antecipatória
(positiva) e tutela cautelar condenatória (negativa). Porém, verifica-se no
ordenamento jurídico português uma dificuldade acrescida de decretação de
providências cautelares antecipatórias relativas às conservatórias, o qual
prende-se essencialmente com o grau de prova necessário. Derivado do seu
carácter urgente, as providências cautelares bastam-se somente com a mera justificação
não sendo necessária a prova plena, pelo que se coloca mais uma questão perante
a multiplicidade de conceitos indeterminados que surgem como uma excessiva
margem de live decisão do juiz para a integração e determinação do grau de
probabilidade da procedência da acção. Como defende o Professor Miguel Prata
Roque, seria necessário, a quantificação de uma probabilidade forte ou
reforçada para determinar a procedência de uma providência conservatória
(determinado no artigo 120ºCPTA). No caso das providências cautelares
antecipatórias, será necessário um grau mais exigente de juízo de
verosimilhança, pelo que não poderá ser de todo manifesta a impossibilidade de
procedência da acção principal).
ii) Princípio
da separação de poderes
A intervenção cautelar substitutiva ou condenatória do juiz
administrativo depara-se com o limite de não poder ser expressão da escolha
discricionária dos interesses e valorações técnicas que são reservadas à
Administração, o que implica para o juiz administrativo um princípio de
autocontenção perante a reserva da discricionariedade da Administração. No caso
das providências cautelares antecipatórias, o Professor MIGUEL PRATA ROQUE
considera que o regime processual cautelar beneficiaria com a atribuição ao
juiz cautelar de poderes substitutivos sempre que fossem decretadas
providências cautelares antecipatórias.
Perante este princípio, verifica-se portanto dois limites à
decretação das providências cautelares: a) provisoriedade: o qual impede o
acautelamento dos eventuais efeitos da decisão principal, quando a medida
cautelar seja irreversível. Sendo assim, através de uma técnica de antecipação,
o juiz cautelar antevê o hipotético regulamento da relação material
controvertida subjacente à causa principal e a antecipação provisória dos
efeitos da decisão definitiva para essa relação; b) instrumentalidade: pelo que
a providência cautelar está sempre ligada a um processo principal que lhe serve
de base. As providências cautelares visam portanto assegurar a efectividade da
acção administrativa principal, impedindo que a tutela dos direitos dos
Administrados venham a ser meramente “platónicos” (instrumentalidade
hipotética, a qual é revelada através da caducidade ou extinção da acção
principal). Portanto, verifica-se que o juiz cautelar deve fundar o seu juízo
de valor em termos de verosimilhança (juízo assente na probabilidade sobre a
existência dos direitos do requerente ou sobre o provável êxito do requerente
na acção principal).
iii) Princípio
da prossecução equilibrada do interesse público e do respeito pelos direitos e
interesses legalmente protegidos dos cidadãos
Estabelecendo um paralelismo entre os interesses da
Administração Pública e dos particulares Administrados, será necessário fazer
uma ponderação global dos interesses públicos e privados, pelo que a
providência poderá ser recusada em caso de lesão grave do interesse público.
Porém, verifica-se que o próprio interesse público pode justificar o provimento
da providência cautelar.
A título de conclusão, verifica-se portanto que as providências
cautelares no ordenamento jurídico português, em específico perante o Contencioso
Administrativo, têm vindo a sofrer uma evolução constante, sendo categórico
especialmente perante a reforma do Contencioso, com a instituição de um numerus apertus. Embora, a Professora
MARIA DA GLÓRIA GARCIA defenda a necessidade de implementar medidas cautelares
nominadas que facilitem a acção do juiz num momento em que é necessário uma
apreciação sumária e urgente, é compreensível a instituição de providências
cautelares inominadas, como forma de abranger um leque de meios processuais que
garantam aos particulares uma panóplia de escolhas que consagrem a tutela
judicial efectiva. Verifica-se também, nas palavras da Professora ISABEL
CELESTE FONSECA, que a tutela cautelar como forma de tutela jurisdicional
encontra-se intrinsecamente instrumentalizada em relação à acção principal, o
qual vem sujeitar a decisão a um processo de reversibilidade extrema embora
limitada pela probabilidade forte ou reforçada, a qual dentro da mera
justificação enquanto grau de prova vem confirmar a intensificação de um juízo
de verosimilhança mais fortalecido.
Bibliografia
Fonseca,
Isabel Celeste – Providência cautelar conservatória e providência cautelar
antecipatória: a distinção faz toda a diferença, Estudos em homenagem ao Prof.
Jorge Miranda, Coimbra 2012, p. 511-528, vol.6
Garcia, Maria
da Glória – As medidas cautelares entre a correcta prossecução do interesse
público e a efectividade dos direitos dos particulares, Reforma do contencioso administrativo, Coimbra, 2003, p. 431-449 –
Vol.1
Maçãs,
Fernanda – As medidas cautelares, Reforma do contencioso administrativo,
Coimbra, 2003, p. 449 – 483, Vol. 1
Quadro,
Fausto – Algumas considerações gerais sobre a reforma do contencioso
administrativo em especial, as providências cautelares, Reforma do contencioso
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Roque, Miguel
Prata – Cautelas e caldos de galinha: reflexões sobre a tutela cautelar no novo
contencioso administrativo, Lisboa, 2004
Miriam
Almeida Alves nº21905
Visto.
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