domingo, 2 de novembro de 2014

A problemática das providências cautelares no Contencioso Administrativo português

A problemática das providências cautelares no Contencioso Administrativo português

Uma das questões que mais interesse e discussão causou na reforma do Contencioso Administrativo é relativa à inserção das providências cautelares no ordenamento jurídico-administrativo português e a adopção de um regime mais ou menos flexível. Com efeito, com a inserção de um modelo subjectivo de tutela dos direitos dos particulares, tornou-se imperativo perante a reforma do contencioso, a consagração de providências cautelares, devido à máxima que faz corresponder a cada direito subjectivo/interesse legítimo tanto um meio processual definitivo como um cautelar, passando portanto a existir uma imposição que preserva a garantia dos particulares através de cláusulas abertas de providências cautelares inominadas. Verifica-se portanto através da consagração de providências cautelares (especificamente através da sua característica primária fummus bonni iuris, que se apresenta como critério divergente do dogma de presunção da legalidade da actividade da Administração Pública) o afastamento do modelo exclusivamente objectivo que seria centrado apenas para a garantia da norma e perante o qual, as providências cautelares seriam dispensadas. Sendo assim, é possível analisar a evolução do regime das providências cautelares antes e depois da reforma do Contencioso Administrativo, no sentido em que antes da reforma, a tutela cautelar só se verificava em relação ao instituto do efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido, perante o novo contencioso verifica-se a existência de um modelo cautelar aberto, consagrando-se portanto o princípio da garantia judicial efectiva, presente no artigo 268º/4 da Constituição.

Convém agora, porém, estabelecer um paralelismo entre a tutela urgente principal (artigo 97ºCPTA) e a tutela urgente cautelar (artigo 112ºCPTA). Com efeito, a distinção entre estes dois meios processuais baseia-se no grau de protecção conferida. Enquanto a tutela sumária principal é concedida através de uma decisão proferida a título definitivo no âmbito de uma acção principal e perante a aplicação integral de um regime de prova e de distribuição do seu ónus, a tutela cautelar é baseada na provisoriedade e instrumentalidade, características que serão analisadas posteriormente. De acordo com a posição da Professora CARLA AMADO GOMES, a ponderação entre a tutela urgente principal e a tutela cautelar estabelece-se nos seguintes moldes: sempre que o exercício do direito possa ser repetido por não se encontrar sujeito a qualquer prazo, deverá preferir-se a tutela cautelar à urgente, pelo que nas situações em que o exercício do direito esteja temporalmente condicionado, deverá prevalecer a tutela urgente principal.

Mas qual o objectivo das Providencias Cautelares perante o Contencioso Administrativo? De acordo com a Professora MARIA DA GLÓRIA GARCIA, a tutela cautelar pretende a prevenção de danos iminentes (v.g. ordem de demolição ilegal ou ordem de expulsão ilegal – situações resultantes de um ius manifestum), cuja evidência não apela à ponderação mas sim a uma acção imediata permitindo a execução provisória do direito ligado à providência cautelar em causa (exteriorizada através da summario cognitio), pondo em prática um procedimento caracterizado pela simplicidade e celeridade processual.

Sendo assim, verifica-se que a instituição de providências cautelares num regime de maior flexibilização (tutela cautelar aberta) vem consagrar e concretizar três princípios fundamentais do sistema administrativo português:

i)   Princípio da tutela judicial efectiva
Tal deve-se à estreita conexão estabelecida a partir do momento em que é necessário dotal o contencioso administrativo português de um sistema plural de acções processuais capazes de proporcionar uma protecção dos particulares perante actuações da Administração, pelo que como já foi analisado supra, a tutela cautelar impõe perante o ordenamento, que a cada meio processual corresponda uma medida cautelar adequada. Através deste princípio, consegue-se também estabelecer uma ponte como o princípio da plenitude dos meios de acesso à jurisdição administrativa, o qual impõe a consagração de um numerus apertus em relação ao instituto da tutela cautelar. Verifica-se portanto, perante a instituição de uma cláusula aberta de tutela cautelar, a distinção entre tutela cautelar antecipatória (positiva) e tutela cautelar condenatória (negativa). Porém, verifica-se no ordenamento jurídico português uma dificuldade acrescida de decretação de providências cautelares antecipatórias relativas às conservatórias, o qual prende-se essencialmente com o grau de prova necessário. Derivado do seu carácter urgente, as providências cautelares bastam-se somente com a mera justificação não sendo necessária a prova plena, pelo que se coloca mais uma questão perante a multiplicidade de conceitos indeterminados que surgem como uma excessiva margem de live decisão do juiz para a integração e determinação do grau de probabilidade da procedência da acção. Como defende o Professor Miguel Prata Roque, seria necessário, a quantificação de uma probabilidade forte ou reforçada para determinar a procedência de uma providência conservatória (determinado no artigo 120ºCPTA). No caso das providências cautelares antecipatórias, será necessário um grau mais exigente de juízo de verosimilhança, pelo que não poderá ser de todo manifesta a impossibilidade de procedência da acção principal).

ii)  Princípio da separação de poderes
A intervenção cautelar substitutiva ou condenatória do juiz administrativo depara-se com o limite de não poder ser expressão da escolha discricionária dos interesses e valorações técnicas que são reservadas à Administração, o que implica para o juiz administrativo um princípio de autocontenção perante a reserva da discricionariedade da Administração. No caso das providências cautelares antecipatórias, o Professor MIGUEL PRATA ROQUE considera que o regime processual cautelar beneficiaria com a atribuição ao juiz cautelar de poderes substitutivos sempre que fossem decretadas providências cautelares antecipatórias.
Perante este princípio, verifica-se portanto dois limites à decretação das providências cautelares: a) provisoriedade: o qual impede o acautelamento dos eventuais efeitos da decisão principal, quando a medida cautelar seja irreversível. Sendo assim, através de uma técnica de antecipação, o juiz cautelar antevê o hipotético regulamento da relação material controvertida subjacente à causa principal e a antecipação provisória dos efeitos da decisão definitiva para essa relação; b) instrumentalidade: pelo que a providência cautelar está sempre ligada a um processo principal que lhe serve de base. As providências cautelares visam portanto assegurar a efectividade da acção administrativa principal, impedindo que a tutela dos direitos dos Administrados venham a ser meramente “platónicos” (instrumentalidade hipotética, a qual é revelada através da caducidade ou extinção da acção principal). Portanto, verifica-se que o juiz cautelar deve fundar o seu juízo de valor em termos de verosimilhança (juízo assente na probabilidade sobre a existência dos direitos do requerente ou sobre o provável êxito do requerente na acção principal).

iii)  Princípio da prossecução equilibrada do interesse público e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos
Estabelecendo um paralelismo entre os interesses da Administração Pública e dos particulares Administrados, será necessário fazer uma ponderação global dos interesses públicos e privados, pelo que a providência poderá ser recusada em caso de lesão grave do interesse público. Porém, verifica-se que o próprio interesse público pode justificar o provimento da providência cautelar.


A título de conclusão, verifica-se portanto que as providências cautelares no ordenamento jurídico português, em específico perante o Contencioso Administrativo, têm vindo a sofrer uma evolução constante, sendo categórico especialmente perante a reforma do Contencioso, com a instituição de um numerus apertus. Embora, a Professora MARIA DA GLÓRIA GARCIA defenda a necessidade de implementar medidas cautelares nominadas que facilitem a acção do juiz num momento em que é necessário uma apreciação sumária e urgente, é compreensível a instituição de providências cautelares inominadas, como forma de abranger um leque de meios processuais que garantam aos particulares uma panóplia de escolhas que consagrem a tutela judicial efectiva. Verifica-se também, nas palavras da Professora ISABEL CELESTE FONSECA, que a tutela cautelar como forma de tutela jurisdicional encontra-se intrinsecamente instrumentalizada em relação à acção principal, o qual vem sujeitar a decisão a um processo de reversibilidade extrema embora limitada pela probabilidade forte ou reforçada, a qual dentro da mera justificação enquanto grau de prova vem confirmar a intensificação de um juízo de verosimilhança mais fortalecido.




Bibliografia
Fonseca, Isabel Celeste – Providência cautelar conservatória e providência cautelar antecipatória: a distinção faz toda a diferença, Estudos em homenagem ao Prof. Jorge Miranda, Coimbra 2012, p. 511-528, vol.6
Garcia, Maria da Glória – As medidas cautelares entre a correcta prossecução do interesse público e a efectividade dos direitos dos particulares, Reforma do contencioso  administrativo, Coimbra, 2003, p. 431-449 – Vol.1
Maçãs, Fernanda – As medidas cautelares, Reforma do contencioso administrativo, Coimbra, 2003, p. 449 – 483, Vol. 1
Quadro, Fausto – Algumas considerações gerais sobre a reforma do contencioso administrativo em especial, as providências cautelares, Reforma do contencioso administrativo, Coimbra, 2003, p. 211-229 – Vol.1
Roque, Miguel Prata – Cautelas e caldos de galinha: reflexões sobre a tutela cautelar no novo contencioso administrativo, Lisboa, 2004



Miriam Almeida Alves nº21905

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