i. Generalidades
Em primeiro lugar cabe-nos definir o que é o contencioso pré-contratual. Segundo Pedro Gonçalves, é um sistema de impugnação jurisdiscional de normas administrativas reguladoras de procedimentos pré-contratuais e dos actos administrativos relativos à formação de contratos da Administração Pública. Até 1998, não havia qualquer desigualdade quanto à impugnação destes actos e ao regime geral de impugnação de normas e actos administrativos. Contudo, neste mesmo ano, surge o DL n.º 134/98, de 15 de Maio, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 89/665/CEE, que passou a estabelecer um regime especial para actos pré-contratuais relativos à formação de contratos de empreitada de obras públicas, prestação de serviços e fornecimento de bens. Como refere Mário Aroso de Almeida, [1] são "processos de impugnação dos actos administrativos praticados no âmbito do procedimento de formação desses tipos específicos de contratos e apenas desses, que são subtraídos ao modelo normal de tramitação dos processos impugnatórios, para serem submetidos a um modelo de tramitação especial, que se pretende mais célere, e à aplicação do regime dos processos urgentes". A razão para isso, reside na circunstância de os contratos do tipo referido se encontrarem abrangidos pelo âmbito da aplicação de duas directivas comunitárias, as Directivas do Conselho n.º 89/665/CEE, de 21 de Dezembro e n.º 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro que, entre outras coisas, exigem que os Estados membros da União Europeia criem condições para a rápida resolução dos litígios que possam surgir a propósito de formação daqueles contratos rápidos.
Em
segundo lugar, cabe-nos definir o que é ao certo um processo urgente (art.
35.º/2, 36.º/1 e arts. 97.º e seguintes).[2] A
ideia destes processos radica a convicção de que determinadas questões devem
ter, quanto ao seu mérito, uma resolução judicial num tempo curto. Dito de
outra forma, estas questões não devem ou não podem demorar a decidir aquele
tempo que possa ser considerado normal para a generalidade dos processos, nem
para elas se revela suficiente ou adequada uma protecção cautelar que regule
provisoriamente a situação em termos de poder assegurar a utilidade da sentença
produzida em tempo normal.[3]
O
CPTA prevê quatro meios de processos principais: o contencioso eleitoral
(arts.97.º a 99.º); o contencioso pré-contratual (arts. 100.º a 103.º): a
intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de
certidões (arts. 104.º a 108.º) e a intimação para a protecção de direitos,
liberdades e garantias (arts. 109.º a 111.º).
A
previsão de um processo autónomo e urgente resulta da necessidade de assegurar
duas ordens de interesses: por um lado, promover a transparência e a concorrência;
por outro, garantir o início rápido da execução dos contratos e a respectiva
estabilidade depois de celebrados, protegendo os interesses públicos em causa e
ainda os interesses dos contratantes.
São diversas as razões pelas quais o
nosso legislador do contencioso administrativo consagrou a urgência de alguns
processos. A urgência do contencioso pré-contratual é uma urgência que nos é
imposta de fora. O legislador tem pouca margem de liberdade, por imposição da
União Europeia tem de prever uma tramitação mais célere, para o contencioso
pré-contratual de quatro tipos de contratos.
ii. Objecto
Este
meio deve ser utilizado quando esteja em causa a ilegalidade de quaisquer decisões
administrativas relativas à formação de determinado tipo contratos.[4]
Assim, através deste meio pode ser impugnado todo o acto administrativo
relativo à formação desses contratos, bem como os actos equiparados de
entidades privadas.[5]
Caso o contrato seja entretanto celebrado, o objecto do processo é ampliado à
impugnação do próprio contrato, embora apenas quanto às invalidades que derivem
do procedimento pré-contratual.
iii. Os procedimentos pré-contratuais
Neste
âmbito, surge-nos a questão de saber quais são os procedimentos pré contratuais
abrangidos. À primeira vista, não são visíveis quaisquer problemas na medida em
que a lei é bastante clara ao estabelecer que só se subsumem nesse meio
processual os litígios que se verifiquem no contexto dos procedimentos de
formação dos contratos de empreitada, concessão de obras públicas, prestação de
serviços e de fornecimento de bens. Assim, ficam excluídos não apenas os
procedimentos adjudicatórios de direito privado, mesmo que aberto por entidades
públicas, que por força da alínea e) do art. 4.º/1 do ETAF não cabem no âmbito
da jurisdição administrativa, bem coimo os procedimentos administrativos
tendentes à celebração de quaisquer outros contratos de espécie diferente das
acima assinaladas.[6]
Ficam também excluídos do
contencioso pré-contratual os litígios existentes em procedimentos
concorrenciais de formação de actos administrativos. [7]
Embora seja a solução da lei, fica por saber, quando esteja em causa a
atribuição unilateral, por parte das entidades adjudicantes sujeitas a
procedimentos adjudicatórios de direito publico, de quaisquer vantagens ou
benefícios através de acto administrativo ou equiparado, em substituição da
celebração de um contrato publico sujeito ao regime do contencioso pré-contratual.
Seria um avanço significativo, no
domínio das garantias adjectivas do direito administrativo, se todos os
procedimentos adjudicatórios de direito público tendentes à celebração de
contratos ficassem sempre sujeitos a este regime que temos descrito.
iv. A legitimidade activa
A
legitimidade activa no contencioso pré-contratual está aberta aos candidatos e
concorrentes que participam no procedimento adjudicatório. O mesmo será para o
Ministério Público; para as pessoas que, embora interessadas em participar, não
possam aceder ao procedimento por não respeitarem as regras estabelecidas[8] e,
ainda pessoas que operam no “mercado”.[9] A
questão que se coloca é, se, por força da remissão do art.100.º/1 CPTA e na
falta de disposição especial, não deve reconhecer-se que esse âmbito é mais
alargado, incluindo todas as pessoas, órgãos e entidades a que se refere o art.
55.º/1.
v. O prazo do contencioso pré-contratual
Dispõe o artigo
101.º:
“Os processos do contencioso pré-contratual tem
carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da
notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do
conhecimento do acto.”
Um
primeiro problema que o prazo do mencionado artigo coloca é o de saber qual a
sua influência em sede de revogação de decisões pré-contratuais. No entanto, no
caso de não estar pendente uma impugnação judicial do acto, o art.141.º do CPTA
estabelece que a revogação por ilegalidade só pode ter lugar até ao termo do
prazo mais longo que haja para a dita impugnação.[10]
O prazo do art.101.º tem sido
considerado aplicável, à impugnação de actos nulos, art. 58.º/1 do CPTA e art.
134.º/2 do CPTA. Com alguma oposição da doutrina quanto a este aspecto,
consideramos então que, com respeito ao prazo do art.101.º diverge quanto ao
prazo aplicável aos actos nulos. Os tribunais têm-se manifestado favoravelmente
no sentido do prazo para a impugnação de actos nulos de um mês e, não havendo
nenhuma diferença entre o regime dos actos nulos versus actos meramente
anuláveis. O problema é que, pode estar a consagrar-se uma solução gravemente
danosa para os valores jurídicos que se “escondem” por trás das causas de
nulidade de um acto administrativo. Daí que alguma doutrina tenha vindo a
demonstrar a sua dissonância quanto a este aspecto, considerando que a nulidade
do acto implica que este não produza efeitos jurídicos. Portanto, isso implica
que esses actos sejam impugnáveis a todo o tempo. [11]
Uma parte da doutrina, como o Prof. André Salgado de Matos, critica a posição
dos tribunais no sentido de ser impossível a produção de efeitos jurídicos,
logo não concorda que o decurso do prazo tenha como efeito a consolidação de
actos nulos.
A interpretação correcta a fazer do
art. 101.º é a de que, este artigo, apenas vem determinar a aplicação de um
prazo especial de impugnação aos actos administrativos pré-contratuais para os
quais a lei substantiva preveja um prazo geral. Isto é, o artigo a reduzir ou a
limitar, no presente caso de actos administrativos pré-contratuais, o prazo de
três meses dos actos anuláveis do art.58/2/b do CPTA.
Por último, coloca-se a questão de
saber se é permitido aplicar ao procedimento urgente de actos pré-contratuais o
art.58.º/4, que permite a admissão de uma impugnação apresentada fora do prazo,
se se demonstrar que a tempestiva apresentação, não era exigível a um cidadão
diligente. Assim, quanto ao regime do art. 58.º/4, é uma questão de justo
impedimento [12]
e de erro desculpável. De acordo com o Prof. Vieira de Andrade, deve haver uma
aplicação subsidiária do preceito, a um prazo razoável e, que poderá ir apenas
até à celebração do contrato. Assim sendo, o artigo referido pressupõe que os
actos administrativos só se consolidam na ordem jurídica ao fim do prazo de um ano e, no contencioso urgente pré-contratual,
os actos consolidam-se no prazo de um mês, segundo o art. 101.º. O Prof. Mário
Aroso de Almeida e restante jurisprudência defendem que não deve ser aplicado o
art.58.º/4 nestes casos.
vi. Tramitação
Em
relação à tramitação, segue as regras estabelecidas da acção administrativa
especial, mas com alterações: a possibilidade de concentração numa audiência
pública sobre a matéria de facto e de direito, com alegações orais e sentença
imediata, arts. 102.º e 103.º.[13]
Como
tem sido afirmado, a urgência do contencioso pré-contratual não tutela apenas o
interesse do autor numa decisão rápida, nem apenas o interesse da Administração
numa decisão num curto espaço de tempo, mas tutela, o facto, o interesse de
todos.[14] O
prazo é assim contado a partir de um mês desde a notificação dos interessados
ou do conhecimento do acto, art. 101.º. A propositura da acção não suspende o
procedimento, podendo ser interposta a providência cautelar do art.132.º.
Havendo
lugar a impugnações administrativas, como estas serão em regra facultativas, o
prazo suspende-se e só volta a contar a partir da decisão sobre essa impugnação
ou do termo do prazo legal respectivo, sem prejuízo de o interessado propor
entretanto a acção principal ou solicitar providências cautelares nos termos do
art. 59.º/4 e 5. Se a impugnação for necessária, suspende a eficácia do acto.
Quanto aos
demais pressupostos, aplicam-se, por força do art. 100.º/1, as respectivas à
legitimidade (art.55.º) e à prossecução da acção pelo Ministério Público
(62.º).
Ana Rute Costa, nº 19490
Bibliografia:
- ALMEIDA, Mário
Aroso de, “Manual de Processo
Administrativo”, Almedina, Março 2013
- GONÇALVES, Pedro, "O contencioso administrativos pré-contratual", in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 44, Março/Abril de 2004.
- GONÇALVES,
Pedro, “Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in
Cadernos de Justiça Administrativa” n.º62 Março/Abril de 2007.
- CABRAL,
Margarida Olazabal, “Processos urgentes principais - em especial, o Contencioso
pré-contratual”. In Cadernos de Justiça Administrativa, N.º 94 Julho/Agosto.
- OLIVEIRA,
Rodrigo Esteves de, “O Contencioso Urgente da Contratação Pública”, in Cadernos
de Justiça Administrativa, N.º 78 Novembro/Dezembro de 2009.
- ANDRADE, José Carlos Vieira de, "A Justiça Administrativa", Coimbra, Almedina, 2009.
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno de 1.º Secção) n.º 2/2001, Proc. 225/11 de 16 de Junho de 2011.
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Proc. 0598/06 de 3 de Outubro de 2006.
- ANDRADE, José Carlos Vieira de, "A Justiça Administrativa", Coimbra, Almedina, 2009.
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno de 1.º Secção) n.º 2/2001, Proc. 225/11 de 16 de Junho de 2011.
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Proc. 0598/06 de 3 de Outubro de 2006.
[1] “in” O Novo
Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 259.
[2] O motivo pelo
qual se denominam de “processos urgentes” prende-se com a necessidade de
urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa de forma mais
célere que a exigida pela tramitação normal.
[3] Os processos
urgentes distinguem-se dos não urgentes, na medida em que estes últimos consubstanciam
duas formas de processo: a acção declarativa comum, (art.. 35.º/1 e arts. 37.º
e seguintes) e a acção declarativa especial (art. 35.º/2 e arts. 46.º e
seguintes).
[4] Estão incluídos
quatro tipos contratuais: empreitada, concessão de obras públicas, prestação de
serviços e fornecimento de bens.
[5] O artigo 100.º
prevê, para além da impugnação de actos administrativos pré-contratuais, a
impugnação de actos equiparados praticados por sujeitos de direito privado (art.
100.º/3), a impugnação
do programa, do caderno de encargos ou de qualquer outro documento conformador
do procedimento de formação do contrato (art. 100.º/2) e a impugnação do
contrato, quando celebrado na pendência do processo (art. 102.º/4).
[6] Como por
exemplo, os contratos de parcerias público-privadas institucionalizadas, de
concessão de serviços públicos.
[7] Licenciamento ou
autorização de exercícios de actividades económicas de privados, condicionadas,
reservadas ou limitadas por lei.
[8] São os casos de
“adopção de procedimento ilegal”.
[10] Solução que, no
âmbito da acção administrativa especial, considerando o prazo de que dispõe o
Ministério Público, segundo o art.58.º/2 do CPTA, permite essa revogação até um
ano após a prática do acto ilegal.
[11] A imposição do
prazo de um mês no artigo 101.º implica que, depois de decorrido o prazo, o
vício fosse sanado e que o acto produzisse os seus efeitos, o que é
completamente impossível perante estes casos,
[13]
O processo
urgente tem assim uma autonomia limitada em relação à acção administrativa
especial, sendo a sua tramitação mais rápida.
[14] Tutela o autor,
a Administração, os contra-interessados, os terceiros interessados no contrato
em questão, os cidadãos em geral, a sociedade.
Visto.
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