domingo, 2 de novembro de 2014

“O uso de remédios públicos para problemas privados"


A Portugal Telecom requereu ao Banco de Portugal a prestação de diversas informações que considera essenciais ao apuramento de todos os responsáveis pela comercialização de instrumentos de dívida emitidos por entidades pertencentes ao Grupo Espírito Santo, nos quais se inclui a Rio Forte Investments, S.A. 

Tendo em conta que o BP proibiu o BES de comercializar dívida de entidades do ramo não financeiro do GES junto de clientes de retalho, a PT considera essencial apurar os fundamentos de tal proibição do regulador, para ajuizar das razões que conduziram o BES a continuar a comercializar tal dívida junto de clientes seus. 

Porém, o BP tem-se recusado a disponibilizar a informação, invocando o segredo profissional a que está obrigado e o universo excessivamente amplo e vago da informação solicitada, que tornaria impraticável a pesquisa e a identificação segura dos documentos a notificar ou certificar. Quid iuris?

A PT pode recorrer ao processo urgente de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões. Vamos então analisar o meio processual em causa. 

Enquadramento

A intimação para a prestação de informações, consulta de documentos ou passagem de certidões é um processo urgente (36/1c) do CPTA), cujo regime consta do artigo 104 a 108 do CPTA.

Assume um papel fundamental devido ao seu carácter principal, urgente e definitivo. No entanto, e como refere Vieira de Andrade “nem sempre se verificará a tradicional razão de ser da urgência no uso deste meio processual, podendo estar em causa a obtenção de informações em situações perfeitamente normais, não dependentes de prazo. O fundamento desta amplitude abstracta do processo urgente residirá na acentuação do valor da transparência e no pressuposto de estar em causa uma prestação material meramente informativa, fácil de decidir e que a Administração estará em condições de satisfazer em prazo curto”. Como isso nem sempre sucede, o autor admitir a possibilidade de utilização pelo interessado da acção administrativa comum, desde que não esteja em causa a utilização da intimação para obtenção do efeito previsto no artigo 106 do CPTA.


Pressupostos 

A intimação da entidade administrativa competente apresenta dois requisitos alternativos (104/1 do CPTA): a) Quando não seja dada integral satisfação aos pedidos formulados no exercício do direito á informação procedimental, b) Quando não seja dada integral satisfação aos pedidos formulados no exercício do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos.

Legitimidade

Tem legitimidade ativa, os titulares do direito de informação (104/1 do CPTA), quem alegue ser parte na relação jurídica material controvertida (9/1 do CPTA), o interessado no caso do artigo 60/2 do CPTA, e o Ministério Público para o efeito do exercício da acção pública (104/2 do CPTA).

Quanto á legitimidade passiva, existe alguma divergência doutrinária e jurisprudencial. Aroso de Almeida e o Tribunal Central Administrativo Sul (proc.01329/06) entendem que não existe desvio à regra geral da legitimidade passiva e portanto o processo deve ser dirigido á pessoa colectiva. Vieira de Andrade, o Supremo Tribunal Administrativo (proc.0331/05), e o Tribunal Central Administrativo Norte (proc.00008/04  – CA) entendem que o processo deve ser dirigido ao órgão. Refere o autor que a referência do artigo 107 do CPTA à "autoridade" e não à "entidade" requerida leva a não considerar a existência de um regime especial de legitimidade passiva, sendo que o requerente deverá sempre que possível identificar o órgão responsável para que o tribunal possa directamente citá-lo e dirigir-lhe a intimação. Ainda assim, a controvérsia não tem grande alcance prático pois se a petição inicial demandar o órgão perante o qual tenha sido formulada a pretensão do interessado, a acção considera-se regularmente proposta contra a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a que o órgão pertence (10/4 do CPTA). 

Prazo

A intimação deve ser requerida ao tribunal competente no prazo de 20 dias a contar da verificação de qualquer dos seguintes factos: a) decurso do prazo legalmente estabelecido, sem que a entidade requerida satisfaça o pedido que lhe foi dirigido, b) indeferimento do pedido, c) satisfação parcial do pedido (105/1 do CPTA).

O prazo de impugnação pode ainda ter efeito interruptivo (106 do CPTA).

Tramitação

Desde logo, os processos urgentes correm em férias, com dispensa de vistos prévios, tal como os actos da secretaria a ele relativos são praticados no próprio dia e com precedência sobre quaisquer outros (36/2 do CPTA).

Após ter sido apresentado o requerimento, o juiz ordena a citação da autoridade requerida para responder no prazo de 10 dias (107/1 do CPTA).

Após ter sido também apresentada a resposta da autoridade requerida ou decorrido o respectivo prazo e concluídas as diligências que se mostrem necessárias, o juiz profere decisão (107/2 do CPTA).

Decisão

Em caso de provimento, o juiz deve fixar o prazo no qual a intimação deve ser cumprida, e que não pode exceder os 10 dias (108/1 do CPTA). Se houver incumprimento da intimação (1º requisito) e não houver justificação aceitável (2º requisito), o juiz deve determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias (169 do CPTA), sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar (159 do CPTA), nos termos do artigo 108/2 do CPTA.  

Conclusão

De facto, o processo urgente de intimação para a prestação de informações é o meio processual adequado ao caso concreto. Contudo e por circunstâncias diversas, o pedido de intimação pode ser julgado improcedente. Em primeiro lugar, o BP está sujeito ao dever de segredo das autoridades de supervisão (80 do RGIC). Este dever impede que o BP preste informações (sobre o BES) à PT, que tenham sido obtidas no âmbito da supervisão. Em segundo lugar, o pedido formulado pela PT é amplo e indeterminado. O supremo Tribunal Administrativo Sul (proc. 09488/12) entendeu, num caso semelhante, que a formulação de pedidos amplos e indeterminados dificulta a possibilidade de identificação dos documentos a que pretendem aceder, e por conseguinte a improcedência do pedido de intimação. Tal exigência também consta do artigo 6/6 da Lei 46/2007.

Tendo em conta que o BP está sujeito ao âmbito da Lei 46/2007 (4/1g)), a PT pode ainda recorrer a um procedimento administrativo, exercendo o direito de queixa junto da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), nos termos do artigo 15/1 da Lei 46/2007. Embora tais queixas não constituam um pressuposto do processo urgente de intimação para a prestação de informações, elas interrompem o prazo para a sua propositura (15/2 da Lei 46/2007). 



BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa, Almedina 2014.

AROSO DE ALMEIDA, Mário – Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2014.


JURISPRUDÊNCIA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21/04/2005, proferido no processo nº 0331/05.

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/eeae2899973dd4f580256ff10050bd9d?OpenDocument

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 03/06/2004, proferido no processo nº 00008/04  – CA.

http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/4cd3f09e10fbd73680256f3e00581d3f?OpenDocument&Highlight=0,00008%2F04

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 09/02/2006, proferido no processo nº 01329/06.

http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/99a250ba88a67f5b80257117005015be?OpenDocument&Highlight=0,intima%C3%A7%C3%A3o,para,presta%C3%A7%C3%A3o,de,informa%C3%A7%C3%A3o

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07/12/2013, proferido no processo nº 09488/12.

http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/3c612ecf9add6f9680257b11005d1c11?OpenDocument

Júlio Antunes Venâncio, Aluno nº 21781

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