A Portugal Telecom requereu ao Banco de Portugal a prestação de diversas informações que considera essenciais ao apuramento de todos os responsáveis pela comercialização de instrumentos de dívida emitidos por entidades pertencentes ao Grupo Espírito Santo, nos quais se inclui a Rio Forte Investments, S.A.
Tendo em conta que o BP proibiu o BES de comercializar dívida de entidades do ramo não financeiro do GES junto de clientes de retalho, a PT considera essencial apurar os fundamentos de tal proibição do regulador, para ajuizar das razões que conduziram o BES a continuar a comercializar tal dívida junto de clientes seus.
Porém, o BP tem-se recusado a disponibilizar a informação, invocando o segredo profissional a que está obrigado e o universo excessivamente amplo e vago da informação solicitada, que tornaria impraticável a pesquisa e a identificação segura dos documentos a notificar ou certificar. Quid iuris?
A PT pode recorrer ao processo urgente de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões. Vamos então analisar o meio processual em causa.
Enquadramento
A
intimação para a prestação de informações, consulta de documentos ou passagem
de certidões é um processo urgente (36/1c) do CPTA), cujo regime consta do
artigo 104 a 108 do CPTA.
Assume um papel fundamental devido ao
seu carácter principal, urgente e definitivo. No entanto, e como refere Vieira
de Andrade “nem sempre se verificará a
tradicional razão de ser da urgência no uso deste meio processual, podendo
estar em causa a obtenção de informações em situações perfeitamente normais, não
dependentes de prazo. O fundamento
desta amplitude abstracta do processo urgente residirá na acentuação do valor
da transparência e no pressuposto de estar em causa uma prestação material
meramente informativa, fácil de decidir e que a Administração estará em
condições de satisfazer em prazo curto”. Como isso nem sempre sucede, o
autor admitir a possibilidade de utilização pelo interessado da acção
administrativa comum, desde que não esteja em causa a utilização da intimação
para obtenção do efeito previsto no artigo 106 do CPTA.
Pressupostos
A
intimação da entidade administrativa competente apresenta dois requisitos
alternativos (104/1 do CPTA): a) Quando
não seja dada integral satisfação aos pedidos formulados no exercício do
direito á informação procedimental, b) Quando
não seja dada integral satisfação aos pedidos formulados no exercício do
direito de acesso aos arquivos e registos administrativos.
Legitimidade
Tem
legitimidade ativa, os titulares do direito de informação (104/1 do CPTA), quem
alegue ser parte na relação jurídica material controvertida (9/1 do CPTA), o
interessado no caso do artigo 60/2 do CPTA, e o Ministério Público para o
efeito do exercício da acção pública (104/2 do CPTA).
Quanto
á legitimidade passiva, existe alguma divergência doutrinária e
jurisprudencial. Aroso de Almeida e o Tribunal Central Administrativo Sul (proc.01329/06)
entendem que não existe desvio à regra geral da legitimidade passiva e portanto
o processo deve ser dirigido á pessoa colectiva. Vieira de Andrade, o Supremo
Tribunal Administrativo (proc.0331/05), e o Tribunal Central
Administrativo Norte (proc.00008/04 – CA) entendem que o processo deve ser
dirigido ao órgão. Refere o
autor que a referência do artigo 107 do CPTA à "autoridade" e não à "entidade" requerida leva a não considerar a existência de um regime especial de legitimidade passiva, sendo que o requerente deverá sempre que possível identificar o órgão responsável para que o tribunal possa directamente citá-lo e dirigir-lhe a intimação. Ainda assim, a controvérsia não tem grande alcance prático pois se a petição inicial demandar o órgão perante o qual tenha sido formulada a pretensão do interessado, a acção considera-se regularmente proposta contra a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a que o órgão pertence (10/4 do CPTA).
Prazo
A
intimação deve ser requerida ao tribunal competente no prazo de 20 dias a
contar da verificação de qualquer dos seguintes factos: a) decurso do prazo
legalmente estabelecido, sem que a entidade requerida satisfaça o pedido que
lhe foi dirigido, b) indeferimento do pedido, c) satisfação parcial do pedido
(105/1 do CPTA).
O
prazo de impugnação pode ainda ter efeito interruptivo (106 do CPTA).
Tramitação
Desde
logo, os processos urgentes correm em férias, com dispensa de vistos prévios,
tal como os actos da secretaria a ele relativos são praticados no próprio dia e
com precedência sobre quaisquer outros (36/2 do CPTA).
Após
ter sido apresentado o requerimento, o juiz ordena a citação da autoridade
requerida para responder no prazo de 10 dias (107/1 do CPTA).
Após
ter sido também apresentada a resposta da autoridade requerida ou decorrido o
respectivo prazo e concluídas as diligências que se mostrem necessárias, o juiz
profere decisão (107/2 do CPTA).
Decisão
Em
caso de provimento, o juiz deve fixar o prazo no qual a intimação deve ser
cumprida, e que não pode exceder os 10 dias (108/1 do CPTA). Se houver
incumprimento da intimação (1º requisito) e não houver justificação aceitável
(2º requisito), o juiz deve determinar a aplicação de sanções pecuniárias
compulsórias (169 do CPTA), sem prejuízo do apuramento da responsabilidade
civil, disciplinar e criminal a que haja lugar (159 do CPTA), nos termos do artigo
108/2 do CPTA.
Conclusão
De
facto, o processo urgente de intimação para a prestação de informações é o meio
processual adequado ao caso concreto. Contudo e por circunstâncias diversas, o
pedido de intimação pode ser julgado improcedente. Em primeiro lugar, o BP está
sujeito ao dever de segredo das autoridades de supervisão (80 do RGIC). Este
dever impede que o BP preste informações (sobre o BES) à PT, que tenham sido
obtidas no âmbito da supervisão. Em segundo lugar, o pedido formulado pela PT é
amplo e indeterminado. O supremo Tribunal Administrativo Sul (proc. 09488/12)
entendeu, num caso semelhante, que a formulação de
pedidos amplos e indeterminados dificulta a possibilidade de identificação dos
documentos a que pretendem aceder, e por conseguinte a improcedência do pedido
de intimação. Tal exigência também consta do artigo 6/6 da Lei 46/2007.
Tendo em conta que o BP está sujeito ao âmbito da Lei
46/2007 (4/1g)), a PT pode ainda recorrer a um procedimento administrativo, exercendo o direito de queixa junto da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), nos termos do artigo 15/1 da Lei 46/2007. Embora tais queixas não constituam um pressuposto do processo urgente de intimação para a prestação de informações, elas interrompem o prazo para a sua propositura (15/2 da Lei 46/2007).
BIBLIOGRAFIA
ANDRADE, José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa,
Almedina 2014.
AROSO DE ALMEIDA, Mário – Manual de Processo
Administrativo, Almedina, 2014.
JURISPRUDÊNCIA
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21/04/2005, proferido no processo nº 0331/05.
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/eeae2899973dd4f580256ff10050bd9d?OpenDocument
Acórdão do Tribunal Central
Administrativo Norte de 03/06/2004, proferido no processo nº 00008/04 – CA.
Acórdão do Tribunal Central
Administrativo Sul de 09/02/2006, proferido no processo nº 01329/06.
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07/12/2013, proferido no processo nº 09488/12.
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/3c612ecf9add6f9680257b11005d1c11?OpenDocument
Júlio Antunes Venâncio, Aluno nº 21781
Visto.
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