sábado, 1 de novembro de 2014

A Cumulção de pedidos no Contencioso Administrativo

Com a reforma do processo administrativo datada de 2002, passou a possível ao autor deduzir em conjunto, dois pedidos numa só acção, desde que entre eles exista uma conexão juridicamente relevante[1].

Até à aplicação desta reforma, se o autor pretendesse deduzir um pedido de anulação de um acto administrativo, e um outro pedido referente a uma indemnização pelos danos resultantes desse mesmo acto administrativo, o autor teria de formular primeiro o pedido de anulação e só posteriormente poderia deduzir o pedido referente à indemnização.

Foi através da reforma 2002, que alterou o Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), que se introduziu o princípio da livre cumulação de pedidos, consagrado no artigo 4º do CPTA. Este princípio faculta a possibilidade de o autor formular dois pedidos numa só acção, sobre questões relativas à mesma relação jurídica material. Esta modificação levou à simplificação do acesso à justiça[2] e permite uma tutela adequada para se reagir contra actos administrativos de conteúdo negativo[3].
Existe uma cumulação de pedidos quando o autor apresenta mais do que um pedido para ser apreciado pelo tribunal. Numa só acção é possível que o particular obtenha a protecção aos seus direitos ameaçados.

A cumulação pode existir desde a propositura da acção, e esta caracteriza-se como cumulação inicial. Se por outro lado a cumulação só se verificar posteriormente à data da propositura estamos perante uma cumulação sucessiva (artigo 63º/1 do CPTA).

Um bom exemplo onde se verifica uma cumulação de pedidos é no caso dos processos em massa. Para que esta figura seja aplicada é necessário que sejam instaurados mais de vinte processos respeitantes à mesma relação jurídica material – artigo 48º/1 do CPTA.

A cumulação pode ser distinguida em três classificações: simples, alternativa e subsidiária. Estas classificações são admissíveis pelos artigos 4º/1 e 47º/1 do CPTA.

A cumulação simples ocorre quando o autor pretende a procedência de todos os pedidos e a produção de todos os seus efeitos.

Quando o autor pretende a procedência de todos os pedidos formulados, mas só quer o efeito de um desses pedidos (a escolha é feita pelo demandado ou por terceiro), estamos perante uma cumulação alternativa (artigo 32º/9 + 47º/4  CPTA).

Se por sua vez o autor formula um pedido principal e em conjunto apresenta um segundo pedido, que só será tido em conta caso o primeiro seja improcedente, classifica-se como cumulação subsidiária (artigo 47º/4 CPTA).

Para que a cumulação seja admissível é necessário que esta cumpra com alguns requisitos exigidos. O artigo 1º do CPTA refere que é aplicável supletivamente ao Contencioso Administrativo as normas do Código de Processo Civil.

Na cumulação simples é necessário que haja uma compatibilidade substantiva entre os pedidos, isto é, os efeitos que decorrem dos vários pedidos têm de ser compatíveis entre si. Este requisito não se aplica às outras duas classificações porque o objectivo dos pedidos na cumulação alternativa e na cumulação subsidiária é que sejam distintos e incompatíveis.

Para todas as cumulações (simples, alternativa e subsidiária) é necessário que se cumpra com dois requisitos gerais.

O primeiro requisito é o da compatibilidade processual, isto é o tribunal tem de ser materialmente competente. Caso este requisito não esteja preenchido a consequência é a absolvição na instância do pedido de que o tribunal não é competente em função da matéria –artigo 5º/2 do CPTA.

O segundo requisito é o da conexão objectiva entre os pedidos –artigo 47º/1 CPTA. Ao contrário do CPCivil, o CPTA exige que exista uma conexão objectiva. Se este requisito não estiver cumprido ocorre uma ilegalidade da comulação – artigo 89º/1 g). A doutrina segue o entendimento de que o tribunal convida o autor a indicar qual dos pedidos apresentados quer que seja apreciado – aplicação analógica do artigo 12º/3 CPTA.

A grande diferença do processo administrativo para o processo civil, é que o facto de na cumulação estarmos perante pedidos com forma de processo diferentes não impede a cumulação –artigo 5º/1 CPTA. Se um pedido tiver forma comum e o segundo tiver forma especial, não há um impedimento à cumulação. Ambos os pedidos são sujeitos à forma especial. Apenas é necessário que todos os pedidos tratem de matéria de âmbito administrativo. No contencioso administrativo, a acção especial veste a pele de acção “comum” por ser a mais recorrente tendo em conta que absorve os pedidos que se encontram acompanhados por um  pedido de acção especial.

Quando se fala em cumulação, não se pode deixar de referir a cumulação aparente. A cumulação pressupõe que cada um dos pedidos possua uma expressão económica própria, e assim diferentes entre si[4]. A cumulação aparente ocorre porque apesar de o autor deduzir vários pedidos, não há benefícios distintos entre a procedência de cada um desses pedidos, isto é, há apenas uma expressão económica apesar de serem vários pedidos. A utilidade económica do primeiro pedido não se diferencia da do segundo. Um exemplo de cumulação aparente encontra-se nos artigos 4º/2 alineas a) e c) + 47º/2 a) do CPTA. Quando o autor formula um pedido de anulação do acto administrativo e um segundo pedido de condenação da administração à prática do acto devido, o autor faz uma cumulação aparente porque a utilidade económica dos pedidos é a mesma.

A cumulação aparente é importante porque em termos práticos, o valor dos pedidos não se soma. Em quanto que na cumulação “real” o valor dos pedidos soma-se entre si para obter o valor da causa, na cumulação aparente isso não acontece porque o valor é só um.

O valor da causa é importante para aferir a possibilidade de recurso.


Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de; “Manual de Processo Administrativo”, 2014
ALMEIDA, Mário Aroso de; “O novo regime do processo nos Tribunais Administrativos”
AMARAL, Diogo Freitas do; e ALMEIDA, Mário Aroso de; “Grandes linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, 2007
ANDRADE, José Carlos Vieira de; “Justiça Administrativa”, Almedina 2014
SOUSA, Miguel Teixeira de; “Cumulação de pedidos e cumulação aparente no Contencioso Administrativo”, in: Cadernos de Justiça Administrativa nº34

Ana Catarina Eça
Nº21968





[1] ALMEIDA, Mário Aroso de; “Manual de Processo Administrativo”, 2014
[2] ALMEIDA, Mário Aroso de; “O novo regime do processo nos Tribunais Administrativos”
[3] AMARAL, Diogo Freitas do; e ALMEIDA, Mário Aroso de; “Grandes linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, 2007
[4] SOUSA, Miguel Teixeira de; “Cumulação de pedidos e cumulação aparente no Contencioso Administrativo”

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