Com a reforma do processo administrativo datada de 2002,
passou a possível ao autor deduzir em conjunto, dois pedidos numa só acção, desde
que entre eles exista uma conexão juridicamente relevante[1].
Até à aplicação desta reforma, se o autor pretendesse deduzir
um pedido de anulação de um acto administrativo, e um outro pedido referente a
uma indemnização pelos danos resultantes desse mesmo acto administrativo, o
autor teria de formular primeiro o pedido de anulação e só posteriormente
poderia deduzir o pedido referente à indemnização.
Foi através da reforma 2002, que alterou o Código do Processo
nos Tribunais Administrativos (CPTA) e o Estatuto dos Tribunais Administrativos
e Fiscais (ETAF), que se introduziu o princípio
da livre cumulação de pedidos, consagrado no artigo 4º do CPTA. Este
princípio faculta a possibilidade de o autor formular dois pedidos numa só
acção, sobre questões relativas à mesma relação jurídica material. Esta modificação
levou à simplificação do acesso à justiça[2]
e permite uma tutela adequada para se reagir contra actos administrativos de
conteúdo negativo[3].
Existe uma cumulação de pedidos quando o autor apresenta mais
do que um pedido para ser apreciado pelo tribunal. Numa só acção é possível que
o particular obtenha a protecção aos seus direitos ameaçados.
A cumulação pode existir desde a propositura da acção, e esta
caracteriza-se como cumulação inicial. Se por outro lado a cumulação só se
verificar posteriormente à data da propositura estamos perante uma cumulação
sucessiva (artigo 63º/1 do CPTA).
Um bom exemplo onde se verifica uma cumulação de pedidos é no
caso dos processos em massa. Para que esta figura seja aplicada é necessário
que sejam instaurados mais de vinte processos respeitantes à mesma relação jurídica
material – artigo 48º/1 do CPTA.
A cumulação pode ser distinguida
em três classificações: simples, alternativa e subsidiária. Estas
classificações são admissíveis pelos artigos 4º/1 e 47º/1 do CPTA.
A cumulação simples ocorre quando o autor pretende a
procedência de todos os pedidos e a produção de todos os seus efeitos.
Quando o autor pretende a
procedência de todos os pedidos formulados, mas só quer o efeito de um desses
pedidos (a escolha é feita pelo demandado ou por terceiro), estamos perante uma
cumulação alternativa (artigo
32º/9 + 47º/4 CPTA).
Se por sua vez o autor formula um
pedido principal e em conjunto apresenta um segundo pedido, que só será tido em
conta caso o primeiro seja improcedente, classifica-se como cumulação subsidiária (artigo
47º/4 CPTA).
Para que a cumulação seja admissível
é necessário que esta cumpra com alguns requisitos exigidos. O artigo 1º do
CPTA refere que é aplicável supletivamente ao Contencioso Administrativo as
normas do Código de Processo Civil.
Na cumulação simples é necessário
que haja uma compatibilidade substantiva
entre os pedidos, isto é, os efeitos que decorrem dos vários pedidos têm de ser
compatíveis entre si. Este requisito não se aplica às outras duas
classificações porque o objectivo dos pedidos na cumulação alternativa e na
cumulação subsidiária é que sejam distintos e incompatíveis.
Para todas as cumulações
(simples, alternativa e subsidiária) é necessário que se cumpra com dois
requisitos gerais.
O primeiro requisito é o da compatibilidade processual, isto
é o tribunal tem de ser materialmente competente. Caso este requisito não
esteja preenchido a consequência é a absolvição na instância do pedido de que o
tribunal não é competente em função da matéria –artigo 5º/2 do CPTA.
O segundo requisito é o da conexão objectiva entre os
pedidos –artigo 47º/1 CPTA. Ao contrário do CPCivil, o CPTA exige que exista
uma conexão objectiva. Se este requisito não estiver cumprido ocorre uma
ilegalidade da comulação – artigo 89º/1 g). A doutrina segue o entendimento de
que o tribunal convida o autor a indicar qual dos pedidos apresentados quer que
seja apreciado – aplicação analógica do artigo 12º/3 CPTA.
A grande diferença do processo
administrativo para o processo civil, é que o facto de na cumulação estarmos
perante pedidos com forma de processo diferentes não impede a cumulação –artigo
5º/1 CPTA. Se um pedido tiver forma comum e o segundo tiver forma especial, não
há um impedimento à cumulação. Ambos os pedidos são sujeitos à forma especial.
Apenas é necessário que todos os pedidos tratem de matéria de âmbito administrativo.
No contencioso administrativo, a acção especial veste a pele de acção “comum”
por ser a mais recorrente tendo em conta que absorve os pedidos que se
encontram acompanhados por um pedido de
acção especial.
Quando se fala em cumulação, não
se pode deixar de referir a cumulação aparente. A cumulação pressupõe que cada
um dos pedidos possua uma expressão económica própria, e assim diferentes entre
si[4].
A cumulação aparente ocorre
porque apesar de o autor deduzir vários pedidos, não há benefícios distintos
entre a procedência de cada um desses pedidos, isto é, há apenas uma expressão
económica apesar de serem vários pedidos. A utilidade económica do primeiro
pedido não se diferencia da do segundo. Um exemplo de cumulação aparente
encontra-se nos artigos 4º/2 alineas a) e c) + 47º/2 a) do CPTA. Quando o autor
formula um pedido de anulação do acto administrativo e um segundo pedido de
condenação da administração à prática do acto devido, o autor faz uma cumulação
aparente porque a utilidade económica dos pedidos é a mesma.
A cumulação aparente é importante
porque em termos práticos, o valor dos pedidos não se soma. Em quanto que na
cumulação “real” o valor dos pedidos soma-se entre si para obter o valor da
causa, na cumulação aparente isso não acontece porque o valor é só um.
O valor
da causa é importante para aferir a possibilidade de recurso.
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de; “Manual de Processo Administrativo”, 2014
ALMEIDA, Mário Aroso de; “O novo regime do processo nos Tribunais Administrativos”
AMARAL, Diogo Freitas do; e ALMEIDA, Mário Aroso de; “Grandes linhas da Reforma do Contencioso
Administrativo”, 2007
ANDRADE, José Carlos Vieira de; “Justiça Administrativa”, Almedina 2014
SOUSA, Miguel Teixeira de; “Cumulação de pedidos e cumulação aparente no Contencioso
Administrativo”, in: Cadernos de Justiça Administrativa nº34
Ana Catarina Eça
Nº21968
[1] ALMEIDA,
Mário Aroso de; “Manual de Processo
Administrativo”, 2014
[2] ALMEIDA,
Mário Aroso de; “O novo regime do
processo nos Tribunais Administrativos”
[3] AMARAL,
Diogo Freitas do; e ALMEIDA, Mário Aroso de; “Grandes linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, 2007
[4] SOUSA,
Miguel Teixeira de; “Cumulação de pedidos
e cumulação aparente no Contencioso Administrativo”
Visto.
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