Os processos principais urgentes - as impugnações
urgentes
Em Direito do Contencioso Administrativo, os
processos distinguem-se entre principais e não principais (logo,
acessórios e dependentes dos primeiros – é o caso das providências cautelares).
Por sua vez, os processos principais subdividem-se em normais (acção
administrativa comum e especial) e urgentes.
A susceptibilidade de se atribuir a um processo
principal o carácter de urgência, e assim prioritalizá-lo face aos restantes
fugindo às normais delongas judiciais, decorre do entendimento por parte do
legislador de que estas, em alguns casos, retirariam o interesse da(s) parte(s)
na obtenção da tutela judicial, pelo que a eventual procedência da pretensão
jurídico-administrativa em questão seria já inútil .
É portanto a utilidade que baseia o carácter
de urgência de alguns processos, com o intuito de salvaguardar a cláusula
constitucional programática prevista no artigo 20.º, n.º 5 da C.R.P.,
que confere aos cidadãos o direito a um processo célere e prioritário, de modo
a obter uma tutela útil e eficaz.
Os processos principais urgentes são então processos
autónomos que se caracterizam pela sua tramitação acelerada ou simplificada,
visando a pronúncia de sentença de mérito num curto espaço de tempo.
O carácter de urgência é atribuído automática e
unicamente aos processos taxativamente enunciados na lei: artigo 36.º/1, als.
a), b), c) e d) do C.P.T.A., correspondendo a al. e) ao único processo urgente
não principal: a providência cautelar.
Cabe então distingui-los das providências cautelares,
que, embora também tenham carácter de urgência, se inserem nos não principais:
- nos primeiros procede-se de forma célere à
pronúncia do mérito da causa, pelo que a sentença, no caso de procedência,
corresponderá integral e definitivamente à pretensão jurídico-administrativa
do autor;
- nas segundas, a decisão em sede cautelar, quando
procedente, implementará as medidas necessárias à salvaguarda da utilidade do
processo principal, paralela e acessoriamente a este[1].
Assim, a tutela cautelar é provisória e dependente da definitiva, que
virá mais tarde, fazendo caducar aquela.
Temos então, como subtipos de processos principais
urgentes: (i) as impugnações urgentes (arts. 97.º ss.), que se
subdividem no contencioso eleitoral e contencioso pré-contratual; (ii) as
intimações (arts. 104.º ss.), seja para prestação de informações/consulta
de processos/passagem de certidões, seja para protecção de direitos, liberdades
e garantias.
A distinção entre uma e outra é fácil:
-no primeiro caso está-se perante um processo
especial de impugnação de actos administrativos, pelo que, nas palavras do
prof. Vieira de Andrade, “estará em
causa, em primeira linha, a verificação da legalidade de pronúncias da
Administração, mas tal não significa necessariamente que as correspondentes
sentenças se refiram apenas à invalidade dos actos impugnados”, abrindo-se
a possibilidade de uma sentença condenatória também nesta sede;
-já as intimações constituem processos especiais de
condenação, mediante imposição à Administração da adopção de uma certa conduta[2]
específica devida.
Então, versando em especial os dois casos de
impugnação (de actos administrativos) aos quais será atribuído carácter
urgente:
1-
Contencioso eleitoral (artigos 97.º a
99.º): englobam esta categoria todas as questões suscitadas por actos (ou em
procedimentos) eleitorais. A ratio da
atribuição de urgência nestes casos decorre da necessidade de salvaguardar a
democraticidade das eleições administrativas, e impossibilidade de eventualmente
fazer retroagir, mais tarde, a situação constituída pelo procedimento
eleitoral.
O objecto da acção é restringido pelo artigo 4.º/1
m), integrando-o “apenas o contencioso
eleitoral relativo a órgãos de pessoas colectivas de direito público”,
independentemente de estas se integrarem na Administração directa ou indirecta.
Ainda quanto ao objecto, atente-se o n.º 3 do artigo
98.º, que restringe a impugnabilidade de actos pré-eleitorais (anteriores ao
apuramento) àqueles que excluam ou omitam eleitores/elegíveis dos
cadernos/listas eleitorais. Discordando da opção legislativa, o prof. Vieira de
Andrade baseia-se no princípio da aquisição progressiva dos actos,
segundo o qual o procedimento eleitoral se constitui por etapas em cascata, “não sendo possível passar à fase seguinte
sem a consolidação da anterior”, para daí retirar que sejam também
impugnáveis, contra a letra do artigo: (i)
a recusa de admissão de listas ao sufrágio; (ii)
inscrição/admissão indevida de pretensos eleitores; (iii) actos eleitorais intercalares ou não definitivos.
Na minha opinião, este entendimento deve proceder,
por maioria de razão da parte final do preceito em causa [quanto aos (i) e (iii)], e por consistência sistemática com a reforma de 2002, que
retirou a definitividade do acto como requisito de impugnabilidade
administrativa [quanto ao ponto (ii)].
Porém, a posição é apenas relativamente defensável
por não ter base legal expressa.
2-
Contencioso pré-contratual (artigos 100.º
a 103.º): também adoptará a forma urgente o processo principal que vise a
impugnação de actos administrativos relativos à formação de quatro
contratos: (i) de empreitada, (ii) de
concessão de obras públicas, (iii) de prestação de serviços, e (iv) de
fornecimento de bens. Correspondem assim grosso
modo aos contratos regulados pelo C.C.P..
Assim, biparte-se a
tramitação a seguir no que toca à formação dos contratos: sendo um destes, o
processo terá carácter urgente; tratando-se de contrato diferente, aplicar-se-á
o regime da acção administrativa especial (artigo 46.º/3) – consequentemente,
segue a tramitação normal.
Os quatro casos
elencados no artigo 100.º, que se motivou pela Directiva n.º 89/665/CEE),
carecem, da perspectiva do legislador, de uma tutela ainda mais célere e eficaz,
já que versam normalmente interesses públicos substanciais, para além da
exigência agravada de transparência e regras de concorrência nas relações entre
entidades públicas e candidatos privados.
Quanto ao objecto,
dir-se-á que são impugnáveis todas as decisões administrativas tomadas no
âmbito dos procedimentos pré-contratuais referidos, desde que a ilegalidade
alegada seja passível de afectar toda a adjudicação.
O objecto poderá ser
ampliado, em virtude da eventual celebração do contrato na pendência da acção
(artigo 102.º/4)
Põe-se a questão de
saber se o processo urgente de contencioso pré-contratual pode também ter em
vista, além da impugnação do acto e respectiva anulação, efeitos condenatórios
à prática do acto devido.
Note-se que, como vimos
supra, a grande característica das intimações,
distintiva da impugnação urgente, é o carácter especial condenatório da
primeira.
O prof. Vieira de
Andrade vem admitir esta possibilidade, embora sempre acessoriamente à
pretensão de impugnação do acto administrativo em causa, baseando-se para tal
no regime facilitado actual de cumulação de pedidos.
Mais uma vez, embora se
concorde com a solução doutrinal, não se vê como a fundamentar em preceitos
legais.
De todo o modo, uma
interpretação sistemática do C.P.T.A., nomeadamente o artigo 51.º/4, tenderia à
sua não inadmissibilidade.
Por fim, resta
relembrar que qualquer indemnização pretendida não é cumulável no processo
administrativo urgente, por ser já da competência jurisdicional dos tribunais
judiciais.
Bibliografia:
Vieira de Andrade,
José Carlos – “Justiça Administrativa”, 12.ª Edição, Almedina, 2012
SILVA, Vasco
Pereira, “O contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise: Ensaio sobre as
acções no novo processo administrativo”, 2ª Edição, Almedina, 2009
ALMEIDA, Mário Aroso
de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010
António Gonçalves, aluno n.º 20708, 4.º ano
ST3
Visto.
ResponderEliminar«resta relembrar que qualquer indemnização pretendida não é cumulável no processo administrativo urgente, por ser já da competência jurisdicional dos tribunais judiciais»?????