domingo, 2 de novembro de 2014

Os processos principais urgentes - as impugnações urgentes

Os processos principais urgentes - as impugnações urgentes
Em Direito do Contencioso Administrativo, os processos distinguem-se entre principais e não principais (logo, acessórios e dependentes dos primeiros – é o caso das providências cautelares). Por sua vez, os processos principais subdividem-se em normais (acção administrativa comum e especial) e urgentes.
A susceptibilidade de se atribuir a um processo principal o carácter de urgência, e assim prioritalizá-lo face aos restantes fugindo às normais delongas judiciais, decorre do entendimento por parte do legislador de que estas, em alguns casos, retirariam o interesse da(s) parte(s) na obtenção da tutela judicial, pelo que a eventual procedência da pretensão jurídico-administrativa em questão seria já inútil .
É portanto a utilidade que baseia o carácter de urgência de alguns processos, com o intuito de salvaguardar a cláusula constitucional programática prevista no artigo 20.º, n.º 5 da C.R.P., que confere aos cidadãos o direito a um processo célere e prioritário, de modo a obter uma tutela útil e eficaz.
Os processos principais urgentes são então processos autónomos que se caracterizam pela sua tramitação acelerada ou simplificada, visando a pronúncia de sentença de mérito num curto espaço de tempo.
O carácter de urgência é atribuído automática e unicamente aos processos taxativamente enunciados na lei: artigo 36.º/1, als. a), b), c) e d) do C.P.T.A., correspondendo a al. e) ao único processo urgente não principal: a providência cautelar.
Cabe então distingui-los das providências cautelares, que, embora também tenham carácter de urgência, se inserem nos não principais:
- nos primeiros procede-se de forma célere à pronúncia do mérito da causa, pelo que a sentença, no caso de procedência, corresponderá integral e definitivamente à pretensão jurídico-administrativa do autor;
- nas segundas, a decisão em sede cautelar, quando procedente, implementará as medidas necessárias à salvaguarda da utilidade do processo principal, paralela e acessoriamente a este[1]. Assim, a tutela cautelar é provisória e dependente da definitiva, que virá mais tarde, fazendo caducar aquela.
Temos então, como subtipos de processos principais urgentes: (i) as impugnações urgentes (arts. 97.º ss.), que se subdividem no contencioso eleitoral e contencioso pré-contratual; (ii) as intimações (arts. 104.º ss.), seja para prestação de informações/consulta de processos/passagem de certidões, seja para protecção de direitos, liberdades e garantias.
A distinção entre uma e outra é fácil:
-no primeiro caso está-se perante um processo especial de impugnação de actos administrativos, pelo que, nas palavras do prof. Vieira de Andrade, “estará em causa, em primeira linha, a verificação da legalidade de pronúncias da Administração, mas tal não significa necessariamente que as correspondentes sentenças se refiram apenas à invalidade dos actos impugnados”, abrindo-se a possibilidade de uma sentença condenatória também nesta sede;
-já as intimações constituem processos especiais de condenação, mediante imposição à Administração da adopção de uma certa conduta[2] específica devida.
Então, versando em especial os dois casos de impugnação (de actos administrativos) aos quais será atribuído carácter urgente:
1-                  Contencioso eleitoral (artigos 97.º a 99.º): englobam esta categoria todas as questões suscitadas por actos (ou em procedimentos) eleitorais. A ratio da atribuição de urgência nestes casos decorre da necessidade de salvaguardar a democraticidade das eleições administrativas, e impossibilidade de eventualmente fazer retroagir, mais tarde, a situação constituída pelo procedimento eleitoral.
O objecto da acção é restringido pelo artigo 4.º/1 m), integrando-o “apenas o contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas colectivas de direito público”, independentemente de estas se integrarem na Administração directa ou indirecta.
Ainda quanto ao objecto, atente-se o n.º 3 do artigo 98.º, que restringe a impugnabilidade de actos pré-eleitorais (anteriores ao apuramento) àqueles que excluam ou omitam eleitores/elegíveis dos cadernos/listas eleitorais. Discordando da opção legislativa, o prof. Vieira de Andrade baseia-se no princípio da aquisição progressiva dos actos, segundo o qual o procedimento eleitoral se constitui por etapas em cascata, “não sendo possível passar à fase seguinte sem a consolidação da anterior”, para daí retirar que sejam também impugnáveis, contra a letra do artigo: (i) a recusa de admissão de listas ao sufrágio; (ii) inscrição/admissão indevida de pretensos eleitores; (iii) actos eleitorais intercalares ou não definitivos.
Na minha opinião, este entendimento deve proceder, por maioria de razão da parte final do preceito em causa [quanto aos (i) e (iii)], e por consistência sistemática com a reforma de 2002, que retirou a definitividade do acto como requisito de impugnabilidade administrativa [quanto ao ponto (ii)].
Porém, a posição é apenas relativamente defensável por não ter base legal expressa.
2-                  Contencioso pré-contratual (artigos 100.º a 103.º): também adoptará a forma urgente o processo principal que vise a impugnação de actos administrativos relativos à formação de quatro contratos:  (i) de empreitada, (ii) de concessão de obras públicas, (iii) de prestação de serviços, e (iv) de fornecimento de bens. Correspondem assim grosso modo aos contratos regulados pelo C.C.P..
Assim, biparte-se a tramitação a seguir no que toca à formação dos contratos: sendo um destes, o processo terá carácter urgente; tratando-se de contrato diferente, aplicar-se-á o regime da acção administrativa especial (artigo 46.º/3) – consequentemente, segue a tramitação normal.
Os quatro casos elencados no artigo 100.º, que se motivou pela Directiva n.º 89/665/CEE), carecem, da perspectiva do legislador, de uma tutela ainda mais célere e eficaz, já que versam normalmente interesses públicos substanciais, para além da exigência agravada de transparência e regras de concorrência nas relações entre entidades públicas e candidatos privados.

Quanto ao objecto, dir-se-á que são impugnáveis todas as decisões administrativas tomadas no âmbito dos procedimentos pré-contratuais referidos, desde que a ilegalidade alegada seja passível de afectar toda a adjudicação.
O objecto poderá ser ampliado, em virtude da eventual celebração do contrato na pendência da acção (artigo 102.º/4)

Põe-se a questão de saber se o processo urgente de contencioso pré-contratual pode também ter em vista, além da impugnação do acto e respectiva anulação, efeitos condenatórios à prática do acto devido.
Note-se que, como vimos supra, a grande característica das intimações, distintiva da impugnação urgente, é o carácter especial condenatório da primeira.
O prof. Vieira de Andrade vem admitir esta possibilidade, embora sempre acessoriamente à pretensão de impugnação do acto administrativo em causa, baseando-se para tal no regime facilitado actual de cumulação de pedidos.
Mais uma vez, embora se concorde com a solução doutrinal, não se vê como a fundamentar em preceitos legais.
De todo o modo, uma interpretação sistemática do C.P.T.A., nomeadamente o artigo 51.º/4, tenderia à sua não inadmissibilidade.
Por fim, resta relembrar que qualquer indemnização pretendida não é cumulável no processo administrativo urgente, por ser já da competência jurisdicional dos tribunais judiciais.

Bibliografia:

Vieira de Andrade, José Carlos – “Justiça Administrativa”, 12.ª Edição, Almedina, 2012
SILVA, Vasco Pereira, “O contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise: Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo”, 2ª Edição, Almedina, 2009
ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010


António Gonçalves, aluno n.º 20708, 4.º ano ST3



[1] Note-se que nas providências cautelares de cariz antecipatório a tutela pode consistir num tantum similis relativamente ao processo principal, mas continua a ser provisória e dependente da principal.
[2] Seja uma acção (conduta positiva), seja uma omissão (conduta negativa).

1 comentário:

  1. Visto.
    «resta relembrar que qualquer indemnização pretendida não é cumulável no processo administrativo urgente, por ser já da competência jurisdicional dos tribunais judiciais»?????

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