domingo, 2 de novembro de 2014

O papel do Ministério Público no Contencioso Administrativo


O Ministério Público apareceu, desde cedo, no Contencioso administrativo português, no entanto, numa vertente mais funcional. A sua vertente orgânica surgiu com o Decreto de 1832, com o objectivo de funcionar junto dos tribunais comuns e de instaurar uma acção pública, segundo a qual quem actua em nome dos ministérios são os ministros.
A actuação do órgão Ministério Público é de uma grande importância no âmbito da jurisdição administrativa. Este é titular de certas atribuições, no âmbito do contencioso administrativo, como podemos observar através do art.51º do ETAF, «compete ao Ministério Público representar o Estado, defender a legalidade democrática e promover a realização do interesse público (…)». Também na CRP encontramos normas que dispõem disso mesmo, como é o exemplo do art.219º, existindo ainda normas no Estatuto do Ministério Público que enumeram as suas competências, como nos art. 1º a 6º. Citando o Sr. Professor Sérvulo Correia, antes da reforma 2002/2004, o MP caracterizava-se pela unidade orgânica, a multiplicidade de funções e a diferenciação dos interesses públicos que por ele deveriam ser prosseguidos. Assim, e segundo alguns autores, as funções deste órgão resumir-se-iam a: representar o Estado (exercendo um papel de advogado do Estado); defender a legalidade democrática, intervindo no contencioso administrativo e fiscal e na fiscalização da constitucionalidade (…). Neste caso, convém esclarecer o conceito de legalidade democrática, o como o MP a defende, desenvolvendo-se numa prática ou actuação permanente e vinculante, não apenas dos agentes e órgãos do Estado, mas também de todos os cidadãos. Quanto à defesa da legalidade democrática, esta assenta na observação sobre se a função jurisdicional é exercida de acordo com a lei, Constitucional ou ordinária, mais precisamente a administrativa. Assim, o motivo que justifica a intervenção que é dada e permitida a este órgão é o de defender interesses suscitados entre órgãos do Estado e da Administração Pública com particulares.
Como já foi referido anteriormente, os interesses do Estado são defendidos pelo Ministério Público, uma vez que aquele é parte na acção. Deste modo, o CPTA atribui-lhe um papel processual bastante relevante quanto à fiscalização da legalidade, mais precisamente de iniciativa, e também ao poder de dar parecer sobre o mérito e o de invocação de novos vícios, embora limitado à defesa de valores comunitários, apesar de lhe ter sido retirado alguns dos poderes processuais, limitando a sua intervenção na fase instrutória, como mostram os art.58º/2, 62º, 73º/3, 4 e 5, entre outros.
Não esquecer que o Ministério Público dispõe de um Estatuto Próprio (Estatuto do Ministério Público), sendo dotado de independência externa perante o Ministro da Justiça, mas não é, no entanto, um órgão de soberania nem um órgão do poder judicial, pois como entende o Prof. Vieira de Andrade, o Ministério Público não tem competência para a prática de actos materialmente jurisidicionais. Mais precisamente, o MP podia intervir no processo através da figura da acção pública, podia coadjuvar o juiz na realização do direito e exercer o patrocínio judiciário do Estado e de outras pessoas representadas por imperativo legal. Com a reforma que ocorreu no contenciodo administrativo, este órgão sofreu algumas alterações relativamente ao seu modelo de intervenção. Como explicitado anteriormente, o MP representa ao estado em juízo, como dispõem os art.219º da CRP e o art.51º do ETAF, e tal manteve-se, continuando também a ser o titular da acção pública administrativa. Por sua vez, sofreu alterações relativamente à tramitação processual e a sua intervenção ficou limitada: no que toca à coadjuvação do tribunal por parte do MP, tal figura foi praticamente extinta (vária jurisprudência neste sentido), deixou de se prever o parecer final e a presença do agente do Ministério Público na sessão de julgamento mesmo quando agindo apenas na posição de amicus curiae. Também perdeu o papel de promover a regularidade da tramitação processual e deixou de poder zelar pela descoberta da verdade material promovendo diligências de instrução. O art.85º CPTA veio introduzir alterações significativas no modelo de intervenção do Ministério Público nos processos em que não constitui parte. Antes deste art.85º, previam-se poderes mais genéricos ao MP, uma vez que, mesmo nos processos em que não era parte, poderia intervir em 2 momentos: aquando da emissão de um visto inicial e de um visto final, e podia suscitar questões de indole processual que constituissem obstáculo à apreciação do mérito da causa dos tribunais. Actualmente, com o art.85º/2, e  contrariamente ao art.27º, alínea c), não fala na emissão de um «parecer sobre a deicisão final a proferir» pelo tribunal. Com a reforma, o MP deixa de poder intervir em defesa da chamada legalidade processual, para o efeito de suscitar a regularização da petição, excepções, nulidades e quaisquer questões que obstem ao prosseguimento do processo e de se pronunciar sobre questões dessa natureza que não tenham suscitado. A identificação destas situações compete e a sua correspondente avaliação, compete sim ao juiz (exclusivamente), uma vez ouvidas as partes, sem que o MP se pronuncie sobre elas. Já no que diz respeito à pronuncia sobre o mérito da causa, anteriormente referida aquando das vistas, que eram momentos obrigatórios da tramitação do recurso contencioso, a intervenção do MP não tem lugar em todos os processos: só está habilitado a pronunciar-se quando se verifiquem os pressupostos do art.85º/2 CPTA. Na opinião do Professor Sérvulo Correia, a eliminação deste tipo de intervenção significa que se «perdeu de vista o papel instrumental da regularidade da tramitação processual na satisfação do interesse público de correta concretização do Direito Administrativo substantivo.
Por outro lado, no que diz respeito às atribuições do MP, podemos começar por abordar a questão da legitimidade deste órgão nas acções administrativas. Quanto à legitimidade activa, temos como critério geral o art.9º/1 do CPTA, que estabelece que «(…)o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida». Quanto à legitimidade activa do Ministério Público, o art.9º/2 concede a este órgão a possibilidade de requerer a realização de diligências instrutórias, dar parecer sobre o mérito da causa no que diz respeito à defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de valores ou bens constitucionalmente protegidos, como dispõe o art.85º/2 do CPTA.  Actualmente, o principal poder de intervenção do Ministério Publico está na chamada acção pública, atendendo ao art.16º da lei 83/95 de 31 de Agosto que regula o Direito de Participação Procedimental e Acção Popular, passando, deste modo, a intervenção do MP a ser casual, deixando de ser obrigatória. O MP também tem legitimidade para propor providências, sejam elas cautelares, conservatórias ou antecipatórias, como prevê o art.112º/1. Quanto à impugnação de actos administrativos, o MP, nos termos do art.55º/1 alínea b), atribui legitimidade ao mesmo para intentar acção, em qualquer circunstância, mas com respeito pelo art.51º/1 alínea b) do CPTA, através do qual é apenas conferida legitimidade se estivermos perante a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos. Também tem legitimidade para pedir a declaração de ilegalidade por omissão de normas regulamentares, podendo intervir contra todas as omissões ilegais de qualquer norma regulamentar, que lhe é concedida pelo art.51º do ETAF, pelo que a acção pública não sofre qualquer limitação. No que diz respeito aos recursos jurisdicionais, também o MP possui legitimidade para a sua interposição, segundo o art. 141º/1 do CPTA.
Tudo o que foi dito dizia respeito à legitimidade activa. No entanto, o Ministério Público tem, ainda, legitimidade passiva, podendo representar o Estado nos processos que tenham como objecto processual contratos ou responsabilidade, como dispõe o art.11º/2 do CPTA.
No âmbito de processos impugnatórios, o MP pode invocar causas de invalidade diversas desde que não sejam arguidos na PI pelo autor, segundo o art.85º/3 do CPTA, podendo também suscitar fundamentos de nulidade ou inexistência nos processos impugnatórios. Outro aspecto interessante consta do art.62º/1 do CPTA: numa determinada acção, se o autor desistir, pode o Ministério Público, derivado do seu poder público, assumir a posição desse autor, requerendo a continuidade desse processo, mas apenas quando estivermos perante uma situação que envolva interesses públicos.
Deste modo, observamos que o MP detem poderes importantes, com o objectivo da defesa da legalidade, do interesse público e de bens comunitários ou valores socialmente relevantes, como por exemplo a saúde pública, o ambiente, entre outros. O Ministério Público actua através da acção pública. No entanto tem-se notado uma abstenção deste tipo de acções por parte do MP, devido a falta de apoio.
Assim, e para concluir, cabe ao MP, actualmente:
- ser titular da acção pública administrativa;
- assumir a representação do Estado em juízo;

- intervir a nível processual, no entanto com limitações, como dispõe o art.85º do CPTA.


Mariana Serra, nº22024

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