A designação de
contencioso pré-contratual é deduzida da expressão “actos pré-contratuais”
utilizada para actos administrativos praticados no procedimento de formação dos
contratos públicos. Insere-se entre as impugnações urgentes. Estas baseiam-se
na existência de uma realidade composta por direitos e interesses que são
dignos de uma tutela relevante que não consente uma decisão judicial de pendor
meramente ressarcitório, e por outro lado, como em qualquer situação urgente,
existe sempre uma ameaça ou perigo de um prejuízo causado pela tramitação
processual normal, que será sempre mais demorada. Poderá ser entendida como uma
situação de excepção, da qual brotam regras excepcionais.
Este
é o meio processual através do qual se procede à impugnação de actos relativos
à formação dos contratos aí especificadamente previstos. Está em causa o
estabelecimento de um regime especifico para a impugnação contenciosa de actos
praticados no âmbito do procedimento de formação de certos tipos de contratos.
Este
meio processual deve ser utilizado, quando estejam em causa decisões
administrativas relativas à formação dos referidos contratos. Também é o meio
indicado para a impugnação directa de documentos contratuais normativos: que
incluem o programa do concurso, o caderno de encargos ou qualquer outro
documento conformador do procedimento pré-contratual. Tal situação respeita a
situações em que há interesse em suscitar a questão da legalidade de
determinações contidas nestes documentos, pedindo invalidação destas determinações.
Mário
Aroso de Almeida(1) chama à atenção para o facto de, no regime
vigente, o artigo 100.º estender o âmbito de aplicação do regime a actos que
não são administrativos pré-contratuais, equiparados pelo CPTA. O Autor
exemplifica o programa do concurso, o caderno de encargos e os demais
documentos conformadores do procedimento de formação do contrato, ou ainda, nos
termos do nº3 do referido artigo, actos jurídicos praticados por sujeitos privados,
no âmbito de procedimentos pré-contratuais de direito público.
A
existência de um processo autónomo e urgente resulta da necessidade de
assegurar simultaneamente duas ordens de interesses, tanto públicos como
privados: por um lado promover neste domínio a transparência e a concorrência,
através de uma protecção adequada aos interesses dos candidatos à celebração de
contratos com as entidades públicas; por
outro, garantir a estabilidade dos contratos da Administração depois de
celebrados, dando protecção adequada aos interesses dos contratantes.
O
contencioso pré-contratual acaba por dar continuidade ao regime especial
instituído pelo Decreto-lei 134.º/98, de 15 de Março, para determinados
contratos, em aplicação da chamada “Directiva-Recursos” (Directiva nº
89/665/CEE e 92/13/CEE de 25 de Fevereiro) alargada agora aos contratos de
concessão de obras públicas. Tais directivas exigem que os Estados-membros da
União Europeia criem condições para a rápida resolução dos litígios que possam
surgir a propósito dos procedimentos de formação desses mesmos contratos: estas
directivas, para além de imporem uma maior celeridade aos processos de
impugnação de actos processuais, disciplinam questões relativas às providências
cautelares.
O
professor Vieira de Andrade tem alguma dificuldade em perceber o porquê deste
meio valer apenas para os contratos abrangidos pelas directivas comunitárias,
uma vez que este meio processual é, na óptica do professor, um óptima solução
para a generalidade dos contratos.
Nos
termos do artigo 101.º CPTA, o prazo de apresentação do pedido é de um mês.
Trata-se de um alongamento do prazo anterior de 15 dias, que por ser bastante
curto, acabava também por conduzir a inúmeras situações de desprotecção, numa
situação em que nem as próprias Directivas propunham uma solução tão drástica(2),
e, sobretudo, tal como indica Vieira de Andrade (3), não se admitia
o uso alternativo do pedido de impugnação do acto no prazo normal.
Por
força do artigo 100.º/1 aplicam-se as normas relativas à impugnação de actos,
como a legitimidade do 55.º e a prossecução da acção pelo Ministério Público do
artigo 62.º
No que respeita
à tramitação está em causa a acção administrativa especial (artigos 78.º e
seguintes), com possibilidade, nos termos dos artigos 102.º e 103.º de
concentração numa audiência pública sobre a matéria de facto e de direito, com
alegações orais e sentença imediata. Havendo procedência, a sentença será
anulatória ou de declaração da invalidade do acto ou do documento contratual.
Os tribunais administrativos têm feito uma interpretação extensiva do artigo
46.º/3 CPTA, que estende os seus poderes de pronuncia à condenação à pratica de
actos administrativos devidos(4) . Parece uma medida pertinente uma
vez que sendo esta pretensão autonomizada no CPTA por intervenção do Direito
Comunitário exista depois uma menor efectividade dessa tutela por comparação ao
regime ordinário do CPTA consagrada quanto à acção administrativa especial(5).
O artigo 103.º
tem uma inovação: o tribunal, oficiosamente ou a requerimento das partes, pode
optar pela realização de uma audiência pública sobre a matéria de facto e de
direito, em que as alegações finais são proferidas oralmente, sendo
imediatamente ditada a sentença. Para Mário Aroso de Almeida, esta situação não
tem tido grande relevância pratica, e acaba por ser pouco adequado quando
estamos na presença de litígios com uma grau mais elevado de complexidade.
Ainda assim,
apesar de o contencioso pré-contratual ser uma forma de “facilitar” a resolução
dos litígios emergentes, isto nem sempre acontece.
A este respeito,
Margarida Olazabal Cabral(5) chama
à atenção para um importante problema: a urgência do contencioso que é imposta
pelas Directivas Comunitárias não deve ser entendida como uma “realidade
imposta”. Os juízes, nas palavras da Autora, devem ir mais longe e compreender
a sua razão de ser, para que esta urgência seja acompanhada pela realidade da
vida. Está em causa, acima de tudo, uma estabilidade no prazo mais curto
possível sobre a legalidade dos actos proferidos nos procedimentos
pré-contratuais e dos contratos de forma a que a economia possa funcionar dada
a importância crescente da contratação pública. É importante acautelar a
confiança dos interessados no funcionamento adequado do procedimento. A Autora aponta
então a necessidade de rápida de decisão de fundo e propõe ainda a existência
de um contencioso pré-contratual urgente, consubstanciado numa acção principal,
com efeitos suspensivos automáticos sobre o procedimento, e com a possibilidade
de serem levantados pelo juiz.
O legislador
português já procedeu à transposição da Directiva Recursos na sua última
versão, como se pode comprovar no preâmbulo do DL n 131.º/2010 de 14 de
Dezembro: tal diploma alterou o Código dos Contratos Públicos, mas nada fez quando
ao CPTA. O contencioso
pré-contratual é ainda um meio estigmatizado(5) pela acção
administrativa especial de invalidação de actos administrativos, caracterizado
apenas pela urgência e pelos prazos mais curtos.
Estando em curso
uma importante reforma do contencioso administrativo, será de referir a sua
importância no âmbito do nosso tema. Assim sendo, a “alteração” do contencioso
pré-contratual corresponde ao quarto aspecto elencado na Reforma. Serão
abrangidos pela reforma, vários temas nomeadamente, o âmbito, o prazo, a
legitimidade, a própria tramitação e os dois pontos sobre os quais nos temos
centrado: os mecanismos destinados a assegurar a utilidade da sentença e os
mecanismos de reparação, numa situação em que a sentença tenha perdido o seu
efeito.
Surge o propósito de proceder à transposição
das Directivas Recursos, ,uma vez que o CPTA ainda não tinha sido modificado de
forma a adequar a sua disciplina legal conforme as alterações introduzidas às
Directivas Recursos pela Directiva 2007/66/CE. associando um efeito suspensivo
automático à impugnação de actos de adjudicação, introduzindo um regime
inovador na adopção de medidas provisórias no âmbito do próprio contencioso
pré-contratual(6). Esta é uma das novas medidas a aplaudir.
O
projecto, com a transposição, prevê
agora um novo artigo, o 103.º-A cujo número um consagra um efeito
suspensivo automático da impugnação da decisão de adjudicação: "a impugnação de atos de adjudicação no
âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os
efeitos do ato impugnado, se ta, não tiver já sido obtido através de adoção de
providência cautelar". Isto vem acautelar uma situação desde há muito
aclamada na doutrina: o perigo de constituição de uma situação de facto
consumado.
Há
uma intenção de rever a possibilidade de ser requerida ao juiz a adopção de
medidas provisórias, de forma a prevenir-se o risco de situações de facto
consumado, por não ser possível retomar o procedimento pré-contratual para
determinar o adjudicatário. Será possível para o juiz, quando tenha elementos
que justifiquem, possa ouvir as partes, determinando oficiosamente a suspensão
de eficácia do acto impugnado ou a adopção de outras medidas provisórias,
remetendo então para as providências cautelares. Este mecanismo de suspensão
automática é depois complementada pelo novo 103.º-B. Os
artigos 103.º-A e 103.º-B trazem para o processo principal os problemas
próprios dos processos cautelares e fazem depender a suspensão de um juízo de
ponderação de interesses, tem a vantagem de recordar que o autor deve também
aqui invocar os factos que traduzem prejuízos para a sua esfera jurídica. Nos
termos do artigos 103.º-A nºs 2 e 3 e
103.º-B nº2 é conferido à entidade adjudicante o direito ao contraditório de forma
se possa demonstrar que o procedimento não deve afinal ser suspenso. É
necessário por parte do Tribunal uma ponderação dos inconvenientes que cada uma
das soluções acarreta para os interesses das partes em análise.
No
que respeita ao mecanismo de reparação da sentença, esclarece-nos o 102.º/6 que
haverá lugar à convolação do processo aplicando-se o disposto nos artigos 45.º
e 45.º-A quando se preencham determinados pressupostos. No nosso caso, interessa
saber que o Tribunal deve (1) verificar que já não é possível reinstruir o
procedimento pré-contratual, por ter sido celebrado e executado o contrato
(45.º-A 1/a)) ou (2) proceda, segundo o disposto na lei substantiva, ao
afastamento da invalidade do contrato, tendo em conta os interesses públicos em
presença. (45.º-A b)) (8)
Do exposto, parece-nos
assim, que estão acauteladas as preocupações no que
respeita à pretensa celeridade do contencioso pré-contratual, assim como a
eventual falta de transposição das directivas. As alterações em matéria de
contencioso pré-contratual traduzem uma maior preocupação pela realidade da
vida e importância da contratação pública em Portugal. Este crescimento
constante deveria ser acautelado, assim como estimulado através da demonstração
de preocupação do legislador na confiança e certeza da resolução dos litígios
emergentes da contratação, incrementando a sua verificação. Parece-nos que foi
encontrada a motivação para a continuação da contratação pública.
_________
(1)
Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos
Tribunais Administrativos”, 3ª edição revista e actualizada
(2)Fausto
de Quadros,
“O Debate Universitário”
(3)
Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa (Lições)” 4ª edição
(4)cfr. Acórdão STA de 24
de Novembro de 2004, in Cadernos de Justiça Administrativa, pp.53
(5)
Mário
Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo” Almedina, 2014
(6) Margarida Olazabal
Cabral -
Processos urgentes principais – em especial, o contencioso pré-contratual: corresponde
à conferência apresentada oralmente no
XIV Seminário de Justiça Administrativa.
(7)
Rodrigo Esteves da Fonseca, O contencioso urgente
da contratação pública, intervenção no XI Seminário de Justiça Administrativa,
dedicado ao tema: “A reforma da Justiça Administrativa 2004-2009: balanço e
perspectivas”
(8) Marco Caldeira: Impugnações
Administrativas e Contencioso pré-contratual urgente: um olhar sobre a
jurisprudência
Considerações
finais:
(*1)
A expressão “que temos e que queremos” foi retirada do texto de Margarida Olazabal Cabral na sua
exposição no Seminário de Justiça Administrativa, indicado supra.
(*2)
Note-se que estes artigos foram extraídos da proposta de Lei para a Reforma do
contencioso Administrativo relativo ao Código do Processo dos Tribunais
Administrativos e ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Maria Joana Rodrigues
22093
Visto.
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