domingo, 2 de novembro de 2014

Público ou Privado? A sanção pecuniária compulsória

A sanção pecuniária compulsória tem o seu regime regulado pelo artigo 169.º do CPTA. Outras referências são feitas a esta figura ao longo do código, nomeadamente nos artigos 44.º, 127.º/2 ou 179.º/3.  No direito civil encontramos esta figura no artigo 829.º-A. 
Cabe, antes de mais, delimitar a figura no âmbito do CPTA.
Tem como principal função a garantia da tutela jurisdicional efectiva, assim como a imperatividade das decisões do Tribunal sobre a autoridade administrativa. Cabe identificar algumas características. Trata-se de uma medida coercitiva para pressionar a Administração ao cumprimento dos deveres impostos judicialmente. Será coercitiva no sentido em que funciona como uma ameaça, uma intimação para a realização da prestação devida. Tem um carácter patrimonial, uma vez que, quando se verifica que há um incumprimento por parte da Administração das obrigações e deveres a que estava judicialmente vinculada no prazo fixado, transforma-se em sanção pecuniária, incidindo sobre o património dos destinatários da sentença. Será também acessória à prestação principal fixada na sentença, assim como será condicional, no sentido em que é um meio de coerção que produz os seus efeitos na hipótese de a Administração não cumprir a obrigação.

Tal medida surgiu no contencioso administrativo português como uma inovação de grande relevo. Não é imposta à pessoa colectiva ou, no caso do Estado, ao ministério, mas sim à pessoa concreta do titular do órgão incumbido de executar a sentença. Enquanto figura com aplicação no Direito Civil, será importante referir que a mesma, não tem o mesmo âmbito de aplicação. Estão abrangidas por esta figura, todos os tipos de obrigações, incluindo as prestações de facto infungível ou obrigações pecuniárias, contrariamente ao disposto no 829.º-A.

No processo declarativo, a imposição da sanção deverá ser excepcional: no momento em que o Tribunal condena a Administração ainda não houve incumprimento da sentença e por isso só poderá valer enquanto prevenção do incumprimento. Verifica-se apenas em situações em que há um comportamento que demonstre uma resistência ou uma reacção aparentemente contrária à ditada na sentença.
Já no processo executivo para o pagamento de quantia certa ou de facto infungível, a aplicação da sanção pecuniária compulsória deverá ser ponderada sob pena de haver situações de excesso. Tal como resulta do artigo 169.º do CPTA, é fixada segundo critérios de razoabilidade, podendo o seu montante diário oscilar ente 5% e 20% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor no momento. Será de natureza progressiva, uma vez que por cada dia que passa sem que a sentença se mostre cumprida aumenta a quantia que o seu destinatário terá de suportar. No CPTA o legislador consagrou uma modalidade de sanção pecuniária compulsória definitiva. Quando esta é decretada pelo juiz, torna-se definitiva, não podendo ser alvo de alteração, supressão ou modificação. O seu poder de intimação é elevado
Luís Manuel Chaves Barroso Batista, considera que o regime é, de certa forma, desadequado: a partir do momento em que a sanção produz efeitos podem verificar-se variadas situações que poderão levar à necessidade de modificação do seu montante. O autor parece apontar como melhor solução a existência de sanções pecuniárias provisórias, passíveis de alterações.
O legislador decidiu incidir a sanção pecuniária compulsória sobre os titulares do órgão que deveriam cumprir as obrigações impostas na sentença. Parece, nas palavras do autor, uma decisão pouco satisfatória no sentido em que os titulares dos órgão se distinguem dos trabalhadores da Administração Pública. Considerando que por detrás das actuações administrativas estão várias pessoas que determinam a conduta administrativa e não estão abrangidas pela visão do legislador. O autor considera que só através de um critério com uma incidência mais ampla, abrangendo também os trabalhadores que exerçam funções públicas, seria possível dar à sanção pecuniária compulsória uma eficácia plena. Tal solução é consagrada em Espanha, onde se prevê a responsabilização das autoridades, funcionários e agentes (112.º LJCA)

Cabe agora analisar a situação de pluralidade de partes, procurando uma solução para o regime aplicável.
Existem situações em que a sanção pecuniária compulsória incide sobre uma pluralidade de sujeitos.
Pode ocorrer nas situações em que um autor ou autores accionam vários réus. São situações de coligação em que a pluralidade de partes assenta numa pluralidade de relações jurídicas, ou litisconsórcio passivo, voluntário ou necessário, em que é deduzido apenas um pedido contra vários réus.
Torna-se possível que num processo possam vir a ser demandadas entidades privadas juntamente com entidades públicas
 Assim sendo, coloca-se o problema de saber o regime jurídico a aplicar aos sujeitos passivos. A questão desdobrar-se-á entre a aplicação do artigo 829-A do código civil, ou do 169.º do CPTA, ou de ambos. Quando estão apenas em causa entidades públicas, ainda que num sistema de pluralidade, a solução será óbvia: há lugar à aplicação do artigo 169.º Numa situação em que estão presentes entidades públicas e privadas é necessário decidir.

 Como exemplo temos o Acórdão do TCAS de 10/02/2011 que decidiu aplicar o regime da sanção pecuniária compulsória previsto no CPTA a entidades privadas.

O autor considera que esta é a solução mais acertada para garantir a efectividade da tutela. A utilização dos dois regimes jurídicos revelar-se-ia ineficaz. O artigo 829-A consagra uma amplitude mais reduzida nomeadamente no que respeita ao seu limite a prestações de facto infungíveis ou no limite do valor para a sanção, inexistente no regime civil. Assim, surge a aplicação de uma sanção com a mesma eficácia e limites.

Seguindo esta linha de raciocínio e excluindo a aplicação simultânea dos regimes, parece adequado optar-se pelo regime do CPTA. Seria no nosso entender desadequado, aplicar um regime mais amplo da sanção pecuniária aquando das relações entre entidades unicamente públicas e um regime mais restrito no confronto entre entidades públicas e particulares. Seria este o resultado obtido se se optasse pelo artigo 829.º-A. Uma outra desigualdade existiria, quanto ao valor da sanção. Quais seriam os motivos a justificar, perante o confronto com entidades de natureza diversa, para um regime muito alargado do valor a pagar? Parece poder afirmar-se que desta se forma, se confrontariam valores mais altos do sistema, como o próprio principio da igualdade.
Assim sendo, tem razão o referido Acórdão, que procurou, no conflito, a solução mais generalizada e justa.



Bibliografia:
Ac. Tribunal Central Administrativo do Sul processo nº 06347/20
ANDRADE, José Carlos Vieira de - A Justiça Administrativa, Almedina 2014
BATISTA, Luís Manuel Chaves Barroso -  A sanção pecuniária no contencioso autárquico


Maria Joana Rodrigues
22093

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