domingo, 2 de novembro de 2014

A Acção Administrativa Especial que não o é e a Acção Administrativa Comum que o pretendia ser



As formas de processos administrativos não-urgentes encontram-se, hoje em dia, divididas em duas modalidades principais: acções administrativas especiais e acções administrativas comuns. Esta opção dual foi estabelecida com a entrada em vigor da reforma de 2002/2004 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de ora em diante CPTA. Encontramos esta dicotomia plasmada nos artigos 37.º e seguintes para a acção administrativa comum, e 46.º e seguintes para a acção administrativa especial.

A distinção entre uma e outra baseia-se na forma de acção da administração pública, não só segundo a doutrina, como também de acordo com a jurisprudência que defende este critério. Mais concretamente, se estivermos perante pretensões derivadas do exercício de poderes de autoridade de administração, o processo seguirá a forma de acção administrativa especial; pelo contrário, quando isto não aconteça seguiremos a tramitação de acção administrativa comum.

“A acção administrativa especial é um meio processual principal do Contencioso Administrativo” – Professor Vasco Pereira da Silva. Segundo o artigo 42º, n.º2 constituem pedidos da acção administrativa especial as seguintes pretensões:
  1. Anulação de Acto Administrativo; 
  2. Condenação à prática de Acto Administrativo legalmente devido; 
  3. Declaração de ilegalidade de normas regulamentares ilegais;  
  4. Declaração de ilegalidade pela não emissão de regulamentos.

Mais, constituem acção administrativa especial todas aquelas que, em caso de cumulação de pedidos, tenha um ou mais pedidos que integrem a forma de acção administrativa especial.
Os pressupostos processuais comuns a todos os meios processuais são a legitimidade (artigos 9.º e seguintes do CPTA), o patrocínio judiciário (artigos 11.º) e competência do tribunal (artigos 13.º e seguintes do CPTA). Cada uma das diferentes modalidades de acção administrativa especial tem pressupostos processuais próprios. 

A anulação de acto administrativo requer, para além dos pressupostos gerais, que exista um acto administrativo impugnável. Quanto à acção de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido, o artigo 67.º do Código de Processo Administrativo cria três hipóteses de aplicabilidade diferentes, nomeadamente, e em primeiro lugar, a situação em que não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido, a situação em que foi recusada a prática do acto devido e, por fim, uma situação em que tenha sido recusada a apreciação de requerimento dirigido à prática do acto. Os pressupostos de aplicação da declaração de ilegalidade de normas regulamentares ilegais são a legitimidade e procedibilidade dos regulamentos, o interesse (artigo 73.º, n.º 1 do CPTA) e, por fim, a oportunidade do pedido de impugnação (artigo 74.º do CPTA para pedido de impugnação por nulidade). Por último, no âmbito da declaração de ilegalidade pela não emissão de regulamentos, o artigo 77.º, n.º 1 remete-nos para as regras gerais da legitimidade da acção para defesa de direitos.

No outro extremo temos a chamada acção administrativa comum, a qual se distingue da especial na medida em que versa sobre todas as matérias que não estejam especialmente reguladas quer no CPTA, quer em legislação avulsa, o que resulta do artigo 37.º, n.º 1 do CPTA. Esta forma de processo não-urgente reencaminha a tramitação processual administrativa para o Processo Civil, ou seja, no âmbito da acção administrativa comum, o processo segue a tramitação do processo declarativo do Processo Civil. Assim, as situações elencadas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 37.º do CPTA são alguns exemplos de acções administrativas comuns.

Finda a explicação dos conceitos e modalidades das acções administrativas especiais e comuns, resta-nos falar sobre a cumulação de pedidos e de como isto afecta o Processo Administrativo. A lei permite, à luz, não só do princípio da livre cumulação de pedidos plasmado no artigo 4.º do CPTA, como também do artigo 47.º do CPTA, que o autor faça vários pedidos ao tribunal para que este afira o mérito. O n.º 1 desse mesmo artigo introduz um critério de relação material de conexão entre os vários pedidos. Este critério, nos termos da lei actual, é bastante amplo o que tem como consequência a facilidade de se intentar acções administrativas com um grande leque de pedidos. Mais, resulta do n.º 2 do artigo 47.º que os pedidos típicos de acção administrativa especial em conjunto com um ou mais pedidos típicos de acção administrativa comum assumirão a forma de acções administrativas especiais.

Considerando tudo o que foi anteriormente dito, é-nos possível verificar que as várias modalidades da acção administrativa especial abarcam o grosso das situações do contencioso administrativo e ainda absorvem as acções administrativas comuns em situação de cumulação de pedidos, o que aumenta em muito o espectro de aplicação da acção administrativa especial face à comum. Assim, no dia-a-dia judicial do Contencioso Administrativo, acabam por ser as acções administrativas especiais a tornar-se mais comuns que as acções administrativas comuns, de casuística bastante mais reduzida nos tribunais.

Para finalizar, esta situação actual está longe de durar muito mais tempo. Retiramos que a opinião doutrinária contrária a esta dualidade foi aceite pelo legislador a partir, não só da exposição de motivos que antecedeu a proposta de lei de autorização legislativa, como também do preâmbulo da proposta de revisão do CPTA. Assim, é possível visualizar o que o futuro nos espera: uma unificação das formas processuais não-urgentes do Direito Contencioso Administrativo português.

Em conclusão, tendo em conta o largo âmbito de aplicação das acções administrativas especiais, em detrimento das acções administrativas comuns, pelos motivos explanados acima, é possível afirmar que, hoje, as formas processuais não-urgentes do Direito Contencioso Administrativo no nosso ordenamento jurídico celebram uma dualidade bastante desigual, um sistema em que existe um conceito de acção administrativa especial que não o é e um conceito de acção administrativa comum que o pretendia ser.


Bibliografia:
  • “O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate” – Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves, Tiago Serrão.
  • “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise” – Vasco Pereira da Silva
  • Acordãos do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 12 de Julho de 2012, Processo n.º 8510/12, e de 6 de Fevereiro de 2014, Processo n.º 10575/13.


Joel David Cruz Rodrigues 
Aluno n.º 19689

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