terça-feira, 28 de outubro de 2014

O actual artigo  4º do ETAF e suas alterações no Anteprojecto de Reforma do Contencioso Administrativo

Breve análise

Antes de mais é necessário enquadrar este tema, do âmbito de Jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais (T.A.F.) com os artigos 212º da Constituição da República Portuguesa  (C.R.P.) e 1º/1 do ETAF (daqui para a frente sempre que nada se disse entende-se como sendo do ETAF).  Estes dois artigos têm o intuito de concretizar o conteúdo geral da delimitação legal do âmbito de jurisdição administrativa. Pois por outro lado existe o art. 4º que amplia/ diminui competências aos T.A.F. O art. 4º no seu  número 1 faz uma delimitação positiva e apenas exemplificativa  das competências que cabem na jurisdição dos T.A.F., o seu número 2 e 3 fazem uma delimitação negativa, ou seja, quais as matérias que estão “fora” do seu âmbito.  
 Podemos concluir que o artigo 4º é uma concretização do 212º/3 da CRP conjuntamente com o art.  1º ,assim o critério que se extrai da cláusula geral define como pertencentes à jurisdição Administrativa os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas. Em consequência do que acabei de referir, o artigo 4º funciona  como uma norma especial  pois amplia (no seu nr. 1 ) ou diminui (no seu nr.2) o critério geral previsto no art.1º, significa que havendo divergências  prevalecerá sobre o art. 1º do ETAF. Já o Prof. Dr. Mário Aroso de Almeida vê o 1º do ETAF como um artigo de aplicação subsidiária relativamente ao 4º. É necessário analisar em primeiro lugar o art. 4º para saber se aquelas matérias foram objecto de uma particular preocupação por parte do legislador. Se nada for dito então recorre-se ao art. 1º.
As alíneas do artigo 4º/1 do ETAF:
 a)  A tutela dos Direitos Fundamentais aqui em vista, diz respeito a situações em que esses direitos estejam envolvidos no âmbito de uma relação jurídico-administrativa. Remete assim para a natureza dos litígios a dirimir (natureza administrativa). Dilui-se na aplicação do artigo 1º/1.  Relativamente a esta alínea existem duas interpretações distintas, a primeira defende que  a tutela de Direitos fundamentais, estes sempre, e os outros Direitos que resultam de uma relação Jurídica Administrativa, estão dentro do âmbito de jurisdição dos  TAF sempre que existe perigo para qualquer Direito Fundamental. A segunda  interpretação é restritiva, pois quer seja a tutela de Direitos Fundamentais, quer a tutela de Direitos não Fundamentais são da competência do TAF desde que num contexto de regulação do Direito Administrativo. Esta ultima interpretação é maioritária na doutrina, e a meu ver bem, pois caso se optasse pela pela primeira existiria um monopólio de jurisdição dos TAF relativamente a todos os Direitos Fundamentais e a intenção do legislador não é essa, pois estamos no âmbito do Direito Administrativo.
 b) 1º parte;  c) e d) Estas alíneas representam o cerne do contencioso administrativo ou como prefere chamar o Prof.  Dr. Aroso de Almeida “núcleo duro da jurisdição administrativa”. Têm em vista a fiscalização de actos administrativos e regulamentos dos órgãos da Administração Pública realizados no exercício da função administrativa. Mas também actos que contêm matéria administrativa, (vulgarmente chamados  por actos materialmente administrativos) praticados por órgãos públicos mesmo que não pertencentes à Administração Pública  e por particulares.  
 f) Neste caso estamos perante o critério do Contrato Administrativo, mas, não chega, pois desta alínea retira-se outros subcritérios: o objecto ser passível de acto administrativo; contratos que submetam o seu regime substantivo a normas de Direito Público;  as partes submeterem o contrato a um regime de Direito Público voluntariamente.  Neste último subcritério estamos perante Contratos Administrativos atípicos, pois o seu objecto seria regulado por Direito Privado mas as partes escolheram, e essa escolha tem que ser expressa de forma inequívoca, o Direito Público para a sua regulação.
 e) Esta alínea é um desvio ao critério geral, amplia as competências dos TAF.  Neste preceito tem-se em vista litígios emergentes de todos os contratos que a lei submeta a procedimentos pré-contratuais. Aplica-se quer a pessoas colectivas de Direito Público quer a entidades privadas, se sujeitas ao Direito Público. Assim o critério aqui será somente o contrato ser submetido a regras de Contratação Pública, ou seja o critério do Contrato Público. Contudo o Prof. Dr.  Vieira de Andrade  admite que os contratos puramente privados também se inserem nesta alínea. Assim teríamos que nos perguntar: Houve ou não houve um procedimento pré contratual público? Se respondermos sim, então este será regulado pelos TAF pois a natureza substantiva do contrato não é relevante.
b) 2º parte Também aqui estamos perante um desvio para mais do critério geral do 1º/1 e do 212º da CRP. Independentemente da natureza do contrato, e se, a invalidade resultar de um acto administrativo inválido, o TAF é competente. O Prof. Dr. Vieira de Andrade faz uma interpretação restritiva deste preceito, entende que a invalidade do acto tem que ter consequências directas na invalidade do contrato e ainda exige uma “relação substancial adequada de causalidade” entre as invalidades. Não me parece necessário fazer essa interpretação visto que estamos perante um desvio relativamente ao 1º/1,  o legislador teve intenção de colocar esta matéria dentro das competências dos TAF.
g); h) e i) Relativamente a estas alíneas o TAF é competente para qualquer questão relativa a responsabilidade civil extracontratual. Na última parte da alínea g) refere-se expressamente função legislativa e jurisdicional, e não administrativa, precisamente para incluir toda e qualquer função estadual. A função aqui não importa decisivo é que o dano seja cometido por uma pessoa colectiva de Direito Público. Como interpretar a ausência de distinção entre actos praticados ao abrigo da gestão pública ou gestão privada?
Não é necessário que a actuação ocorra no exercício de uma função administrativa, consequentemente a distinção entre actos funcionais e actos pessoais não tem relevância. Pois o que conta é a natureza da entidade demandada/ sujeito lesante. Esta distinção apenas tem relevância no plano substantivo, como veremos a propósito da alínea i) e não no plano processual. Fazendo uma conjugação com o 1º/1 do ETAF e o 212º/3 da CRP poderíamos dizer que só eram competentes os TAF no âmbito do exercício das funções administrativas, pois só ai estaríamos perante relações administrativas. Mas não tem sido esse o entendimento da jurisprudência, mas sim o seu alargamento. Assim sempre que pratiquem danos despidas de autoridade são competentes os TAF, mas respondem pelo regime geral da responsabilidade civi, passam aplicar também normas de Direito Privado.
A alínea i) só diz respeito à responsabilidade civil extracontratual emergente das actuações de gestão Pública se regulado pelo RRCEE1. Aqui esta distinção é necessária, pois tem relevância também no plano substantivo, e não só no processual. Assim primeiro é sempre necessário verificar o artigo 1º/5 do RRCEE para depois poder aplicar esta alínea. Estes dois artigos estão sempre ligados o raciocínio a ter e o seguinte: se o privado responde nos termos do 1º/5, logo nos termos do 4º/1 i) o tribunal competente é o TAF.
Artigo 4º da Proposta de lei2
A relação do artigo 4º com o 1º ETAF, sofre uma mudança pois este último perde o carácter de cláusula geral e passa a remeter apenas e directamente para o 4º. Assim a delimitação fica concentrada no art. 4º, e para contornar essa perda surge a alínea q), esta passa a concretizar o art. 212º/3 da CRP. Assim continua subjacente o critério da relação jurídica administrativa.
 a) A interpretação restritiva da alínea a) do actual artigo, a qual me referi à pouco, sofre agora a consagração legal, o que faz todo o sentido pois já era do entendimento da doutrina maioritária.
b) Apenas contem a sua 1º parte já que a segunda dizendo respeito a material contratual passou para a alínea e) como mais abaixo explicarei.
e) A matéria relativamente a contratos, ou seja, a 2ºparte da alínea b), bem como a alínea e) e f) fica concentrada numa única alínea, a e). Esta refere-se à validade de actos pré- contratuais; interpretação, validade e execução de Contratos Administrativos; interpretação, validade e execução de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação pública ou outras entidades adjudicantes. Os TAF são competentes quando os contratos são celebrados ao abrigo do regime da Contratação Pública quer sejam pessoas colectivas públicas ou privadas e independente da natureza pública ou privada do contrato.
f) Corresponde à antiga alínea g), acrescenta à sua letra a responsabilidade resultante  do exercício da função politica. Esta concretização segue o entendimento do  RRCEE que já englobava essa função.
g) Corresponde a antiga alínea h) introduz a palavra “trabalhadores” dirigida  para os que  exercem funções ou prestam serviços a entidades públicas.
h) Corresponde a antiga alínea i) em vez de” sujeitos privados” substitui por” demais sujeitos”, pretende assim incluir toda a “actividade pública lesiva” designadamente os órgãos do Estado não integrados na Administração Pública.
 i) Refere-se a situações “constituídas em vias de facto” a doutrina entende aqui os litígios materialmente pertencentes à jurisdição civil. Entendia-se por exemplo, relativamente a expropriações, que se não tinha titulo legítimo a competência era dos tribunais judiciais agora essa competência cabe nos TAF.
 k) O pagamento de indemnizações devidas por expropriação/servidões passa para a competência do TAF. Esta matéria era vista como uma diminuição do âmbito de jurisdição tendo em conta o actual artigo 4º, que nos dias que correm já não faz sentido, pois estamos perante uma verdadeira relação jurídica administrativa.
l) Corresponde a antiga alínea j) a última parte acaba por ser suprimida e reforça-se aqui a aplicação apenas a relações interinstitucionais.
n) Passa a contemplar todas as contra-ordenações.

1 Lei nº67/2007, de 31 de Dezembro-Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas 
2Não estão aqui examinadas todas as novas alíneas da Proposta de Lei do artigo 4º do ETAF, apenas seleccionei as principais alterações.

Bibliografia:
  • ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DEA Justiça Administrativa (Lições), 8.ª Edição, Coimbra, Livraria Almedina, 2006
  • ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Reimpressão Almedina, Coimbra 2013
  •              http://e-publica.pt/ambitodejurisdicao.html#_ftn26

Carolina Felisberto
Aluna nº22087

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