"O que fazer quando a Administração nada faz?"
Do Art.9º/1 do Código do Procedimento Administrativo resulta que "Os órgãos administrativos têm (...) o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados pelos particulares (...) ", sendo que encontramos uma excepção a este Princípio da Decisão no número 2 do mesmo artigo, quando estejamos perante uma situação em que "o órgão competente tenha praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos" há menos de dois anos a contar da data da apresentação do requerimento.
O que iremos aqui tratar são as situações em que os órgãos administrativos não se pronunciam, fora do âmbito da excepção indicada, e qual o resultado do silêncio da administração em cada situação.
Há que ter em conta, em primeiro lugar, que para estarmos perante uma omissão juridicamente relevante é necessário que se verifiquem quatro pressupostos: tem que existir iniciativa de um particular; o órgão administrativo ao qual é dirigido o pedido tem que ser competente; tem que haver um dever legal de decidir (ou seja, não estarmos perante a situação do Art.9º/2) e o prazo de que a administração dispõe para se pronunciar já ter decorrido (sendo este regulado pelo Art. 58º/1 do CPA que indica ser de 90 dias contados nos termos do artigo 72º do CPA, salvo as devidas excepções).
Nos casos em que se conclua que existe uma omissão juridicamente relevante, nos termos anteriormente referidos, o silêncio da administração pode ter um de dois significados: a omissão pode ter um valor positivo, ou seja, o silêncio da administração equivale a um deferimento do pedido do particular (deferimento tácito) ou, por outro lado, a omissão pode ter um valor negativo, isto é, o silêncio da administração representa um indeferimento do pedido (indeferimento tácito).
Mas como distinguir se o silêncio da administração representa um deferimento tácito ou um indeferimento tácito? Ou seja, como saber se a omissão é favorável ou desfavorável à pretensão do particular?
Podemos encontrar resposta a esta questão nos artigos 108º e 109º do CPA que nos indicam as situações de omissão em que estamos perante um deferimento ou um indeferimento, respectivamente.
Assim, “Quando a prática de um acto administrativo ou o exercício de um direito por um particular dependam de aprovação ou autorização de um órgão administrativo" em caso de silêncio da administração, este toma um sentido positivo. Isto é, nestas situações, enumeradas posteriormente no nº3 do Art. 108º, o silêncio da administração corresponde ao deferimento do pedido do particular, sendo, por isso, em geral, favorável a este.
Nas restantes situações, por força do Art.109º, este mesmo silêncio é tido como um indeferimento. Assim, estamos perante um indeferimento tácito sempre que a Administração não cumpra o seu dever de decidir e não seja essa situação legalmente qualificável de deferimento tácito. Quando tal acontece, a omissão de resposta da administração é então valorado como recusa da pretensão do particular.
Como pode o particular reagir ao indeferimento tácito?
Com base apenas no Art. 109º/1 parte final do CPA teríamos a tendência de responder que o particular poderia reagir, sempre que a administração não se pronunciasse acerca do pedido deste e esta omissão tenha carácter de indeferimento, propondo uma acção de impugnação.
De facto, esta era a solução apresentada até à Reforma do Contencioso Administrativo. No entanto, esta solução implicava ficcionar demasiadas situações antes de se chegar a uma conclusão, vejamos: ficciona-se que existe um acto (de deferimento), ficciona-se que esse acto se anula e ficciona-se ainda que essa anulação induz a administração a praticar outro acto. Ou seja, tínhamos que "anular o nada" como se de um acto administrativo se tratasse.
Com a reforma e consequente possibilidade da "condenação à prática do acto devido”, regulada pelo Art.66º do CPTA e seguintes, esta ficção torna-se dispensável uma vez que não há motivo para presumir o indeferimento tendo em conta que, com a formulação do Art.66º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ao particular é concedida a possibilidade de condenar a entidade competente à prática do acto administrativo que foi ilegalmente omitido, desde que cumpridos os pressupostos do Art.67º do CPTA.
Esta ideia é reforçada pelo Art.51º/1 do CPTA que nos indica que, em caso de ser deduzido um pedido de anulação contra um acto de deferimento, o tribunal convida o autor a reformular o pedido, "transformando-o" num pedido de condenação à prática de acto devido.
Nesse sentido, o Professor Mário Aroso de Almeida defende que, com a introdução da figura da "condenação à prática do acto devido” o Art. 109º/1 do CPA fica tacitamente derrogado, de forma parcial, quando à parte que refere a possibilidade de impugnação do acto e que o próprio "indeferimento tácito" é colocado em causa, uma vez que parece deixar de ser necessário, pois o seu propósito pode ter sido suprimido - o de garantir que o particular poderia reagir a uma omissão da administração que se fosse desfavorável.
Relativamente ao deferimento tácito, este tem por base a presunção legal de que a inexistência de resposta por parte da administração equivale a um acto positivo, favorável à pretensão do particular, nos casos assim determinados pela lei, pelo que o assunto ficará resolvido na maioria dos casos uma vez que, em princípio, o particular obtém com o deferimento tácito o que pretendia quando efectuou o pedido.
Ainda assim, o Professor Vasco Pereira da Silva coloca a hipótese de, mesmo sendo o silêncio da administração correspondente ao deferimento, deve o particular ter igualmente acesso a pedidos de condenação à prática de acto devido nestas situações, uma vez que é possível que o deferimento tácito nem sempre corresponda integralmente à pretensão deste ou, no caso de haverem vários sujeitos envolvidos, este silêncio ser favorável a uns, mas desfavorável para outros. Argumenta ainda que o deferimento tácito não consubstancia um acto administrativo, pelo que não deve ser afastada a possibilidade do pedido de condenação.
Já o Professor Mário Aroso de Almeida considera que não se justifica existir acção de condenação à prática do acto, uma vez que a produção desse acto fica garantida, desde logo, pela própria lei através do deferimento tácito. Defende assim que, nestes casos, poderá haver lugar a uma acção administrativa comum de reconhecimento do direito com fundamento no deferimento tácito.
Por fim, é ainda de notar que a atribuição de significado ao silêncio da administração que vigorava (e continua a vigorar no caso do deferimento tácito) em Portugal, não está a par com o que é praticado em outros países que se recusam a "ficcionar" a existência de um acto quando ele na realidade não existiu, optando por soluções alternativas.
Telma Silva
Nº 18431
Visto.
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