O actual artigo 4º do ETAF e suas alterações no Anteprojecto de Reforma do Contencioso Administrativo
Breve análise
Antes de mais é necessário enquadrar este tema, do âmbito de Jurisdição
dos Tribunais Administrativos e Fiscais (T.A.F.) com os artigos 212º da
Constituição da República Portuguesa (C.R.P.)
e 1º/1 do ETAF (daqui para a frente sempre que nada se disse entende-se como
sendo do ETAF). Estes dois artigos têm o
intuito de concretizar o conteúdo geral da delimitação legal do âmbito de
jurisdição administrativa. Pois por outro lado existe o art. 4º que amplia/
diminui competências aos T.A.F. O art. 4º no seu número 1 faz uma delimitação positiva e apenas
exemplificativa das competências que
cabem na jurisdição dos T.A.F., o seu número 2 e 3 fazem uma delimitação
negativa, ou seja, quais as matérias que estão “fora” do seu âmbito.
Podemos concluir que o artigo 4º
é uma concretização do 212º/3 da CRP conjuntamente com o art. 1º
,assim o critério que se extrai da cláusula geral define como pertencentes à
jurisdição Administrativa os litígios emergentes das relações jurídicas
administrativas. Em consequência do que
acabei de referir, o artigo 4º funciona
como uma norma especial pois
amplia (no seu nr. 1 ) ou diminui (no seu nr.2) o critério geral previsto no
art.1º, significa que havendo divergências
prevalecerá sobre o art. 1º do ETAF. Já o
Prof. Dr. Mário Aroso de Almeida vê o
1º do ETAF como um artigo de aplicação subsidiária relativamente ao 4º. É
necessário analisar em primeiro lugar o art. 4º para saber se aquelas matérias
foram objecto de uma particular preocupação por parte do legislador. Se nada
for dito então recorre-se ao art. 1º.
As alíneas do artigo 4º/1 do
ETAF:
a) A
tutela dos Direitos Fundamentais aqui em vista, diz respeito a situações em que
esses direitos estejam envolvidos no âmbito de uma relação
jurídico-administrativa. Remete assim para a natureza dos litígios a dirimir
(natureza administrativa). Dilui-se na aplicação do artigo 1º/1. Relativamente a esta alínea existem duas
interpretações distintas, a primeira defende que a tutela de Direitos fundamentais, estes
sempre, e os outros Direitos que resultam de uma relação Jurídica
Administrativa, estão dentro do âmbito de jurisdição dos TAF sempre que existe perigo para qualquer
Direito Fundamental. A segunda interpretação é restritiva, pois quer seja a
tutela de Direitos Fundamentais, quer a tutela de Direitos não Fundamentais são
da competência do TAF desde que num contexto de regulação do Direito
Administrativo. Esta ultima interpretação é maioritária na doutrina, e a meu
ver bem, pois caso se optasse pela pela primeira existiria um monopólio de
jurisdição dos TAF relativamente a todos os Direitos Fundamentais e a intenção
do legislador não é essa, pois estamos no âmbito do Direito Administrativo.
b) 1º parte; c) e d) Estas alíneas representam o cerne
do contencioso administrativo ou como prefere chamar o Prof. Dr. Aroso de Almeida
“núcleo duro da jurisdição administrativa”. Têm em vista a fiscalização de
actos administrativos e regulamentos dos órgãos da Administração Pública
realizados no exercício da função administrativa. Mas também actos que contêm
matéria administrativa, (vulgarmente chamados por actos materialmente administrativos)
praticados por órgãos públicos mesmo que não pertencentes à Administração Pública e por particulares.
f) Neste caso estamos perante o critério
do Contrato Administrativo, mas, não chega, pois desta alínea retira-se outros
subcritérios: o objecto ser passível de acto administrativo; contratos que
submetam o seu regime substantivo a normas de Direito Público; as partes submeterem o contrato a um regime
de Direito Público voluntariamente.
Neste último subcritério estamos perante Contratos Administrativos
atípicos, pois o seu objecto seria regulado por Direito Privado mas as partes
escolheram, e essa escolha tem que ser expressa de forma inequívoca, o Direito
Público para a sua regulação.
e) Esta alínea é um desvio ao critério
geral, amplia as competências dos TAF. Neste preceito tem-se em vista litígios
emergentes de todos os contratos que a lei submeta a
procedimentos pré-contratuais. Aplica-se quer a pessoas colectivas de Direito
Público quer a entidades privadas, se sujeitas ao Direito Público. Assim o
critério aqui será somente o contrato ser submetido a regras de Contratação
Pública, ou seja o critério do Contrato Público. Contudo o Prof. Dr. Vieira de Andrade admite que os contratos puramente privados
também se inserem nesta alínea. Assim teríamos que nos perguntar: Houve ou não
houve um procedimento pré contratual público? Se respondermos sim, então este
será regulado pelos TAF pois a natureza substantiva do contrato não é
relevante.
b) 2º parte Também aqui
estamos perante um desvio para mais do critério geral do 1º/1 e do 212º da CRP.
Independentemente da natureza do contrato, e se, a invalidade resultar de um
acto administrativo inválido, o TAF é competente. O Prof. Dr. Vieira de Andrade faz uma interpretação restritiva
deste preceito, entende que a invalidade do acto tem que ter consequências
directas na invalidade do contrato e ainda exige uma “relação substancial
adequada de causalidade” entre as invalidades. Não me parece necessário fazer
essa interpretação visto que estamos perante um desvio relativamente ao 1º/1, o legislador teve intenção de colocar esta
matéria dentro das competências dos TAF.
g); h) e i) Relativamente a estas
alíneas o TAF é competente para qualquer questão relativa a responsabilidade
civil extracontratual. Na última parte da alínea g) refere-se expressamente
função legislativa e jurisdicional, e não administrativa, precisamente para
incluir toda e qualquer função estadual. A função aqui não importa decisivo é que
o dano seja cometido por uma pessoa colectiva de Direito Público. Como interpretar a ausência de
distinção entre actos praticados ao abrigo da gestão pública ou gestão privada?
Não é necessário que a actuação ocorra
no exercício de uma função administrativa, consequentemente a distinção entre actos
funcionais e actos pessoais não tem relevância. Pois o que conta é a natureza
da entidade demandada/ sujeito lesante. Esta distinção apenas tem relevância no
plano substantivo, como veremos a propósito da alínea i) e não no plano processual.
Fazendo uma conjugação com o 1º/1 do ETAF e o 212º/3 da CRP poderíamos dizer
que só eram competentes os TAF no âmbito do exercício das funções
administrativas, pois só ai estaríamos perante relações administrativas. Mas
não tem sido esse o entendimento da jurisprudência, mas sim o seu alargamento.
Assim sempre que pratiquem danos despidas de autoridade são competentes os TAF,
mas respondem pelo regime geral da responsabilidade civi, passam aplicar também
normas de Direito Privado.
A alínea i) só
diz respeito à responsabilidade civil extracontratual emergente das actuações
de gestão Pública se regulado pelo RRCEE1. Aqui esta
distinção é necessária, pois tem relevância também no plano substantivo, e não
só no processual. Assim primeiro é sempre necessário verificar o artigo 1º/5 do
RRCEE para depois poder aplicar esta alínea. Estes dois artigos estão sempre
ligados o raciocínio a ter e o seguinte: se o privado responde nos termos do
1º/5, logo nos termos do 4º/1 i) o tribunal competente é o TAF.
Artigo 4º da Proposta de lei2
A relação do
artigo 4º com o 1º ETAF, sofre uma mudança pois este último perde o carácter de
cláusula geral e passa a remeter apenas e directamente para o 4º. Assim a
delimitação fica concentrada no art. 4º, e para contornar essa perda surge a
alínea q), esta passa a concretizar o
art. 212º/3 da CRP. Assim continua subjacente o critério da relação jurídica administrativa.
a)
A interpretação restritiva da alínea a)
do actual artigo, a qual me referi à pouco, sofre agora a consagração legal, o
que faz todo o sentido pois já era do entendimento da doutrina maioritária.
b) Apenas contem a sua 1º parte já que
a segunda dizendo respeito a material contratual passou para a alínea e) como
mais abaixo explicarei.
e) A matéria relativamente a contratos,
ou seja, a 2ºparte da alínea b), bem como a alínea e) e f) fica concentrada
numa única alínea, a e). Esta
refere-se à validade de actos pré- contratuais; interpretação, validade e
execução de Contratos Administrativos; interpretação, validade e execução de
quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação pública ou
outras entidades adjudicantes. Os TAF são competentes quando os contratos são
celebrados ao abrigo do regime da Contratação Pública quer sejam pessoas
colectivas públicas ou privadas e independente da natureza pública ou privada
do contrato.
f) Corresponde à antiga alínea g),
acrescenta à sua letra a responsabilidade resultante do exercício da função politica. Esta
concretização segue o entendimento do
RRCEE que já englobava essa função.
g) Corresponde a antiga alínea h) introduz
a palavra “trabalhadores” dirigida para
os que exercem funções ou prestam
serviços a entidades públicas.
h) Corresponde a antiga alínea i) em
vez de” sujeitos privados” substitui por” demais sujeitos”, pretende assim
incluir toda a “actividade pública lesiva” designadamente os órgãos do Estado não
integrados na Administração Pública.
i) Refere-se
a situações “constituídas em
vias de facto” a doutrina entende aqui os litígios materialmente pertencentes à
jurisdição civil. Entendia-se por exemplo, relativamente a expropriações, que
se não tinha titulo legítimo a competência era dos tribunais judiciais agora
essa competência cabe nos TAF.
k)
O pagamento de indemnizações devidas por expropriação/servidões passa para a
competência do TAF. Esta matéria era vista como uma diminuição do âmbito de
jurisdição tendo em conta o actual artigo 4º, que nos dias que correm já não faz
sentido, pois estamos perante uma verdadeira relação jurídica administrativa.
l) Corresponde a antiga alínea j) a última
parte acaba por ser suprimida e reforça-se aqui a aplicação apenas a relações
interinstitucionais.
n) Passa a contemplar todas as contra-ordenações.
1 Lei nº67/2007, de 31 de Dezembro-Regime
da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas
2Não
estão aqui examinadas todas as novas alíneas da Proposta de Lei do artigo 4º do
ETAF, apenas seleccionei as principais alterações.
Bibliografia:
- ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE, A Justiça Administrativa (Lições), 8.ª Edição, Coimbra, Livraria Almedina, 2006
- ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Reimpressão Almedina, Coimbra 2013
- http://e-publica.pt/ambitodejurisdicao.html#_ftn26
Carolina Felisberto
Aluna nº22087
Visto.
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