Antes de entrar directamente no tema,
é importante começar por definir alguns conceitos básicos que neste âmbito
convém serem retidos, tais como, o acto impugnável ser o acto administrativo
que constitui a decisão do órgão da Administração que ao abrigo de normas de
direito público visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e
concreta, (artigo 120.º CPA), sendo esse o acto com eficácia externa e
susceptível de lesar direitos, ou interesses legalmente protegidos do autor,
(artigo 51.º, n.º2 CPTA). Ou seja, os actos administrativos são todos aqueles
que produzam efeitos jurídicos, mas, de entre eles, aqueles cujos efeitos forem
susceptíveis de afectar ou de causar lesão a outrem, são contenciosamente
impugnáveis.
A dita acção de impugnação de actos
administrativos é assim considerada como uma subespécie da acção administrativa
especial, tendo sido tratada de forma muito peculiar. Tais transformações
relativas à impugnação de actos administrativos foram bastante significativas,
relevantes e valiosas no contencioso administrativo.
Não só ocorreram alterações da
designação do meio processual, que já não se designa como recurso contencioso,
passando a designar-se Acção Administrativa
Especial, como também ocorreram alterações noutros sentidos, destacando-se
em vários aspectos. É este o ponto a que queria chegar.
Pois bem, resta-nos então começar a
falar verdadeiramente daquilo que interessa. Quanto ao prazo de impugnação de
actos administrativos, o prazo geral para essa impugnação sofreu uma alteração,
sendo aumentado para três meses (alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA).
Neste âmbito foi possibilitada a impugnação após o decurso deste prazo, desde
que esse não tenha expirado o prazo de um ano, em casos especiais, tais como: o
autor ter sido induzido em erro pela conduta da Administração; esse erro ser
desculpável em virtude do quadro normativo aplicável; ter-se verificado uma situação
de justo impedimento (artigo 58.º, n.º4, do CPTA). O Ministério Público manteve
a possibilidade de impugnação de actos administrativos, no prazo de um ano
(alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA). Já que estamos a falar do
Ministério Público, outra das alterações significantes ocorreu quanto à intervenção processual do mesmo. Assim,
ao Ministério Público é conferida a
possibilidade de intervenção processual num único momento da acção
administrativa especial, sendo-lhe reconhecidas competências para se pronunciar
sobre o mérito da causa e solicitar a realização de diligências instrutórias
até 10 dias após a junção do processo instrutor aos autos (artigo 85.º do
CPTA). Essa tal pronúncia referida anteriormente tem como principal objectivo a
defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos
especialmente relevantes, dos valores do n.º 2 do artigo 9.º do CPTA, e a
identificação de vícios de inexistência ou nulidade quanto a actos que tenham
sido objecto de impugnação contenciosa. [1]
Relativamente à recorribilidade do acto administrativo, o CPTA abandonou o
tradicional conceito de definitividade, permitindo assim a impugnação de
qualquer acto com eficácia externa, independentemente de se encontrar ou não
inserido num procedimento administrativo (n.º1 do artigo 51.º do CPTA).
Prevê-se também a suspensão do prazo para esse efeito, tal como foi referido no
n.º 4 do artigo 59.º do CPTA. O particular tem assim a vantagem de, em primeiro
lugar, formular um recurso ou reclamação administrativa, nunca perdendo a
possibilidade de, mais tarde, caso a resposta não seja positiva/favorável,
impugnar contenciosamente o acto.
No que diz respeito ao alargamento do objecto da acção, é agora
visto como uma realidade aberta, quer por via da possibilidade de cumulação de
pedidos, quer por via da possibilidade da sua ampliação do objecto processual
ao longo do processo. Este alargamento estende-se, em acção administrativa
especial de impugnação de acto administrativo, a novos actos praticados no
âmbito do mesmo procedimento, ou, tratando-se de um acto pré-contratual, ao
contrato que venha a ser celebrado na pendência do processo, artigo 63.º do
CPTA. Ainda quanto à cumulação de pedidos, a Reforma de 2004 consagra a
possibilidade generalizada de se cumularem pedidos, de acordo com a regra de
que todas as cumulações são possíveis desde que a relação jurídica seja a mesma
ou similar, artigo n.º 4 e artigo 47.º do CPTA.
Quanto à recusa oficiosa da petição pela secretaria, está consagrada a
obrigação, em acção administrativa especial, que esta recuse a petição inicial
nos casos em que não satisfaça determinados requisitos, em simetria do que
acontece em processo civil (artigo 80.º do CPTA).
No que se refere às citações e notificações, o CPTA consagra que a citação da
entidade pública demandada e dos contra-interessados na acção administrativa
especial ocorre em paralelo, sendo efectuada oficiosamente pela secretaria do
tribunal (artigo 81.º do CPTA). Encontra-se também previsto que a citação dos
contra interessados em número superior a vinte, seja feita mediante a
publicação de anúncio (artigo 82.º do CPTA). Da mesma forma, a notificação da
entidade demandada e dos contra-interessados para alegar, em acção
administrativa especial, passou a ser efectuada em paralelo (n.º 4 do artigo
91.º do CPTA).
Outra das inovações que teve grande
relevância foi no âmbito dos poderes dos
tribunais. Houve um forte alargamento dos poderes jurisdicionais de
cognição (conhecimento) e de condenação da Administração pelos tribunais.
Quanto ao primeiro aspecto, verificou-se que o tribunal passaria a dispor do
poder-dever de se pronunciar sobre todas as concretas causas da invalidade,
mesmo que estas não tenham sido expressamente invocadas pelo autor (n.º2 do
artigo 95.º do CPTA). Quanto ao segundo aspecto, isto é, aos poderes de
condenação, perante um pedido dirigido à prática do acto administrativo devido,
permite-se que o tribunal condene a Administração na prática desse mesmo acto,
bem como no que trata a outros comportamentos que não consolidem actos
administrativos. Ambos os poderes em causa não se resumem a uma condenação
genérica na necessidade de prática do acto, devendo antes o tribunal
pronunciar-se sobre a pretensão material do autor, podendo determinar o
conteúdo concreto do acto a praticar pela Administração, sempre que isso seja
possível, é claro. Quando não seja possível, deve determinar quais os aspectos
vinculados da prática do acto que devem ser observados na emissão de uma nova
pronúncia administrativa, (artigo 72.º do CPTA).
O
princípio da correcção oficiosa das peças processuais
encontra-se consagrado no artigo 88.º do CPTA. Este artigo, estabelece assim, o
princípio da correcção oficiosa pelo tribunal das deficiências de que resultem
as peças processuais, apenas havendo lugar ao aperfeiçoamento das mesmas quando
a correcção oficiosa não seja possível ou não seja a solução manifestamente
mais vantajosa.
Uma outra alteração visível ocorreu
quanto ao despacho saneador, sendo
introduzido, para acção administrativa especial, a possibilidade de ser
proferido um despacho saneador, principalmente, quando se verifiquem os
fundamentos que obstam ao prosseguimento da causa ou quando o estado do
processo permita o conhecimento do mérito da causa (n.º 1 do artigo 87.º e
artigo 89.º do CPTA). [2]
No que toca à audiência pública e, não
obstante às fases de produção de prova e alegações finais na acção
administrativa especial poderem ser dispensadas (n.º 4 do artigo 78.º, e n.º 2
do artigo 83.º do CPTA), é dada a possibilidade de realização de uma audiência
pública de julgamento, para discussão da matéria de facto, oficiosamente
ordenada pelo juiz ou a pedido de qualquer das partes (artigo 91.º do CPTA). [3]
Para finalizar, falta-nos referir a decisão por remissão para jurisprudência
anterior. O que significa isto? Pois bem. Quando um caso não apresente
especificidades em relação a outros anteriormente apreciados ou a pretensão se
revele manifestamente infundada, admite-se uma decisão sumária, designadamente
por remissão para a jurisprudência anterior (artigo 94.º, n.º 3 do CPTA).
De facto, o recurso de anulação
relevava conflitos insanáveis entre vários planos. O Professor Vasco Pereira da
Silva chegou até a falar de “crise de identidade”, daí que a Reforma de
anulação tivesse posto fim ao recurso de anulação.
A Reforma traduziu-se assim na
abertura da impugnabilidade dos actos, desde os agressivos até todo o universo
do procedimento e da relação jurídica administrativa.
Bibliografia:
- ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”,
Almedina, Março 2013
- VASCO
PEREIRA DA SILVA, “O contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise: Ensaio sobre as acções no novo
processo administrativo”, 2ª
Edição, Almedina, 2009
- ALMEIDA, Mário Aroso de, “O novo
Regime de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4º Edição, Almedina 2002
Ana Rute Dias Costa, nº 19490
[1] O
Ministério Público pode ainda prosseguir a acção, em caso de desistência do
autor (artigo 62.º CPTA).
[2] As
questões que obstem ao prosseguimento do processo que não sejam apreciadas no
despacho saneador não podem ser suscitadas posteriormente (n.º2 do artigo 89.º
do CPTA).
[3] Quando
venha a ocorrer, as alegações finais também serão produzidas, de forma oral.
Visto.
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