segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Após a Reforma do Contencioso Administrativo, quais as alterações ocorridas na Impugnação dos actos administrativos?

Antes de entrar directamente no tema, é importante começar por definir alguns conceitos básicos que neste âmbito convém serem retidos, tais como, o acto impugnável ser o acto administrativo que constitui a decisão do órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, (artigo 120.º CPA), sendo esse o acto com eficácia externa e susceptível de lesar direitos, ou interesses legalmente protegidos do autor, (artigo 51.º, n.º2 CPTA). Ou seja, os actos administrativos são todos aqueles que produzam efeitos jurídicos, mas, de entre eles, aqueles cujos efeitos forem susceptíveis de afectar ou de causar lesão a outrem, são contenciosamente impugnáveis.

A dita acção de impugnação de actos administrativos é assim considerada como uma subespécie da acção administrativa especial, tendo sido tratada de forma muito peculiar. Tais transformações relativas à impugnação de actos administrativos foram bastante significativas, relevantes e valiosas no contencioso administrativo.

Não só ocorreram alterações da designação do meio processual, que já não se designa como recurso contencioso, passando a designar-se Acção Administrativa Especial, como também ocorreram alterações noutros sentidos, destacando-se em vários aspectos. É este o ponto a que queria chegar.

Pois bem, resta-nos então começar a falar verdadeiramente daquilo que interessa. Quanto ao prazo de impugnação de actos administrativos, o prazo geral para essa impugnação sofreu uma alteração, sendo aumentado para três meses (alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA). Neste âmbito foi possibilitada a impugnação após o decurso deste prazo, desde que esse não tenha expirado o prazo de um ano, em casos especiais, tais como: o autor ter sido induzido em erro pela conduta da Administração; esse erro ser desculpável em virtude do quadro normativo aplicável; ter-se verificado uma situação de justo impedimento (artigo 58.º, n.º4, do CPTA). O Ministério Público manteve a possibilidade de impugnação de actos administrativos, no prazo de um ano (alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA). Já que estamos a falar do Ministério Público, outra das alterações significantes ocorreu quanto à intervenção processual do mesmo. Assim, ao Ministério Público é conferida a possibilidade de intervenção processual num único momento da acção administrativa especial, sendo-lhe reconhecidas competências para se pronunciar sobre o mérito da causa e solicitar a realização de diligências instrutórias até 10 dias após a junção do processo instrutor aos autos (artigo 85.º do CPTA). Essa tal pronúncia referida anteriormente tem como principal objectivo a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes, dos valores do n.º 2 do artigo 9.º do CPTA, e a identificação de vícios de inexistência ou nulidade quanto a actos que tenham sido objecto de impugnação contenciosa. [1]

Relativamente à recorribilidade do acto administrativo, o CPTA abandonou o tradicional conceito de definitividade, permitindo assim a impugnação de qualquer acto com eficácia externa, independentemente de se encontrar ou não inserido num procedimento administrativo (n.º1 do artigo 51.º do CPTA). Prevê-se também a suspensão do prazo para esse efeito, tal como foi referido no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA. O particular tem assim a vantagem de, em primeiro lugar, formular um recurso ou reclamação administrativa, nunca perdendo a possibilidade de, mais tarde, caso a resposta não seja positiva/favorável, impugnar contenciosamente o acto.

No que diz respeito ao alargamento do objecto da acção, é agora visto como uma realidade aberta, quer por via da possibilidade de cumulação de pedidos, quer por via da possibilidade da sua ampliação do objecto processual ao longo do processo. Este alargamento estende-se, em acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, a novos actos praticados no âmbito do mesmo procedimento, ou, tratando-se de um acto pré-contratual, ao contrato que venha a ser celebrado na pendência do processo, artigo 63.º do CPTA. Ainda quanto à cumulação de pedidos, a Reforma de 2004 consagra a possibilidade generalizada de se cumularem pedidos, de acordo com a regra de que todas as cumulações são possíveis desde que a relação jurídica seja a mesma ou similar, artigo n.º 4 e artigo 47.º do CPTA.

Quanto à recusa oficiosa da petição pela secretaria, está consagrada a obrigação, em acção administrativa especial, que esta recuse a petição inicial nos casos em que não satisfaça determinados requisitos, em simetria do que acontece em processo civil (artigo 80.º do CPTA).

No que se refere às citações e notificações, o CPTA consagra que a citação da entidade pública demandada e dos contra-interessados na acção administrativa especial ocorre em paralelo, sendo efectuada oficiosamente pela secretaria do tribunal (artigo 81.º do CPTA). Encontra-se também previsto que a citação dos contra interessados em número superior a vinte, seja feita mediante a publicação de anúncio (artigo 82.º do CPTA). Da mesma forma, a notificação da entidade demandada e dos contra-interessados para alegar, em acção administrativa especial, passou a ser efectuada em paralelo (n.º 4 do artigo 91.º do CPTA).

Outra das inovações que teve grande relevância foi no âmbito dos poderes dos tribunais. Houve um forte alargamento dos poderes jurisdicionais de cognição (conhecimento) e de condenação da Administração pelos tribunais. Quanto ao primeiro aspecto, verificou-se que o tribunal passaria a dispor do poder-dever de se pronunciar sobre todas as concretas causas da invalidade, mesmo que estas não tenham sido expressamente invocadas pelo autor (n.º2 do artigo 95.º do CPTA). Quanto ao segundo aspecto, isto é, aos poderes de condenação, perante um pedido dirigido à prática do acto administrativo devido, permite-se que o tribunal condene a Administração na prática desse mesmo acto, bem como no que trata a outros comportamentos que não consolidem actos administrativos. Ambos os poderes em causa não se resumem a uma condenação genérica na necessidade de prática do acto, devendo antes o tribunal pronunciar-se sobre a pretensão material do autor, podendo determinar o conteúdo concreto do acto a praticar pela Administração, sempre que isso seja possível, é claro. Quando não seja possível, deve determinar quais os aspectos vinculados da prática do acto que devem ser observados na emissão de uma nova pronúncia administrativa, (artigo 72.º do CPTA).

O princípio da correcção oficiosa das peças processuais encontra-se consagrado no artigo 88.º do CPTA. Este artigo, estabelece assim, o princípio da correcção oficiosa pelo tribunal das deficiências de que resultem as peças processuais, apenas havendo lugar ao aperfeiçoamento das mesmas quando a correcção oficiosa não seja possível ou não seja a solução manifestamente mais vantajosa.
Uma outra alteração visível ocorreu quanto ao despacho saneador, sendo introduzido, para acção administrativa especial, a possibilidade de ser proferido um despacho saneador, principalmente, quando se verifiquem os fundamentos que obstam ao prosseguimento da causa ou quando o estado do processo permita o conhecimento do mérito da causa (n.º 1 do artigo 87.º e artigo 89.º do CPTA). [2]
No que toca à audiência pública e, não obstante às fases de produção de prova e alegações finais na acção administrativa especial poderem ser dispensadas (n.º 4 do artigo 78.º, e n.º 2 do artigo 83.º do CPTA), é dada a possibilidade de realização de uma audiência pública de julgamento, para discussão da matéria de facto, oficiosamente ordenada pelo juiz ou a pedido de qualquer das partes (artigo 91.º do CPTA). [3]

Para finalizar, falta-nos referir a decisão por remissão para jurisprudência anterior. O que significa isto? Pois bem. Quando um caso não apresente especificidades em relação a outros anteriormente apreciados ou a pretensão se revele manifestamente infundada, admite-se uma decisão sumária, designadamente por remissão para a jurisprudência anterior (artigo 94.º, n.º 3 do CPTA).

De facto, o recurso de anulação relevava conflitos insanáveis entre vários planos. O Professor Vasco Pereira da Silva chegou até a falar de “crise de identidade”, daí que a Reforma de anulação tivesse posto fim ao recurso de anulação.

A Reforma traduziu-se assim na abertura da impugnabilidade dos actos, desde os agressivos até todo o universo do procedimento e da relação jurídica administrativa.

Bibliografia:

- ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, Março 2013

  VASCO PEREIRA DA SILVA, “O contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise: Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo”, 2ª Edição, Almedina, 2009

- ALMEIDA, Mário Aroso de, “O novo Regime de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4º Edição, Almedina 2002

Ana Rute Dias Costa, nº 19490



[1] O Ministério Público pode ainda prosseguir a acção, em caso de desistência do autor (artigo 62.º CPTA).
[2] As questões que obstem ao prosseguimento do processo que não sejam apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas posteriormente (n.º2 do artigo 89.º do CPTA).
[3] Quando venha a ocorrer, as alegações finais também serão produzidas, de forma oral. 

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