quinta-feira, 30 de outubro de 2014

"O acto administrativo contra o mundo"

O confronto histórico entre os modelos de justiça administrativa, o objectivista e o subjectivista, entre os quais o primeiro visa a defesa da legalidade e o segundo uma óptica mais individual de tutela de direitos ou de interesses legalmente protegidos, foi deixando marcas no contencioso administrativo. Apesar da mudança de paradigma de base objectivista para um sistema subjectivista, após a reforma do contencioso, há ainda marcas do modelo objectivista no C.P.T.A, nomeadamente no art.º 55 nº 1 a) do C.P.T.A.
Posição também defendida pelo Prof. Vieira de Andrade que nos diz que toda esta norma tem um carácter objectivista pois continua a conferir a legitimidade para impugnar actos administrativos aos titulares de meros interesses de facto, a estes interesses de facto faz também menção o Prof. Aroso de Almeida quando diz que há luz deste “interesse pessoal e directo” pode ser pedida a impugnação de acto administrativo por quem tenha nisso interesse para si de uma vantagem jurídica ou económica, a vantagem económica é aqui a alusão aos meros interesses de facto, ou seja, não necessita o autor de numa destas alegar a titularidade de uma posição jurídica subjectiva, o que na minha opinião alarga em muito o leque de pessoas com legitimidade processual para tentar impugnar um acto administrativo.
Isto acontece devido ao facto do critério do “interesse pessoal e directo”, que no mesmo art.º 55 nº 1 a) do C.P.T.A é seguido pela frase “… designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”, não estar directamente ligado e relevar apenas a primeira parte para a atribuição da legitimidade activa para impugnação de acto administrativo.
Este critério do “interesse pessoal e directo” segundo o Prof. Aroso de Almeida apenas tem como limite o facto de o autor prosseguir para a acção no seu próprio interesse (pessoal) e de que este lhe possa trazer um benefício imediato, o que mais uma vez volto a dizer, alarga em muito o leque de pessoas com legitimidade para impugnar certo acto, dai o título do post ser “O acto administrativo contra o mundo”.
Passo agora à minha humilde opinião sobre esta questão da legitimidade alargada!
Que as pessoas possam defender as suas pretensões em tribunal e fazer valer os seus direitos perante as afectem e lhes possa trazer uma desvantagem, até este momento todos concordam, mas essas pretensões ou situações desvantajosas não se devem prender com meros interesses de facto.
Não duvidando da competência dos tribunais para decidir sobre o mérito da procedência ou não dessa mesma acção, mas este critério leva a que possam ser intentadas acções nos tribunais administrativos que não estejam relacionadas com nenhuma razão jurídica de fundo que valha a pena ser discutida em tribunal, temos o exemplo do proc. 911/05 de 25 de maio 2006 em que o tribunal reconheceu legitimidade ao proprietário de um posto de combustível para impugnar o licenciamento da construção de um novo posto de combustível que poderia comprometer a viabilidade económica do seu posto de combustíveis, ou o caso do aluno descontente com a atribuição de uma bolsa a outro aluno em seu detrimento, exemplo dado pelo Dr. José Duarte Coimbra no seu trabalho de oral de melhoria de contencioso.
Para evitar exemplos de acções destas que mais me parecem “perdas de tempo”, que penso que a possibilidade de intentar acções de impugnação de actos por “meros interesses de facto” devia ser afastada.
Os tribunais devem discutir situações de direitos ou de interesses legalmente protegidos que foram violados ou que não estão a ser respeitados, ou ainda outras acções que tenham razões jurídicas na sua substância e não o facto de certo acto administrativo poder levar à diminuição do lucro de um posto de combustível ou de outra actividade.
Além disso a concepção ampla da relação jurídica administrativa que concebe a relação jurídica administrativa como não apenas bilateral mas como um conjunto de mais intervenientes, também por uma posição jurídica subjectiva ampla, como é defendido pelo Dr. José Duarte Coimbra, tal como está no seu trabalho de oral de melhoria, é a junção destas teorias que permite interligar o “interesse pessoal e directo” à posição jurídica subjectiva da sua relação jurídica administrativa na concepção ampla, que daria legitimidade activa para intentar acções quando o individuo tivesse a sua posição jurídica lesada ou houvesse ilegalidade do acto administrativo, afastando assim os meros interesses de facto da equação.


Bibliografia:
Silva, Vasco Pereira – “O Contencioso no divã da psicanalise”
Almeida, Mário Aroso de – “ Manual de Processo Administrativo” págs. 233 a 239
Vieira de Andrade, José Carlos – “Justiça Administrativa” págs. 196 e s.s.
Coimbra, José Duarte- “Trabalho de oral de Melhoria de Contencioso Administrativo”
       



                                                                                      Milton Aurélio

  Nº21417

1 comentário:

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.